1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Freira relembra perigos do pós-guerra

Andrea Grunau (av)6 de maio de 2015

Natural de Danzig, onde a Segunda Guerra começou, irmã Hyazinth foi recrutada aos 16 anos pelos nazistas. Entre ameaças e atrocidades vividas, ela se apoiou na fé católica. Mas teme, hoje, ao saber que ainda há nazistas.

https://p.dw.com/p/1FHfN
Irmã Maria Hyazinth, nascida Bronja KatulskiFoto: Kloster Arenberg

"Joguem fora os seus uniformes, ponham roupas civis, a guerra acabou!" Bronja Katharina Katulski dormia numa barraca nos limites de Leipzig, em 1945, quando o chefe do acampamento a alarmou com essas palavras. As supervisoras de serviço haviam fugido, ouviam-se soldados chegando: os americanos haviam alcançado a cidade. "Tinha gente morta pelo chão", revê, claramente, sete décadas depois.

A jovem de 20 anos e suas companheira haviam sido recrutadas como servidoras civis de guerra. Sua função era registrar e anunciar a presença de aviões inimigos, substituindo os soldados mobilizados para o front. Até pouco antes, elas haviam trabalhado a 500 quilômetros dali, em Bergisch Gladbach, perto de Colônia.

No entanto, durante um dos violentos bombardeios que vivenciaram, em pânico, foram se esconder no abrigo aéreo. No dia seguinte, um oficial da Wehrmacht, as Forças Armadas nazistas, falou de deserção, ameaçando-as: "Vocês deviam ser colocadas no paredão e fuziladas!" Como punição, foram transferidas para Leipzig. No trem a caminho, presenciaram novos bombardeios.

Na manhã seguinte à chegada dos americanos, as servidoras civis queriam escapar do acampamento o mais rápido possível. O chefe ainda permitiu que levassem roupas e cobertores em suas bicicletas, que poderiam trocar com os camponeses por alimentos, e assim atravessar os próximos dias.

No entanto, numa alameda, Bronja e uma amiga logo toparam com os soldados inimigos. Eles lhes tomaram tudo, até suas bolsinhas com os últimos pertences pessoais.

Sustentada pela fé

"Ficamos bem felizes de eles não nos levarem consigo", comenta. O fim da Segunda Guerra Mundial representava para ela, por um lado, a alegria ao pensar na família – mas também medo, devido às circunstâncias caóticas. Embora sentindo-se aliviada com o fim dos alarmes de bombas, "a gente estava destruída. Só não fiquei louca porque o bom Deus ainda me segurou".

Sem parentes, conhecidos, conhecimentos do local ou quaisquer posses, em abril de 1945 Bronja se viu perdida em Leipzig. No ano seguinte, entrou para o convento da Ordem das Dominicanas de Arenberg, e adotou o nome irmã Maria Hyazinth. Suas cartas à família voltavam todas com o carimbo "Destinatário desconhecido".

Apesar das traumáticas vivências de guerra, a nonagenária olha com gratidão a própria biografia. Mais nova de cinco irmãos, ela vinha de uma família católica de Danzig (hoje Gdansk, Polônia), na costa do Mar Báltico.

Também na então cidade livre do Reich, os nacional-socialistas passaram a ditar o tom a partir de sua vitória eleitoral em maio de 1933. Irmã Hyazinth se inclina, como quem conta um segredo, ao revelar que à noite o pai, mestre-alfaiate, sempre escutava as rádios estrangeiras "com um cobertor grosso em cima da cabeça, para nenhum que som escapasse". Desse modo, ele sabia que a guerra ia chegar. "Ele nos dizia: "Vocês precisam rezar muito.'"

Zweiter Weltkrieg Überfall auf Polen 1939
Ataque à central de correios em Danzig, 28 de setembro de 1939Foto: ullstein bild

Família esfacelada

Em 1º de setembro de 1939, a guerra começou com o ataque das tropas nazistas à Polônia, na península de Westerplatte, nas cercanias de Danzig. Bronja, então com 14 anos, voltava com a mãe e os irmãos da missa da manhã.

A cidade estava em polvorosa, algumas pessoas, sobretudo judeus, eram arrancadas de suas casas e levadas embora em caminhões. A família localizou o pai num desses veículos. "Alguém o tinha denunciado, por não sermos nazistas."

