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"Governo do Brasil tenta reduzir direitos indígenas"

20 de junho de 2017

Para Victoria Tauli-Corpuz, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Indígenas, autoridades buscam vias legais para fechar a Funai. Populações indígenas estão desprotegidas no país, denuncia.

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Indígenas protestam contra CPI da Funai em Brasília
Indígenas protestam contra CPI da Funai em Brasília, em maio deste anoFoto: Agência Brasil/Marcelo Camargo

A questão indígena no Brasil voltou às manchetes recentemente devido à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai). No último dia 30 de maio, a CPI finalizou seus trabalhos e pediu o indiciamento de 67 pessoas, entre lideranças comunitárias, antropólogos e servidores.

A CPI foi instalada em 2016 para investigar supostos casos de fraudes e desvios ocorridos no processo de demarcação de terras conduzido pela Funai e o Incra. O relatório final aprovado em maio foi encaminhado a órgãos de investigação. 

Leia mais: Política ambiental do Brasil "está indo na direção errada", diz Noruega

Lideranças indígenas protestaram em Brasília contra a CPI, que viram como um tentativa de intervenção na Funai. Em entrevista à DW Brasil, Victoria Tauli-Corpuz, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Indígenas, afirma que o órgão está em risco, "enfraquecido de tal maneira que não há mais proteção" aos indígenas. 

"Os recursos da Funai foram cortados, muitos escritórios fecharam e agora estão tentando achar vias legais para, basicamente, fechar a fundação", afirma.

Ela destaca a importância de os indígenas mundo afora estabelecerem um diálogo com seus governos e fazê-los entender que as populações indígenas podem contribuir para o desenvolvimento nacional.

DW Brasil: Como a senhora avalia a situação dos indígenas no Brasil e da Fundação Nacional do Índio (Funai)?

Victoria Tauli-Corpuz: Acho que há uma tentativa do governo de reduzir a proteção dos direitos indígenas. O principal órgão que sempre trabalhou para proteger os direitos dessas populações está em risco agora, enfraquecido de uma tal maneira que não há mais proteção. Essa é a razão para que essa chamada "investigação" esteja acontecendo: é para justificar o enfraquecimento da Funai.

Quando estive no Brasil, eu vi que a Funai era muito considerada pelos indígenas porque era vista como órgão que podia garantir alguma proteção. Mas os recursos da Funai foram cortados, muitos escritórios fecharam e agora estão tentando achar vias legais para, basicamente, fechar a fundação.

O que está acontecendo no Brasil é uma tendência também em outras partes do mundo ou é particularmente preocupante?

Em todo o mundo, os movimentos indígenas se fortaleceram nos últimos anos, principalmente com a titulação de terras. Com isso, as coisas mudaram um pouco. Ou seja, as pessoas não podem mais simplesmente invadir os territórios, explorar minérios, derrubar as árvores para fazer monocultura. E muitos governos consideravam esse tipo de invasão de terras indígenas como desenvolvimento para o país.

Mas os sistemas que foram implantados para proteger os direitos indígenas estão sendo enfraquecidos por causa desse modelo de desenvolvimento. No meu país, as Filipinas, é a mesma coisa.

Como inverter essa tendência?

Os indígenas precisam confrontar essa situação e estabelecer um diálogo com seus governos e fazê-los entender que as populações indígenas podem contribuir para o desenvolvimento nacional. Naturalmente, é preciso também que as lideranças tenham conhecimento dos mecanismos existentes para estabelecer esses diálogos e para pressionar os governos a fazer a coisa certa. A Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos é um exemplo, assim como a Comissão das Nações Unidas.

Como a ONU contribui nesse sentido, de levar a discussão para o público e promover o diálogo com os governos?

Eu preciso constantemente exercer o meu papel e comunicar os governos sobre as reclamações que recebo. E ainda: fazer com que as autoridades respondam. E manter a comunicação para que eu continue sendo recebida nos países para analisar de perto o que está acontecendo com os indígenas.

As recomendações que faço nos relatórios também são importante para as lideranças, para que se munam e pressionem o governo. É claro que depende muito se o governo em questão se importa com o assunto. Infelizmente, as autoridades ainda hesitam bastante em implementar as recomendações que damos.

Para que tudo isso funcione, é fundamental que as comunidades se fortaleçam. Vi muitas populações que foram vítimas de violações mas que, no andar do processo, ficaram mais fortes, adquiriram direitos sobre os territórios. É preciso que os governos lidem com isso de forma mais construtiva, e não de forma violenta. As alianças que as populações indígenas desenvolvem com outros movimentos, com universidades, por exemplo, também são muito importantes.

Como o governo brasileiro tem respondido às recomendações feitas pela ONU?

Algumas delas foram implementadas. A titulação da Terra Indígenas Cachoeira Seca, por exemplo, foi recomendada por nós. Isso aconteceu ainda nos tempos de Dilma Rousseff. O caso dos munduruku também foi citado no nosso relatório: recomendamos que o país não implementasse a hidrelétrica no rio Tapajós. O projeto foi suspenso – pelo menos por enquanto.

Algumas coisas aconteceram no sentido de o governo ouvir as recomendações, mas, naturalmente, há muitas que ainda estão pendentes.

A senhora está participando aqui em Oslo da iniciativa que reúne líderes religiosos, cientistas e indígenas em torno da proteção florestal. Como vê a relação entre as igrejas e povos indígenas? 

Muitas grandes religiões ajudaram a marginalizar as crenças espirituais dos indígenas. Agora, evidências estão mostrando que as florestas protegidas que restam no mundo estão nos territórios indígenas. Acho que esse tipo de informação e aceitação por parte das comunidades religiosas podem aumentar a colaboração entre esses grupos. E também, quem sabe, levar os representantes de grandes religiões a pedir desculpa por todos os erros cometidos contra os indígenas, alem de acabar com a discriminação. Em alguns países, o governo não é presente, mas a igreja sim.