1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Entrevista

Martin Schrader (ca/rw)6 de junho de 2008

Somente imoralidade e exploração comandam hoje empresas internacionais? Maus exemplos não faltam. Sobre o assunto, a DW-WORLD.DE entrevistou o ex-presidente da Confederação da Indústria Alemã (BDI) Hans-Olaf Henkel.

https://p.dw.com/p/EDgH
Henkel acredita na globalizaçãoFoto: AP

DW-WORLD.DE: No novo milênio e no mundo globalizado da economia, a competitividade é maior do que em qualquer outra época?

Hans-Olaf Henkel: Eu não vejo desta forma. Não se pode culpar a globalização. Pelo contrário, ela garante que padrões comuns sejam impostos mundialmente. Com certeza, é justificado o sentimento de que, hoje, aconteçam mais coisas. Mas a minha impressão é que isto resulta, primeiramente, do fato de as exigências terem se tornado maiores, ou seja, as exigências morais cresceram. Em segundo lugar, existe mais informação. Isto leva a esta impressão subjetiva de que tudo é pior que antigamente.

Quais são as diferenças em relação a antigamente?

Antigamente, subornar firmas estrangeiras não só era permitido, como também podia ser descontado do imposto de renda. Isso passou a ser proibido somente desde 1999. E isto em todos os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Aqui, pode-se reconhecer o que quero dizer: criou-se um padrão novo, que não existia antes da globalização.

O segundo ponto é: existe mais informação. A imprensa de hoje é muito mais agressiva e isto está certo assim. Os funcionários também têm uma maior autoconfiança e levam a público, mais freqüentemente, comportamentos errados de altos executivos.

Há várias décadas, o senhor vem tendo uma presença ativa na vida econômica internacional. Que exemplos dos anos de 1970 e 1980 podem ser comparados aos escândalos que vemos hoje na VW, Siemens ou Telekom?

É uma pergunta difícil de responder, no momento. Com certeza, quem pesquisar encontrará exemplos parecidos. Minha tese é que, no passado, tais coisas não vinham à tona. Tomemos como exemplo as informações privilegiadas no comércio de ações: não faz muito tempo, isto nem mesmo era proibido na Alemanha – e na minha avaliação, era algo bastante comum antes de ser proibido.

Somente depois da proibição houve casos que ficaram conhecidos. O primeiro caso relevante foi o do ex-presidente do sindicato dos metalúrgicos IG-Metall Franz Steinkühler, que utilizou informações internas da Daimler-Benz para enriquecer e por este motivo perdeu o cargo. E o caso Steinkühler – curiosamente um líder sindical – levou a uma imediata modificação da lei alemã.

Será que a globalização pressiona os empresários a conseguir excelentes resultados empresariais em intervalos cada vez menores de tempo, induzindo-os a agir fora das fronteiras da legalidade?

Contesto. A globalização leva antes de tudo à introdução de padrões mundiais. Naturalmente, a globalização traz novos concorrentes a empresas cuja situação antigamente talvez fosse mais cômoda. Mas, por outro lado, ela também abre novos mercados.

Minha impressão é bem diferente. Valores e percepções de valores se impõem no mundo globalizado. Pois a globalização é mais do que o transporte de mercadorias ou fluxo de dinheiro ou investimentos. Ela também propaga idéias, valores e percepções de valores pelo mundo.

Queremos voltar aos mercados nacionais? Queremos construir novos muros? Queremos nos proteger dos investidores estrangeiros? Em minha opinião, isto não leva somente a um retrocesso econômico, mas também a um retrocesso moral. A globalização contribui para que melhores padrões se imponham em todos os lugares.

O que se pode fazer contra as ovelhas negras responsáveis, pelo menos, pelo sentimento de decadência moral nas empresas?

No tempo que passei na Confederação da Indústria Alemã (BDI), ajudei a desenvolver um manual anticorrupção, distribuído gratuitamente aos membros da confederação. Esse manual contribuiu, com certeza, para que não houvesse muitos casos na indústria alemã. Houve abusos, é claro. Acho lamentável, principalmente, o que aconteceu na Volkswagen.