Os detidos foram levados para uma escola e lá espancados. As famílias judaicas gritavam, "e nós também", relembra. Um amigo do pai, que passara a servir à SS, a famigerada organização paramilitar nazista, interveio em seu favor, mencionando que ele lutara pela Alemanha na Primeira Guerra. O mesmo podia ser dito, aliás, de muitos judeus, mas o argumento de nada lhes valera.

O pai acabou sendo libertado, ainda que coberto de hematomas. Mesmo quem não fora deportado sentia a pressão crescente do regime nazista sobre os contrários a sua ideologia. A escola católica em que Bronja estudava foi fechada, padres mais críticos eram perseguidos ou até assassinados.

Trabalho para o regime nazista

Os homens da cidade foram enviados para o front. Meninas como Bronja eram forçadas a trabalhar na casa de um dos soldados. Aos 16 anos, ela foi convocada para Reichsarbeitsdienst (RAD), serviço compulsório nazista, em que os adolescentes também eram ideologicamente treinados.

Ela nunca mais veria seus pais. A mãe morreu totalmente subnutrida em Danzig, pouco depois do fim da guerra, das sequelas do cólera; o pai, pouco mais tarde. Porém tudo isso a irmã Maria Hyazinth só ficou sabendo em 1949, quando seu irmão retornou da prisão na Rússia e mandou procurá-la.

Postkarte Danzig / Bronja Katharina Katulski / Schwester Maria Hyazinth
Cartão postal de Danzig (Gdansk) e foto de Bronja Katulski com o uniforme do RADFoto: DW/Andrea Grunau

Depois de servir ao RAD numa grande fazenda, em vez de ser dispensada, como esperava, Bronja foi enviada a Hannover para o serviço civil à Wehrmacht. A 800 quilômetros de casa, ela teve que trabalhar numa fábrica subterrânea de munição.

Ela se lembra dos prisioneiros de guerra italianos que, famintos, remexiam os latões de lixo. Ao notar que Bronja lhes dava o próprio pão com manteiga, um soldado a ameaçou: "Se você fizer isso de novo, eu a denuncio!" Depois disso, passou a só alimentar os presos depois que os soldados haviam sido rendidos.

Violência contra mulheres

Em 1945, após o perigoso encontro com os soldados americanos em Leipzig, ela e a amiga se perguntaram: e agora? A outra queria arriscar a volta para casa, mas para Bronja Katulski a empreitada era perigosa demais, e ela procurou abrigo numa igreja católica.

O pároco a apresentou à família de um médico, de cujos filhos tomava conta, em troca de casa e comida, primeiro no campo, depois em Leipzig. Em meados de 1945, os militares soviéticos substituíram os americanos naquela cidade do Leste Alemão.

Era um tempo de violência contra mulheres e meninas, o medo de estupros era grande, lembra-se a irmã Maria Hyazinth. No campo, um soldado de ascendência católica a protegia. Mais tarde, em Leipzig, um soldado russo a perseguiu por toda a cidade. Ela se refugiou em casa, mas ele tocou a campainha.

Por sorte, medindo com apenas 1,50 metro de altura, ela conseguiu subir numa despensa de mantimentos e se esconder. "Quase sufoquei", lembra. Mas o russo não a encontrou e ela escapou ilesa, assim como a esposa do médico e as crianças.

Contudo nem todas tiveram a mesma sorte na época: uma conhecida sua ficou grávida após ser violentada. Ela teve o bebê, "mas era sempre muito infeliz". Também a tia de Bronja foi estuprada com tamanha violência que quase morreu de hemorragia.

2. Weltkrieg - Leipzig
Leipzig ao fim da Segunda GuerraFoto: picture-alliance/dpa

Nazistas, ontem e hoje

A freira nonagenária lembra que seu maior medo nem era dos soldados estrangeiros: "Os alemães também seriam capazes de colocar no paredão a nós, meninas", enfatiza.

Ela evita assistir filmes sobre a Segunda Guerra, que a deixam triste demais. "Mesmo tendo chegado a esta idade, são coisas que uma pessoa não pode esquecer."

Entre suas piores lembranças, ela conta as aulas de doutrinação política durante o Reichsarbeitsdienst: leituras de Minha luta, de Adolf Htiler, versos de canções patrióticas como "hoje a Alemanha nos pertence, amanhã, o mundo todo".

A irmã Maria Hyazinth procurou sempre ignorar aquela "loucura" que ouvia, e rezava. Mas o medo volta quando, hoje, ela escuta e lê "que há nazistas, novamente".