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História comum e deslizes variados

Assis Mendonça13 de dezembro de 2002

Comparando declarações de um líder sindicalista à perseguição dos judeus pelos nazistas, o governador do Estado do Hesse, Roland Koch, provocou uma onda de indignação na Alemanha.

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Governador Roland Koch provocou indignação com suas declaraçõesFoto: AP

Poucos temas são tão melindrosos na Alemanha como os que se relacionam com o passado nazista do país. Por óbvias razões históricas e humanas, os alemães têm de abordar o assunto com extremo cuidado. A própria legislação proíbe qualquer tipo de símbolo relacionado com a fétida ideologia de Hitler e seus cúmplices: da cruz suástica à saudação hitlerista, além da propagação da chamada "mentira de Auschwitz" – isto é, a negação ou a minimização dos hediondos crimes praticados pela ditadura nazista.

Ultimamente, no entanto, destacados políticos alemães – de todos os grandes partidos – dão testemunho de completa insensibilidade ou de propositado desconhecimento da história e da legislação de seu país. Nem mesmo a repulsa da maioria dos alemães e algumas conseqüências graves para a carreira de políticos do primeiro escalão parecem servir de advertência e de lição.

"Estrela no peito"

O caso mais recente foi registrado esta semana, numa sessão plenária da Assembléia Legislativa do Estado do Hesse. Embalado pela retórica de campanha eleitoral (as eleições estaduais serão dentro de dois meses), o governador democrata-cristão Roland Koch abordou a atual polêmica interna alemã sobre a possível introdução de um imposto sobre o patrimônio pessoal.

Judenstern
Foto: DHM

No seu discurso, Koch atacou o líder sindicalista Frank Bsirske por citar nomes de alemães ricos, que deveriam pagar tal imposto. E fez uma alusão à perseguição nazista dos judeus, obrigados a trajar a estrela de Davi para clara identificação. Segundo Koch, ao citar os nomes dos ricos, Bsirske estaria criando uma "nova forma de estrela no peito" e "um paralelo terrível com outras épocas".

As reações não se fizeram esperar: dentro do plenário, enorme tumulto; no restante da Alemanha, uma onda de indignação. O pedido público de desculpas, apresentado por Roland Koch logo após a pausa na sessão plenária, não foi suficiente para acalmar os ânimos.

Insulto às vítimas

Uma das primeiras reações partiu do presidente do Comitê Central dos Judeus na Alemanha, Paul Spiegel, que classificou a comparação feita por Koch como "um insuportável insulto" a todas as vítimas do regime nazista. Spiegel afirmou ainda ter registrado o posterior pedido de desculpas de Koch. "Mas permanece um certo amargor. Se eu assassiná-lo amanhã e depois de amanhã pedir desculpas à sua esposa, o que ela me diria?", perguntou o líder judaico numa entrevista ao jornal Handelsblatt.

Spiegel não reivindicou conseqüências diretas para o deslize verbal de Roland Koch, afirmando que cabe ao seu partido adotar uma medida adequada. Para a União Democrática Cristã (CDU), no entanto, o incidente parece ser de pouca importância. O secretário-geral Laurenz Meyer apressou-se em defender o governador do Hesse, afirmando que a questão foi encerrada com o pedido de desculpas de Koch. Também o governo de Berlim condenou a citação do governador.

Leia sobre casos precedentes na página seguinte

Casos anteriores

Kohl und Gorbatschow
Mikhail Gorbatchov (esq.) e Helmut KohlFoto: AP

O caso tem vários precedentes em épocas recentes. Na década de 80, dois incidentes similares marcaram a vida pública alemã. Em novembro de 1986, o então chanceler Helmut Kohl (CDU) concedeu uma entrevista ao semanário americano Newsweek, na qual traçou um paralelo entre Mikhail Gorbatchov e o ministro da Propaganda de Hitler, Josef Goebbels. Temeram-se conseqüências catastróficas para a política externa alemã. Mas o líder soviético mostrou-se generoso, ignorando o assunto. Posteriormente, os dois políticos acabaram tendo não apenas um relacionamento cordial, mas estabelecendo uma estreita amizade pessoal que perdura ainda hoje.

Dois anos mais tarde, o então presidente do Bundestag (Parlamento alemão), Philipp Jenninger (CDU), arriscou-se a fazer uma nova interpretação histórica do papel alemão na perseguição nazista aos judeus, discursando exatamente no solenidade em memória das vítimas da Noite do Cristal do Reich, ocorrida 50 anos antes. A solenidade terminou em tumulto, as críticas no país e no Exterior foram tão grandes que Jenninger teve de renunciar ao cargo, afastando-se pouco depois da vida pública.

Outros partidos

Mas não são apenas os políticos democrata-cristãos que cometeram tais deslizes. Recentemente, também o Partido Liberal Democrático (FDP) e o Partido Social Democrático (SPD) viram-se às voltas com casos similares.

Durante a campanha eleitoral para o pleito de 22 de setembro passado, o então vice-presidente do Partido Liberal, Jürgen Möllemann, procurou angariar votos do eleitorado de extrema- direita, provocando uma polêmica descabida com o jornalista e autor judeu alemão Michel Friedman e atacando frontalmente a política de Israel.

Nos dias que precederam a eleição, Möllemann mandou imprimir e distribuir panfletos com um tom incontestavelmente anti-semita. Depois de muitos protestos, uma investigação interna no partido constatou ainda atividades ilegais de Jürgen Möllemann no financiamento da sua campanha eleitoral e da publicação do panfleto. Ele foi afastado de todos os seus cargos no FDP e poderá ser processado dentro em breve pela Justiça alemã.

Na mesma época, também o SPD foi envolvido pelo deslize verbal de uma ministra. Na sua edição de 19 de setembro (três dias antes das eleições parlamentares alemãs), o jornal Schwäbisches Tagblatt revelou que a ministra da Justiça Hertha Däubler-Gmelin (SPD) fizera uma comparação da política do presidente americano George W. Bush para o Iraque com a política de Adolf Hitler, em conversa com um grupo de 30 sindicalistas.

A Casa Branca ficou muito irritada, as relações bilaterais teuto-americanas (já abaladas pela recusa do chanceler Gerhard Schröder em dar qualquer apoio a uma eventual intervenção militar dos EUA no Iraque) atingiu o seu ponto mais crítico depois da Segunda Guerra Mundial. O degelo diplomático só ocorreu recentemente, em novembro passado, por ocasião da conferência de cúpula da OTAN, em Praga. No dia seguinte à reeleição de Schröder, o SPD anunciou que o Ministério da Justiça não seria mais ocupado por Hertha Däubler-Gmelin.

Insulto e escárnio

Diante das declarações ("incríveis e irresponsáveis") do governador Roland Koch, o presidente do Bundestag, Wolfgang Thierse (SPD), viu-se compelido a fazer um apelo por "um desarmamento verbal" no debate político na Alemanha. É preciso encontrar novamente um "tom adequado, calmo e objetivo" para as polêmicas naturais de um Estado democrático, segundo Thierse.

"Não necessitamos de vocábulos que expressem a mais profunda indignação moral, nem de expressões emprestadas dos dicionários da guerra e outras formas de escalada verbal", censurou o presidente do Parlamento. A seu ver, o mais intragável são "as comparações cada vez mais freqüentes com a época nazista". Com isto, não se soluciona nenhum problema, "mas se lança insulto e escárnio sobre as vítimas da ditadura nacional-socialista".