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Franz Mohr: o homem por detrás dos pianos

Kate Bowen (av)20 de setembro de 2006

Após longa carreira afinando para Horowitz, Gould e outros, ele sabe perfeitamente o que faz um grande piano – e um grande pianista. A DW-WORLD conversou com o ex-afinador-chefe da legendária Steinway & Sons.

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Franz Mohr afinou os pianos dos maiores virtuosesFoto: Steinway & Sons

Franz Mohr tem um jeito de cativar todos que entraram em contato com ele, em seus 30 anos de carreira como técnico de piano. A lista de seus clientes inclui nomes como Vladimir Horowitz, Arthur Rubinstein e Glenn Gould.

Mais do que um afinador supervalorizado, Mohr se tornou também amigo e confidente dos virtuoses com que trabalhou. Uma habilidade que é certamente parte de sua fórmula de sucesso.

Afinal, além de cuidar de cordas, martelos e cravelhas, a função de afinador-chefe da fábrica Steinway & Sons significa também saber lidar com os temperamentos – muitas vezes imprevisíveis – dos pianistas.

Contando 79 anos de idade, Mohr nasceu na cidade alemã de Düren. Ele e seus pais sobreviveram miraculosamente os bombardeios dos Aliados em 1944. Após formar-se como afinador de pianos, emigrou para Nova York em 1962, sendo contratado pela Steinway.

Três anos mais tarde, tornou-se o técnico-chefe da fabricante de pianos, sucedendo o legendário Bill Hupfer.

DW-WORLD: Como começou sua relação com a música?

Franz Mohr: Eu cresci com música. Freqüentei a Escola Superior de Música de Colônia, onde estudei violino. Aí tive problemas terríveis com meu pulso esquerdo. Foi terrível, tinha que fazer pausas e consultei todo tipo de médicos. Finalmente cheguei à dolorosa decisão de que não poderia ser um intérprete e teria que fazer outra coisa na vida.

Vi um anúncio que a Rudolf Ibach Sohn – a mais antiga fábrica de pianos da Alemanha, fundada em 1774 – procurava aprendizes. Eu já tinha 24 anos na época, mas pensei, isso também tem a ver com a música, por que não tentar? Eles me aceitaram e eu simplesmente adorava trabalhar com as mãos e aprender sobre todas as fases da construção de pianos.

O sonho máximo no mundo da música – pelo menos para um técnico de pianos – é a Steinway. Por volta de 1954, candidatei-me a uma vaga como afinador de uma agência de concertos em Düsseldorf, que também era representante da Steinway. E consegui o emprego! Comecei a trabalhar pela primeira vez com instrumentos Steinway e me apaixonei por eles, como técnico e como músico.

O que há de tão especial nos pianos Steinway?

Não apenas o design, mas também a qualidade da madeira utilizada nos pianos é muito importante, especialmente no que concerne o tampo de harmonia. Esta qualidade de madeira fornece um espectro enorme de timbres.

125 Jahre Steinway-Flügel aus Hamburg
Um nome que virou lendaFoto: dpa - Report

Todos os outros são produção em massa, inclusive os Yamaha. Nada contra esta marca, mas fabricando mais de 800 pianos por dia, eles têm que usar todo tipo de madeira que encontrarem. O tampo de harmonia deles, por exemplo, é muito mais espesso. Isso produz brilho, necessário em qualquer piano, porém nada mais. Você toca pianissimo e soa forte demais.

Nas duas fábricas da Steinway, em Hamburgo e Nova York, produzimos 13 instrumentos por dia. É essa a diferença. Um Steinway fica cada vez melhor com o tempo, devido à qualidade de madeira que empregamos.

Em 1962, o senhor aceitou emprego como técnico da Steinway & Sons em Nova York. Teve dificuldades a se adaptar à cultura norte-americana, ao chegar?

Não, claro que não. Nós nos apaixonamos pelos Estados Unidos. Deixe-me contar um caso: eu havia trabalhado com vários grandes artistas na Alemanha, inclusive Rudolf Serkin. A primeira coisa que ele me disse, quando fui afinar seus três pianos em Vermont foi: "Franz, agora estamos na América, onde as coisas não são tão complicadas. Pode me chamar de Rudy". Até então fora sempre "Herr Professor".

