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Heine e Schumann: vínculo musical

Flávia Magalhães12 de março de 2006

Exposição reúne Heinrich Heine e Robert Schumann em Düsseldorf e celebra o Romantismo alemão.

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Heine é tema da nova exposição do Kunsthalle, em DüsseldorfFoto: Picture-Alliance/dpa

Em comemoração aos 150 anos da morte do escritor Heinrich Heine e do compositor Robert Schumann, o Kunsthalle de Düsseldorf inaugura uma exposição neste domingo (12/03). A mostra, que poderá ser visitada até 11 de junho de 2006, tem como tema a ligação entre Heine e Schumann, o qual compôs aproximadamente 40 lieder com base nos textos de Heine. Pessoalmente, os dois se encontraram apenas por alguns minutos em 1828, em Munique.

Manuscritos, livros, objetos pessoais e quadros tentam reproduzir o ambiente do século 19 na Alemanha, explicitando a contemporaneidade dos dois grandes representantes culturais da época. A exposição compõe-se de três partes: Sonhos e novo lied – Romantismo e revolução, com ênfase no período romântico alemão e nas mudanças então desencadeadas; Amor de poeta (Dichterliebe), título de um ciclo de canções de Schumann, enfoca a vida dupla, entre a música e a literatura; e Noite friaDoença e morte, abordando a sífilis que vitimou ambos, e seu sofrimento antes da morte.

Robert Schumann
Robert Schumann musicou vários poemas de HeineFoto: DPA

Uma quarta seção está sendo preparada pelo Instituto Heinrich Heine e ilustrará a recepção da obra do poeta e suas influências, através de textos, quadros, desenhos, partituras e anotações. Trabalhos de estudantes da Academia de Artes de Düsseldorf baseados em ambas as obras deverão completar a mostra, a qual é o resultado do esforço conjunto do Instituto Heinrich Heine, do Kunsthalle de Düsseldorf, do Fundo de Pesquisas Robert Schumann e da Academia de Artes de Düsseldorf.

Heine: um escritor polêmico

Por muito tempo, Heinrich Heine ficou distante da lista de escritores alemães de prestígio, chegando até a entrar para o Index, a lista de livros proibidos pela Igreja católica. A visão revolucionária do poeta era incompatível com o governo alemão de sua época. Porém hoje seu estilo sagaz e ferino pode ser melhor compreendido.

Exilado na França, Heine descreveu suas impressões sobre o país natal. Entremeando em seus textos forte crítica político-social, ele nos fornece uma apresentação lancinante e, conseqüentemente, um duro julgamento da Alemanha.

Heine, considerado por muitos um intelectual cosmopolita, aberto a novas culturas, estava sempre atento, em seus textos, à vanglória política, que submeteu a crítica severa .

O escritor foi também uma das figuras centrais do movimento literário conhecido como "Jung Deutschland" (Alemanha Jovem), graças à consistência e congruência de suas opiniões, à originalidade de suas idéias e à estética de seus escritos. Sobretudo a prosa de Heine propõe inovações literárias relevantes.

Heine pode ser considerado o último poeta romântico alemão. Sua lírica com características populares, a ironia, o pessimismo presente na última fase de seu trabalho, a negação da burguesia e da realidade fixada no plano material estão fortemente ancorados no Romantismo.

O elo: kunstlied e sarcasmo

Ao conhecer a obra de Heine, Schumann encantou-se com seu humor sarcástico e amargo, percebendo nessa poesia os elementos necessários para compor magníficos exemplos de lieder românticos.

Para o músico, a poesia de Heine retratava bem o espírito da época: os sentimentos não sob a forma do excesso amoroso, mas como reflexo do desespero existencial; o amor entremeado pelo encanto do medo e da solidão.

Klaviertastatur mit Notenblatt
A sátira de Heine foi excluída das composições de SchumannFoto: BilderBox

Entretanto, duras críticas recaíram sobre o compositor, que o acusaram de negligenciar o conteúdo irônico do poeta. Contudo, o barítono Dieter Fischer-Dieskau afirma que o compositor "foi capaz de traduzir como poucos uma expressão artística similar à proposta por Heine, com suas qualidades críticas e sua intensidade".

O famoso cantor acredita ainda que os textos selecionados por Schumann "representam bem as contradições internas do indivíduo e, portanto, as suas próprias. [...] Nuances, um espírito despedaçado, alegria tornando-se melancolia, tristeza que se transforma em exuberância e sarcasmo, tonalidades da pintura do crepúsculo, imagens da morte olhando por sobre os ombros de meninas – Schumann utilizou todos estes estados de espírito e imagens encontradas na poesia de Heine para desenvolver sua forma única de compor um lied".

Gênero nascido nos castelos, na igreja e nas ruas

O kunstlied – canção artisticamente elaborada – originou-se de três fontes: a lírica trovadoresca medieval, na qual o poeta devia encontrar as palavras que melhor se encaixavam na melodia composta (daí o nome trovador, do francês trouver "achar"); os cânticos religiosos, passando do canto gregoriano ao hino protestante; e, finalmente, a canção popular (volkslied), com suas características formais próprias, tanto poéticas quanto musicais.

Após uma parcial perda de popularidade, o lied retoma fôlego no final do século 18 e começa a se transformar no kunstlied propriamente dito. O piano, antes mero acompanhamento, torna-se autônomo e parte integrante da composição musical, chegando a atuar como narrador e comentarista.

Destacam-se, aqui, as contribuições de Ludwig van Beethoven, onde a música reflete a seriedade e profundidade dos textos poéticos; e de Franz Schubert, cujo conjunto – incluídas as obras baseadas em poemas de Heine e Goethe – consta como o mais importante do gênero.

Dichterliebe: auge do trabalho "conjunto"

Schumann recorreu a Heine pela primeira vez no Liederkreis op.24. Este ciclo vocal se baseia em nove poemas retirados da primeira parte do Livro das Canções (Buch der Lieder) e apresenta postlúdios extensos de piano, uma característica marcante do compositor.

Rhein mit Loreley in St. Goarshausen
A lenda de Loreley foi tema da poesia de HeineFoto: Illuscope

Em Die feindlichen Brüder (Os irmãos inimigos), Schumann utilizou quatro dos 20 contos de Heine em forma de balada. Estes são marcados por suas tiradas sarcásticas sobre as lendas, como no conhecido conto da Loreley. Entretanto, na composição de Schumann, a balada aparece de uma forma simples e direta, sem o sarcasmo sutil de Heine.

Seguiram-se outras composições sobre textos do escritor, como Belsazar e Die beiden Grenadiere (Os dois granadeiros), culminando em Dichterliebe op. 48. Para este, Schumann selecionou 16 poemas da seção Lyrisches Intermezzo e reordenou-os, obtendo resultados comoventes.

Os lieder do ciclo se interrelacionam, formando um conjunto orgânico. Os substanciais postlúdios pianísticos podem ser quase considerados canções à parte. Passando do otimismo sonhador ao desespero e à melancolia, a composição evoca um vasto espectro de emoções. Dichterliebe constitui um apogeu da obra schumanniana e um marco do período romântico.

Düsseldorf: berço de Heine, fim da linha para Schumann

Apesar desses resultados brilhantes, a frutífera conexão terminou bruscamente. Ao saber que Heine havia insultado o seu amigo Mendelssohn, Schumann cessou qualquer tipo de contato com o escritor ou sua obra.

Encerrou-se assim um produtivo capítulo da história da música alemã, agora revivido na exposição de Düsseldorf, cidade renana onde Heine nasceu e Schumann viveu seus últimos anos.