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Geração de 1968

24 de dezembro de 2009

Rudi Dutschke foi o mais carismático líder do movimento estudantil alemão dos anos 60. Após sofrer tentativa de assassinato, ele abandonou a Alemanha com a família, para nunca mais voltar. Dutschke morreu há 30 anos.

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Rudi Dutschke discursando em um protesto em Berlim, 1968Foto: AP

Há 40 anos, em plena década de 60, a juventude alemã olhava para o eloquente e carismático Rudi Dutschke como porta-voz de seus desejos de mudança para a sociedade alemã. A rebelião corria solta nas ruas da Alemanha.

Falando em nome da União Estudantil Socialista Alemã (SDS), Dutschke denunciava o que ele e outros contestadores consideravam falhas na cultura alemã: as severas reformas antidemocráticas impostas às universidades e à sociedade, a hipocrisia de antigos nazistas em posições de poder dentro do governo, 20 anos após a Segunda Guerra.

Rudi Dutschke
Dutschke e sua mulher, Gretchen, em Londres, 1970Foto: AP

Sua esposa, Gretchen Dutschke-Klotz, lembra que Rudi tinha tanto a sagacidade e a suave sinceridade que, combinadas, eram perfeitas para um líder político: "Ele era uma pessoa cheia de energia, preocupado com os outros. Se visse alguém numa situação difícil, já queria ajudar", descreve Gretchen.

"Um cara muito legal mesmo"

Gretchen Klotz, norte-americana recém-saída da faculdade e em viagem pela Europa, encontrou Dutschke em um café em Berlim, em 1964. "Foi num café com mesas grandes. Havia muita gente sentada ali, mas ele era o único que tinha uma imensa pilha de livros à frente. Então pensei: OK, ele é realmente estudioso. Ele foi muito simpático e amável... Ele era o máximo, um cara muito legal mesmo", relembra ela, rindo.

Na época, Dutschke estava estudando na Universidade Livre de Berlim. Em 1965, ele aderiu à SDS, que viria a liderar o movimento estudantil durante os anos seguintes. Dutschke e os rebeldes alemães não estavam insatisfeitos só com a Alemanha, mas também se uniam aos protestos internacionais. Em oposição è Guerra do Vietnã, saíam pelas ruas de Berlim entoando o nome do líder comunista vietnamita Ho Chi Minh.

Rudi Dutschke
Durante passeata, em 1968Foto: AP

Dutschke era crítico de maneira geral, comenta Gretchen: "Ele criticava muito a forma como a sociedade era organizada. Achava que as estruturas sociais e econômicas foram criadas de modo a favorecer apenas um grupo muito pequeno de pessoas, enquanto o resto estaria fadado a sofrer".

No entanto, como cristão e pacifista, Dutschke também não acreditava no socialismo à moda soviética, tendo abandonado a Alemanha Oriental um dia antes de o Muro de Berlim começar a ser construído, em 1961, por considerar o país autoritário.

Os estudantes alemães daquela época, e Dutschke em particular, foram profundamente influenciados pelo pensamento filosófico da Escola de Frankfurt e do filósofo alemão Herbert Marcuse, estudioso das estruturas autoritárias da Alemanha que culminaram no nazismo.

"A geração dos anos 60 na Alemanha tinha que lidar com o fato de que seus pais haviam apoiado Hitler. E não queria que isso jamais viesse a se repetir. Portanto, o que fazer? Essencialmente, a ideia era acabar com as estruturas autoritárias – na família, nas escolas, no ambiente de trabalho, na economia, por toda a parte", comenta Gretchen Dutschke-Klotz.

"Dutschke para a câmara de gás"

Muita gente diz que o movimento de 68 conseguiu mudar algumas coisas na Alemanha. Mas o êxito teve seu preço. Em junho de 1967, o estudante Benno Ohnesorg foi morto a bala por um policial durante protestos em Berlim.