Siga lendo: O relacionamento entre Horowitz, Gould e seu afinador.

Quando Bill Hupfer se aposentou em 1965, o senhor assumiu seu cargo com técnico-chefe de pianos. Neste ponto, o senhor começou a trabalhar com Vladimir Horowitz, inclusive em turnês, até sua morte súbita em 1989. Que tipo de pessoa ele era?

Wladimir Samojlowitsch Horowitz Kalenderblatt
Vladimir HorowitzFoto: dpa

Claro, ele era difícil e tinha uma personalidade muito complexa. Você nunca sabia quanto ele ia explodir, ou gritar, ou o que seja. Levou longo tempo até nos tornarmos bons amigos. Muitas vezes, antes de um concerto, dizia: "Franz, você é a pessoa mais importante aqui!"

Horowitz era um exímio artista da Steinway na Rússia aos 19 anos de idade. Quando escapou do país "com mil rublos nos sapatos", como sempre dizia, ele veio para Berlim. E imediatamente as companhias alemãs – Bösendorf, Bechstein, Blüthner – todas queriam que ele experimentasse seus produtos. Ele experimentou todos, mas nunca teve dúvidas quanto ao Steinway.

Após sua morte, ainda continuei viajando com seu piano. Em breve vamos levar o instrumento de Horowitz para o Japão, e eu irei com ele.

Quem mais tocou no piano de Horowitz?

Enquanto estava vivo, apenas uma pessoa, Murray Perahia. Ele ficou perplexo, é claro, que Horowitz lhe houvesse permitido tocar em seu piano. Mas após a primeira peça, ele voltou e disse: "Franz, desculpe, mas acho que não dou conta".

Cada Steinway é diferente, tem toque diferente e soa diferente. E cada artista tem exigências distintas. Horowitz faleceu e queríamos enviar o piano em turnê. Fiquei com tanto medo: quem faria jus a esse piano? Realmente tive que alterar algumas coisas, mas as pessoas simplesmente o adoram.

Ao chegar nos EUA em 1962, o senhor teve oportunidade de trabalhar com Glenn Gould, conhecido por ser um tanto excêntrico. Como era seu relacionamento com ele?

Glenn Gould
O pianista canadense Glenn GouldFoto: dpa/Arte

Meu antecessor, Bill Hupfer, tinha sessões de gravação nos famosos estúdios da Columbia na 30th Street, onde afinou para Glenn Gould. Ele caiu em desgraça com Gould e eu só estava nos EUA há poucos dias.

Bill devia ter tido mais cautela: ele foi até Glenn, pouco antes da gravação, colocou a mão em seu ombro e perguntou como ele ia. Mais tarde, Glenn alegou que seu ombro estava deslocado porque o afinador lhe dera um tapa, o que não era verdade. Ele teve que cancelar concertos e processou a Steinway.

Bill não podia mais afinar para ele, então a Steinway me enviou para tomar conta de Glenn Gould. Ao longo dos anos nos tornamos ótimos amigos. Nos últimos anos ia quase todo mês a Toronto para suas gravações. Ele sabia que eu iria a Toronto com Rubinstein ou Horowitz ou Serkin e nunca ia ao concerto de ninguém. Mas ele sabia que eu estava vindo, me apanhava no aeroporto e fazia questão de que passássemos a noitada juntos, ouvindo discos e conversando.

O senhor conhece tantos dos maiores pianistas do século 20, musicalmente e em pessoa. O senhor vê algum padrão? O que os torna grandes?

Na Alemanha, chamamos isso ausstrahlung – uma presença, a comunicação entre o palco e as pessoas – que muitos não possuem. Se você a possui, nem importa se toca um monte de notas erradas. É claro que Rubinstein, Horowitz e Serkin tinham essa qualidade.

Franz Mohr vive em Nova York e, embora beirando os 80 anos, ainda viaja regularmente como técnico de piano, professor e palestrante. Atualmente ele acompanha as turnês do pianista italiano Maurizio Pollini. Seu livro My life with the great pianists foi traduzido em sete línguas, e pode ser encontrado na maioria das livrarias online.