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Gripe do frango: o lado insólito do medo

Augusto Valente26 de outubro de 2005

A descoberta de algumas aves mortas em dois Estados alemães inaugurou mais um capítulo na novela de pânico em torno da gripe do frango. Que toma proporções francamente grotescas.

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Foto: AP

Na noite de segunda-feira (24/10), uma equipe de bombeiros em trajes especiais retiraram os cadáveres de 22 gansos selvagens de um lago da Renânia-Palatinado. No dia seguinte, a morte de um pato e mais quatro gansos selvagens em Göttingen, Baixa Saxônia, também foi pretexto para medidas rigorosas de precaução.

Devido à suspeita de a causa da morte haver sido o vírus H5N1, da gripe aviária, os animais estão sendo autopsiados. Entretanto, segundo especialistas em veterinária e ornitologia, não há qualquer justificativa razoável para uma onda de histeria.

Seres humanos não são aves

Landesamt für Veterinärmedizin in Stendal sucht nach Virus der Vogelgrippe
Laboratorista pesquisa o vírus da gripe aviáriaFoto: dpa - Report

Em primeiro lugar, descobertas como as presentes seriam fenômeno comum. Segundo Tim Coppack, do Instituto de Pesquisa Ornitológica, de Wilhelshaven: "Estão sempre ocorrendo mortes em massa entre as aves de arribação". Existem numerosas moléstias aviárias desconhecidas, ou "pode ser que as chuvas impediram as aves de continuar migrando, e o alimento no local não foi suficiente", especula o ornitólogo.

Nenhum dos indícios divulgados até o momento aponta na direção da gripe do frango. Elke Reinking, do Instituto Friedrich Löffler, lembra que as aves da Renânia-Palatinado morreram entre cãibras intensas, um possível sintoma de envenenamento. Este pode ter sido causado por alimentos contaminados com fertilizantes agrícolas, ou pela bactéria do botulismo.

Apesar de todos os argumentos racionais, a população alemã está alarmada. Sobretudo após os casos confirmados do H5N1 na Croácia e no Reino Unido, os consumidores evitam a carne de aves, com medo do contágio. E no entanto bastaria ouvir o argumento de Susanne Glasmacher, do Instituto Robert Koch, afinal: "A gripe do frango continua sendo uma moléstia aviária".

Nada como a sóbria voz da razão.

Continue lendo sobre os aspectos curiosos do pânico europeu em torno da influenza aviária: o poder preventivo da sauna, o vírus que vem de avião e os lucros com o medo.

Sauna contra a gripe do frango

A antecipação de uma pandemia humana da gripe do frango não é um fenômeno apenas alemão. O Ministério da Agricultura da Finlândia aconselha com veemência sua população a intensificar as visitas à sauna. Supostamente trata-se de uma miraculosa medida preventiva contra a influenza aviária.

Segundo o órgão finlandês, bastaria a permanência entre duas e três horas, a 70ºC, para eliminar o vírus. Detalhe: não esquecer de levar junto para a sauna toda a roupa, bolsas e malas, pois só assim a esterilização estará completa. Não se cogitou em convidar também os principais implicados – frangos, patos e congêneres – para o providencial banho de vapor.

Certo, há os casos fatais na Ásia. E paira o temor de um vírus mutante – tão perigoso quanto – ou ainda mais do que – o da gripe espanhola de 1918. Mesmo assim: será que os europeus esqueceram que não são pássaros?

Vírus viaja na classe turística

Vogelgrippe, Vogel an der Grenze zu Spanien P178
Migrantes indesejadosFoto: AP

E se o tempo todo estivermos olhando na direção errada e as aves de arribação nem forem necessariamente a ameaça mais premente? E se o perigo da gripe aviária estiver vindo, sim, pelos ares, mas de avião?

A União Européia já proibira a importação de produtos aviários provenientes de regiões onde a peste foi constatada: Ásia, Romênia, Turquia e os países da antiga União Soviética. A lista dos artigos inclui aves domésticas vivas, carne, ovos, penas e troféus de caça em estado natural.

Além disso, nesta terça-feira (25/10), a Comissão da UE ampliou o embargo à importação comercial de todo tipo de aves selvagens ou decorativas. Segundo o órgão, foram importadas para a Europa mais de 230 mil dessas aves, somente nos últimos três meses.

Turistas contumazes

Munidos de luvas azuis esterilizadas, os agentes alfandegários do aeroporto de Munique vasculham bagagens, para indignação de certos passageiros. Como um professor de Agronomia (!), que trazia de sua visita à Ásia algumas coxas de pato. Interdições por motivos de saúde não parecem impressionar boa parte dos turistas, verdadeiros oásis de despreocupação em meio à paranóia européia da influenza.

Nas últimas semanas, o aeroporto confiscou várias centenas de quilos de alimentos. Em apenas um fim de semana foram recolhidos mais de 200 quilos de produtos aviários, frescos ou congelados.

Já no embarque para as regiões de risco, os passageiros recebem instruções sobre as proibições vigentes. Cartazes em russo e turco eliminam a possibilidade de qualquer mal-entendido. Quem insiste, mesmo assim, em transportar potenciais vetores da gripe aviária tem sua carga imediatamente congelada, para posterior destruição. Além de pagar um euro por cada quilo eliminado.

Medo de alguns, lucro para outros

Como sempre, alguns já perceberam o potencial lucrativo de mais este medo contemporâneo. Um pacote do medicamento contra a gripe aviária Tamiflu chegou a ser disputado por 152 euros no ebay, antes que o portal de leilões online sustasse a transação. O preço normal do produto circula entre 36 e 44 euros. O ebay suspendeu o leilão, por ser ilegal o comércio com remédios que exigem prescrição médica.

Na Alemanha, provedores particulares vêm oferecendo nos últimos dias, através de anúncios em canais de TV, informações atuais sobre a gripe do frango por SMS ou fax. Detalhe: cada comunicado custa 2,99 euros.

O fato chegou aos ouvidos do Ministério de Agricultura e Defesa do Consumidor, que o classificou como "extorsão descarada". Afinal, trata-se exatamente das mesmas informações que o órgão oferece, inteiramente grátis, em seu site de internet.