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HRW denuncia "tortura crônica" no Brasil

Marina Estarque, de São Paulo30 de janeiro de 2015

Mortes por ação da polícia quase dobraram no estado de São Paulo e subiram 40% no Rio de Janeiro. Human Rights Watch também alerta que tortura é problema "crônico" no país, uma "herança da impunidade".

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Foto: Reuters

A letalidade policial aumentou em 2014 e a tortura permanece "crônica" no Brasil, alertou a organização Human Rights Watch (HRW) nesta quinta-feira (29/01) durante o lançamento de seu relatório anual de direitos humanos.

O número de mortos em decorrência de intervenção policial cresceu 97% no estado de São Paulo, passando de 369, em 2013, para 728, no ano passado. No estado do Rio de Janeiro, o aumento foi de 40%, chegando a 582 mortos. Em média, seis pessoas morrem por ação da polícia todos os dias no país.

A diretora da HRW no Brasil, Maria Laura Canineu, comparou o estado de São Paulo com a África do Sul. "A população dos dois é semelhante, e o país africano tem uma taxa de homicídios maior do que a brasileira. Mas lá foram 413 mortos pela polícia em 2013. O Estado de São Paulo mata bem mais do que a África do Sul inteira", disse.

A ONG também apontou a tortura como uma das violações recorrentes no país. De janeiro de 2012 a junho de 2014, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu 5.431 denúncias de tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante. Foram cerca de 180 casos por mês, seis por dia.

"E 84% dessas violações ocorreram dentro de estabelecimentos em que o preso estava sob custódia do Estado. Os métodos utilizados são os mais cruéis. No atual estágio da nossa democracia, não se espera isso", ressaltou Canineu.

Sobre a relação da tortura atual com o regime militar, a diretora defendeu que a prática é uma "herança da impunidade". "O fato de os agentes terem a convicção de que não serão punidos por esses graves abusos favorece que a tortura permaneça", afirmou.

No relatório, a ONG também ressalta que a taxa de encarceramento no Brasil cresceu 45% entre 2006 e 2013, de acordo com números do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça.

O Brasil possui uma população carcerária de mais de meio milhão de pessoas – 37% maior do que sua capacidade. Segundo Canineu, outro agravante é a quantidade excessiva de presos provisórios e a prática de mantê-los em um mesmo espaço com detentos já condenados.

"A superlotação, a falta de segurança e a ociosidade no sistema prisional favoreceram a criação de facções criminosas, que hoje contribuem para a ausência de segurança pública fora dos muros da prisão", argumenta a diretora da ONG.

Alguns avanços

Apesar dos retrocessos, na avaliação da HRW o Brasil também registrou importantes avanços em 2014. Sobre a letalidade policial, a ONG menciona a resolução no Estado de São Paulo que limita a ação de policiais no socorro a vítimas de violência.

Consideram positivo também o sistema de metas implementado no Rio de Janeiro, que dá prêmios financeiros aos policiais por redução da criminalidade, bem como do número de mortes em caso de ação da polícia.

Contra a tortura, a HRW elogiou uma resolução do Conselho Nacional de Justiça que orienta juízes sobre medidas básicas a serem tomadas nas investigações destes casos. Além disso, ela destacou a seleção de 11 peritos, por parte do Comitê Nacional para a Prevenção e Combate à Tortura, que vão realizar visitas periódicas e regulares a locais de privação de liberdade.

Já no sistema carcerário, Canineu avalia que houve pouco progresso. "Não houve nenhuma mudança estrutural nessa política de encarceramento em massa", afirma. No caso do Maranhão, entretanto, a diretora avalia que houve avanços pontuais após a crise no sistema prisional do estado, onde 60 detentos foram mortos apenas em 2013.

Projetos de lei

Por fim, a ONG reiterou a necessidade da aprovação do projeto de lei 544/2011, em tramitação no Congresso, que estabelece a audiência de custódia. Segundo a proposta, o suspeito deve ser apresentado a uma autoridade judicial até 24 horas após a prisão em flagrante.

Outro projeto de lei importante para diminuir a tortura e a letalidade por parte da polícia, de acordo com a ONG, é o PL 4471/12, que colocaria fim ao "auto de resistência". A proposta determina que toda ação policial que resultar em lesão ou morte deve ser investigada, e o autor pode ser preso em flagrante.