Rudi Dutschke Straße, Axel Springer Straße
Rua adjacente à Axel Springer, em Berlim, ganhou o nome de Rudi Dutschke, por plebiscito, apesar de resistência da editoraFoto: picture-alliance/dpa

Parte da sociedade alemã não sabia distinguir os estudantes em protesto, inclusive o líder Dutschke, de outros rebeldes que se radicalizaram e acabaram criando grupos terroristas. Um dos órgãos da imprensa conservadora, o jornal sensacionalista Bild, editado pelo grupo Axel Springer, era acusado pelos estudantes de incitar os ânimos da população contra Rudi Dutschke.

"Penso que ele ficava bravo com isso, mas acho que não sentia nenhuma ameaça. Eu é que sentia (risos), ele não. Mas certamente ele conseguia enxergar que a sociedade estava se polarizando", conta Gretchen, que a partir de um certo momento começou a se preocupar seriamente com a segurança de seu marido.

"Então, no Natal de 1967, alguém realmente atacou Rudi numa igreja. O homem começou a bater em Rudi com a bengala, e outras pessoas se juntaram e o seguraram, impedindo que ele fugisse ou se defendesse. Esse homem poderia ter simplesmente espancado Rudi até a morte – e isso dentro de uma igreja! Um verdadeiro ultraje!", narra ela.

Rudi Dutschke
Com Gretchen, Polly e Hosea, em CambridgeFoto: picture-alliance/ dpa

A violência começou a aumentar. Passaram a aparecer pichações do tipo "Dutschke para a câmara de gás". No dia 11 de abril de 1968, Josef Bachmann, que se dizia simpatizante da direita, baleou o líder estudantil. Dutschke conseguiu sobreviver às balas no seu cérebro. Para receber um tratamento médico melhor, Rudi, Gretschen e dois de seus três filhos nascidos até então foram à Itália, e depois à Inglaterra.

"Não retornamos à Alemanha, porque a atmosfera na época era aterrorizante. As pessoas de direita eram contra os estudantes e saíam dizendo coisas como: 'Que azar que o Rudi não morreu. Mas da próxima ele não escapa'", lembra Gretchen.

Um complô de esquerda?

A família acabou se estabelecendo na Dinamarca, onde viveu de 1971 a 1979. Dutschke conseguiu recomeçar os estudos e acabou se envolvendo, à distância, com o Partido Verde, embora não tenha deixado de temer um retorno definitivo à Alemanha.

Durante todo esse tempo, ele continuou tendo acessos epilépticos, mesmo que com menor intensidade. O último ocorreu quando ele estava em casa, dentro da banheira, na véspera de Natal de 1979. Ele morreu afogado, 11 anos após a tentativa de assassinato.

"Foi uma absoluta surpresa, porque durante muitos anos ele não tinha tido nenhum acesso tão grave assim. Mesmo que ele sentisse qualquer coisa, não dava para perceber de fora. Durava no máximo alguns segundos, e só ele sentia", descreve ela.

Nos últimos anos, surgiram suspeitas de que a Stasi, serviço secreto da antiga Alemanha Oriental, pudesse estar envolvida na tentativa de assassinato contra Dutschke, que passara a infância e início da juventude daquele lado da Alemanha.

Rudi Dutschke
Dutschke como líder da Oposição Extraparlamentar (APO)Foto: picture-alliance / dpa

"Li com meus próprios olhos a ficha dele na Stasi. Eles acreditavam que o Rudi era líder de uma conspiração mundial para derrubar a Alemanha comunista. (risos) Daria para dizer que eles evidentemente estavam com medo dele e interessados em neutralizá-lo", confirma Gretchen Dutschke-Klotz.

O legado de Rudi Dutschke continua, e muitos dizem que a atuação do líder estudantil ajudou a Alemanha a sair do antigo regime. Sua esposa, Gretchen, mudou com o passar do tempo. Ela escreveu e publicou livros, e agora está desenvolvendo jogos de computador para seus netos. Mas também não perdeu a convicção de que a sociedade ainda precisa passar por uma mudança fundamental.

Autora: Louisa Schaefer
Revisão: Augusto Valente