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Governança perdida?

(sv)14 de julho de 2003

Na tentativa de delinear caminhos para a centro-esquerda, encerrou-se em Londres a conferência Governança Progressista. As reivindicações finais alfinetam os EUA, apesar das divergências que deram tom ao encontro.

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Schröder e Blair em Londres: tudo acaba em pizza?Foto: AP

O documento que encerrou o encontro de chefes de governo, reunidos em Londres sob o slogan "Terceira Via", pontuou nesta segunda-feira (14) aquilo que mais se assemelha a uma carta aberta aos EUA. No lugar do debate teórico sobre os rumos a serem tomados por governos de centro-esquerda, que perderam nos últimos anos espaço em uma Europa que escorrega cada vez mais à direita, o relatório final da conferência resultou, acima de tudo, em um alerta aos EUA.

Não ao unilateralismo –

Em primeiro lugar, social-democratas & simpatizantes reivindicaram um fortalecimento do papel da ONU no cenário político internacional, opondo-se claramente às posições "unilaterais". Quem acompanhou os preâmbulos da recente guerra no Iraque, deve saber onde encontrar tais posturas. Para explicar melhor, o documento vai além: exige que o direito internacional seja respeitado, mesmo no âmbito de combate ao terrorismo.

A mensagem não poderia ser mais clara. "Como governos progressistas, sublinhamos o significado decisivo de uma cooperação internacional em caso de reação a crises humanitárias. Acreditamos todos que o Conselho de Segurança da ONU permanece sendo o único grêmio apto a agir, em nível mundial, frente a situações de crise humanitária", sentencia o documento.

TPI e Kyoto –

Outro ponto crítico que balança as relações entre Europa e EUA – ou melhor, entre a Europa e o atual governo norte-americano – é a questão que envolve o Tribunal Penal Internacional de Haia (TPI), destinado a julgar crimes de guerra e não inteiramente reconhecido por Washington.

"Conclamamos todos os Estados a reconhecer a autoridade do TPI", dita o documento redigido pela Governança Progressista. E como se os EUA ainda não tivessem sido cutucados o suficiente, outro quesito exige de todos os países do mundo a ratificação do Protocolo de Kyoto. Ou seja, outro ponto de discórdia envolvendo Washington.

"O mundo já deu muitas voltas, desde o início dos anos 90, quando foram definidos os fundamentos da Terceira Via", definira antes do encontro Anthony Giddens (sociólogo próximo a Blair, diretor da London School of Economics), em artigo publicado pelo diário alemão Süddeutsche Zeitung. Distante de sua primeira edição, ocorrida com Bill Clinton – um dos mentores do encontro – ainda na Casa Branca e 11 dos 15 países da União Européia sob o comando da centro-esquerda, a atual conferência deixa no ar um certo ar de hipocrisia.

Lula Da Silva bei Tony Blair
Lula e Blair, durante conferência em LondresFoto: AP

Neles, neles e neles –

Apesar de assinar o documento final espetando os EUA, não se há de esquecer que o premiê britânico Tony Blair vem sendo uma espécie de braço forte de George W,. Bush no cenário político internacional. Durante a conferência, as palavras do próprio não destoaram de sua performance recente: "Seria um erro terrível se a esquerda se auto definisse antiamericana".

A resposta, estampada por toda a imprensa européia, veio da boca do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva: "O que eu admiro no comportamento dos americanos é que eles pensam primeiro neles, segundo neles e terceiro neles mesmos. E, se sobrar tempo, eles pensam de novo neles".

Feridas históricas – O fato da afirmação ter provocado no presidente polonês, Alexander Kwasniewski, uma reação de defesa dos EUA, não é de se assustar. Marcada por feridas históricas de ter sido por séculos excluída do "cerne europeu", a Polônia alia-se ao centro de poder do outro lado do Atlântico.

"Na consciência histórica da burguesia alemã, a Polônia aparece até hoje três vezes: como uma massa amorfa, dividida no século 18 por sua própria culpa; como impulso de liberdade de uma nação pré-moderna no século 19 e no século 20 como aproveitadora da catástrofe original européia da Segunda Guerra Mundial e da falsa paz do Tratado de Versailles", lamenta rancoroso o jornalista polonês Adam Krzeminski no diário suíço Neue Zürcher Zeitung.

Divergências –

Por essas e por outras cicatrizes históricas, fica cada vez mais difícil observar um consenso em prol de um mundo mais justo, seja sob o signo de qualquer espécie de "governança". Além disso, há de se notar que enquanto a "reestruturação do Estado do bem estar social, para ajustá-lo aos grandes riscos a que as pessoas hoje estão sujeitas" (Giddens) constou da pauta do encontro, países como o Brasil nunca chegaram nem a sentir o cheiro de tal Estado. Em terras tupiniquins, já se aprendeu a viver sob várias espécies de riscos.