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Hamilton de Holanda toca com Edmar Castañeda em noite estrelada

15 de agosto de 2012

Um toca bandolim. O outro, harpa. A dupla inusitada encantou o público em Frankfurt com sua mistura de choro, flamenco, bossa nova e clássicos do jazz.

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Hamilton de HolandaFoto: DW/Felipe Tadeu

O Palmengarten de Frankfurt, jardim botânico incrustado no maior centro financeiro da Europa, abriu suas portas na noite desta terça-feira (14/08) para receber um dueto instrumental inusitado, com bandolim e harpa, nas mãos de dois mestres das cordas.

De um lado, estava aquele que é considerado um dos mais fascinantes músicos contemporâneos do Brasil, o chorão Hamilton de Holanda. Do outro, um artista de aspecto franzino que surpreendeu o público com sua habilidade no manuseio de um instrumento aparentemente limitado: Edmar Castañeda, nascido em Bogotá, mas radicado há anos nos Estados Unidos.

Passeando por choros, flamenco, temas da bossa nova e standards do jazz, como Autumn Leaves (Joseph Kosma e Jacques Prévert), a dupla arrancou aplausos entusiasmados da plateia de 600 ouvintes, que lotou a concha acústica, num concerto da bem-sucedida série Weltmusik (música do mundo), produzida pelo Mousonturm de Frankfurt.

Um espetáculo com repertório bem concebido, sem concessões aos clichês da música latino-americana e que soou como bálsamo para os admiradores da música da prestigiada gravadora alemã ECM Records.

Pela internet

Hamilton foi o primeiro a subir ao palco. Com penteado bem diferente da última vez que passou pela Alemanha, em março de 2010, o ás do choro fez muita gente lembrar de Baden Powell, com seu visual rejuvenescido. Logo no início, a primeira homenagem da noite, feita a Egberto Gismonti em Capricho do Carmo.

Hamilton, que lançou há pouco com André Mehmari um soberbo tributo ao multiinstrumentista em Gismontipascoal (A música de Egberto e Hermeto), deu a pista do que viria pela frente em termos de virtuosismo no bandolim. Não era a primeira vez que o brasileiro dividia o tablado com o músico colombiano. “Eu o conheci pela internet. Béla Fleck [jazzista norte-americano] tem um percussionista chamado Future Man, que estava produzindo uma compilação de hinos de diversos países. Future me chamou para gravar o hino brasileiro e me mostrou um colombiano tocando o da Colômbia. Maravilha! Edmar tem tudo a ver com o que faço, pegando um instrumento que é tradicional do lugar dele e levando para outro caminho. Como eu com o bandolim.“

Hamilton entrou em contato com o harpista pela rede, e os dois resolveram fazer shows juntos. Já se apresentaram no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Curitiba, em Bogotá, em Barranquilha e em alguns palcos europeus. “Eu tenho um cardápio de trabalhos. O que faço é diferente de um músico pop, que, quando lança disco, fica dois anos trabalhando em cima dele. A mente criativa não deixa a gente ficar um ano inteiro só em cima do mesmo trabalho. Hoje estou com o Edmar, amanhã com o Yamandu Costa“, disse Hamilton.

Der kolumbianische Musiker Edmar Castañeda
Edmar CastañedaFoto: DW/Felipe Tadeu

Pixinguinha universal

Não é qualquer um que tem coragem para encarar uma plateia sozinho no palco empunhando um bandolim, instrumento que geralmente carece de acompanhamento. “Eu prefiro tocar acompanhado por um grupo, esse trabalho de bandolim solo surgiu quando eu morei na França. Depois de uma vida inteira morando em Brasília, tocando com meu irmão e meu pai [na primorosa formação Dois de Ouro], eu me vi sozinho, tendo que criar alguma parada“, contou o bandolinista nascido no Rio de Janeiro.

Se, por um lado, os shows individuais representam um maior rendimento nos cachês, por outro o comprometimento com o espetáculo é muito mais intenso, arriscado. “Quando você está sozinho, a tolerância ao erro é bem menor“, sentenciou o tarimbado instrumentista.

Mas coragem é o que não falta a Hamilton, que anda empolgado com os projetos que tem pela frente, voltados para a obra de Pixinguinha, o maior criador do choro. Ele se sente muito à vontade em lidar com o assunto. “É um novo mergulho na obra dele, porque essa é a essência da minha música. Aprendi a tocar a partir das melodias de Pixinguinha. Como o jazz é o universo onde ultimamente tenho circulado mais, por conta do rumo internacional que minha carreira tomou, fiquei com vontade de fazer um disco com músicos estrangeiros em cima da obra dele. A ideia principal é que participem Stefano Bollani, Chick Corea e Chucho Valdés e também com alguns brasileiros. É uma maneira de eu reencontrar esse universo de Pixinguinha, depois de me dedicar mais à composição“, disse Hamilton.

Gênero radical

Indagado se o choro seria mais conhecido no cenário internacional caso tivesse uma coreografia específica, Hamilton respondeu: “Talvez sim, mas o choro tem uma característica especial por ser um gênero doméstico, que cresceu dentro de casa. A grande maioria dos músicos foi formada por funcionários públicos ou por pessoas que tinham outros empregos. Nunca houve uma necessidade de profissionalização como existe na música pop.“

Seria o choro então muito ortodoxo para se espalhar pela aldeia global? “É, ele tem esse lado um pouco radical de ser instrumental, em busca da excelência, e isso o afastou [do grande público]. Por outro lado, pode-se preservar uma qualidade que outros gêneros já não têm“, opina o bandolinista, que circula com desenvoltura pelo exterior, realizando quase metade de seus shows no estrangeiro. Para ele, que não é contra as inovações, só o tempo vai dizer se foi bom ou não para o choro se misturar.

A eletrificação do gênero, levada a cabo no início dos anos 70 por Armandinho Macedo, um dos ídolos de Hamilton de Holanda no bandolim, é encarada pelo músico de maneira curiosa. “Foi uma necessidade do momento pós-Tropicália, analisando historicamente. Vinha amplificar uma coisa que se fazia no quintal de casa para 5 mil, 10 mil pessoas. Você não consegue colocar um instrumento como o meu no palco para tanta gente, só se for um palco preparado para uma orquestra“, observa. “A eletrificação da Cor do Som foi uma história que começou com o pai do Armadinho [Osmar Macedo, parceiro de Dodô], mais por uma questão técnica do que como opção estética“, opina.

O concerto no Palmengarten, que teve seu clímax com a dupla executando Manhã de Carnaval (Luiz Bonfá e Antônio Maria) e Melodia Sentimental, de Heitor Villa-Lobos, com Edmar Castañeda tirando graves absurdos de um instrumento que para os brasileiros é sinônimo de Natal, emocionou o público a ponto de receber três bis.

Autor: Felipe Tadeu
Revisão: Alexandre Schossler