Especialmente porque o presidente e responsável pela empresa, que passou dez anos à sua frente e afirmou não ter sabido de nada do que acontecera, é hoje presidente do conselho de administração [Ferdinand Piëch]. Esse é um exemplo claro de falha da governança corporativa. Mas são exceções.

O senhor escreveu um livro em que cita que "o essencial da ética moderna deve ser a liberdade: a liberdade individual de poder participar do jogo global e realizar-se de forma ativa, não apenas para o bem próprio mas para o bem de todos". Em vista dos escândalos envolvendo altos executivos, parece estar havendo um abuso desta liberdade. Mesmo assim o senhor continua pensando assim?

Sim, com uma pequena restrição. Primeiramente uma restrição filosófica: a liberdade de um indivíduo não pode comprometer a liberdade de um outro. [...] Por outro lado: naturalmente que uma economia de mercado necessita de regras. Não conheço ninguém que defenda uma economia de mercado sem regras. E quando elas são violadas, é preciso tomar medidas para que as contravenções sejam punidas.

As regulamentações que temos hoje são suficientes?

Como o desenvolvimento da economia de mercado é um processo dinâmico, é preciso refletir se as regras atuais são adequadas. Cito três temas sobre os quais se discute, com razão, atualmente: o primeiro é o sistema financeiro, que se ridicularizou. Palavra-chave: subprime. Certamente o sistema financeiro não é um "monstro", como o disse o presidente alemão Horst Köhler, mas nos últimos dois, três anos também não chegou a ser absolutamente confiável. Acho que uma instituição pública deveria zelar para que avaliações de risco sejam relativamente objetivas.

O segundo ponto é a – em parte incompreensível – remuneração de altos executivos. Eu também me pergunto às vezes se a transparência que introduzimos é suficiente. Talvez a assembléia geral devesse receber o direito de decidir sobre o pagamento.

O terceiro ponto está relacionado aos cartéis. Na globalização, não bastam órgãos antitruste nacionais ou europeus. Precisamos de um órgão internacional antitruste. Esta é uma conseqüência lógica da globalização. Neste ponto, é óbvio que ainda se precisa fazer algo.

Para o Índice Global de Corrupção 2007, a organização Transparência Internacional perguntou a mais de 60 mil pessoas em 60 países se elas acham que nos próximos três anos a corrupção irá aumentar, diminuir ou manter-se como está. Cinqüenta e quatro por cento dos questionados acreditam que a corrupção irá aumentar, enquanto apenas um quinto acha que ela diminuirá. O que o senhor acha?

Acho exagerado. Já disse que aumentaram as exigências morais. E se os casos continuam acontecendo, é lógico que também acabem sendo descobertos. Isto levará a que cada vez mais empresas parem com a prática.

A Siemens é um ótimo exemplo. Pode-se realmente partir do princípio de que o que aconteceu em todos os setores da empresa – talvez sem o conhecimento de alguns diretores ou do presidente – no futuro não ocorrerá mais. Eu mesmo estou vivenciando que o ocorrido na Siemens fez com que todas as grandes empresas alemãs estejam fazendo controles.

Eu participo de alguns conselhos de administração e de uma comissão de exame. Em alguns desses conselhos, aproveitamos a oportunidade para avaliar contratos de consultoria. Em vista do escândalo na Volkswagen, questionei em alguns conselhos de administração se seus conselhos de pessoal também foram tão mal-acostumados. Graças a Deus, recebi respostas negativas convincentes.

Quero dizer com isso que a indignação justificada em relação a estas práticas, que há 20 anos eram comuns em todos os lugares, no final das contas leva a que o número de casos diminua, em vez de aumentar. Não questiono que a impressão subjetiva seja estimulada e em parte seja até justa. Mas neste aspecto sou otimista.

Hans-Olaf Henkel (nascido em 14 de março de 1940) foi presidente da IBM alemã e presidente da Confederação Alemã da Indústria. Ele é hoje professor honorário de Ciências Econômicas na Universidade de Mannheim e participa do conselho de administração, entre outros, da Bayer e da Continental. Além de escrever livros, Henkel é diretor do Conselho do Bank of America.