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Corpos no espaço

Carlos Albuquerque27 de fevereiro de 2009

Em tempos de virtualização e desaparecimento do espaço público, fotógrafos internacionais se dedicam a imagens de pessoas levitando ou em queda livre. Entre eles, o brasileiro Aziz Ary com o projeto "Voar é preciso".

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Foto de 'Voar é preciso'. Aziz Ary, Brasil 2009Foto: Aziz Ary
Projekt 'Fliegen ist Notwendig' von Aziz Ary
'Voar é preciso'. Aziz Ary, Berlin, 2008Foto: Aziz Ary

Nos últimos anos, fotos de pessoas pulando, levitando ou em queda livre viraram tema, não somente através da fotografia artística, mas também por meio de atividades físicas como o parkour, a arte de encurtar a distância de um ponto a outro usando apenas a habilidade corporal – como atravessar a cidade pulando telhados e ultrapassando obstáculos.

Uma tendência que também se evidencia na propaganda e no cinema, como mostra o caso do filme Jumper (saltador), lançado em 2008. O mais interessante é que artistas de diversas partes do mundo parecem abordar o mesmo tema, muitas vezes sem tomar conhecimento da obra semelhante de outros artistas.

Embora com diferentes entornos, cores e locações, a fotografia em queda livre hoje faz parte do trabalho de diversos fotógrafos internacionais, como o francês Denis Darzacq, o americano Elijah Gowin, a alemã Julia Fullerton-Batten, o chinês Li Wei, a inglesa Sam Taylor-Wood e o brasileiro Aziz Ary.

Geração subaproveitada pela sociedade

Dennis Darzacq
Com a série 'A Queda', Denis Darzacq ganhou World Press Photo de 2007Foto: AP

Os jovens em queda livre, com rostos indiferentes e conformados, que o fotógrafo parisiense Denis Darzacq passou a retratar a partir de 2005, revelaram a insatisfação de uma geração subaproveitada pela sociedade, que culminou nas revoltas em subúrbios franceses no final de 2005 e nos protestos estudantis em diversas cidades do país no início de 2006. Segundo Darzacq, na França alguém poderia cair do céu na rua e ninguém se daria conta. Com uma série intitulada A Queda, Darzacq venceu em 2007 o World Press Photo, maior prêmio do fotojornalismo mundial, na categoria Artes e Entretenimento.

Apesar do mesmo tema, a composição e a atmosfera das fotos de Darzacq diferem da atitude perfomática do trabalho de Li Wei ou da obra feminina de Fullerton-Batten. Por mais que seja possível reconhecer aspectos semelhantes em todas elas, também as colagens de figuras caindo do céu, flutuando ou parcialmente imersas na água de Gowin ou as fotos do brasileiro Aziz Ary diferem, por exemplo, da estética acrobática de Taylor-Wood.

Fruto dos encontros com os modelos

Projekt 'Fliegen ist Notwendig' von Aziz Ary
'Voar é preciso'. Aziz Ary, Paris, 2008Foto: Aziz Ary

Feitas sem nenhum truque fotográfico, as imagens de pessoas levitando que o brasileiro Aziz Ary realizou em diversos lugares do mundo aludem a um sonho de liberdade, de transcender o comum levando consigo quem se dispuser, afirmou o fotógrafo à Deutsche Welle.

O que começou como uma simples ilustração no perfil que mantinha numa rede social na internet suscitou o interesse de muitas pessoas. A partir daí, Aziz Ary teve a ideia de dividir essa "miragem fotográfica" convidando, através da internet, amigos e desconhecidos a participarem das fotos.

No projeto, que o autor chamou de Voar é preciso, as pessoas são convidadas a abandonar o solo segundo suas capacidades físicas. Aos internautas que lhe perguntam como faz suas fotos, Aziz Ary responde: "Muito simples. Você quer voar também?".

Durante os meses que passou na Europa recentemente, a quantidade de pessoas interessadas e dispostas a fazer as fotos tornou-se maior que seu tempo disponível, conta o fotógrafo. As imagens surgiram espontaneamente durante os encontros com os modelos, a partir da influência do local, da luz, do imprevisto, acresceu.

Aziz Ary explicou que uma situação recorrente é a escolha de algum local próximo à moradia dos modelos, que participam ativamente do projeto através de afirmações como "Quero voar sobre a ponte que atravesso todos os dias", "Tenho um velho jacaré empalhado, posso voar com ele?" ou "Sou dono de um bar. Que tal fazer levitar toda a minha clientela?".

Sinal dos tempos

Frankreich Fotografie Fotomontage Yves Klein
Yves Klein: 'O salto no vazio' (1960)Foto: ullstein bild - adoc-photos

Ensaios fotográficos como os do francês Denis Darzacq só se tornaram conhecidos para o brasileiro posteriormente, através de imagens enviadas por outros internautas. Foi isso que o fez lembrar da famosa foto O salto no vazio, realizada pelo artista francês Yves Klein em 1960. Klein foi um dos mais proeminentes representantes do Novo Realismo francês, que surgiu no final dos anos de 1950.

A rejeição à pintura abstrata, a apropriação do real contemporâneo e a constatação da natureza moderna caracterizaram o movimento que reuniu artistas como Jean Tinguely, Niki de Saint-Phalle e Christo.

Em O salto no vazio, uma fotomontagem que mostra o artista voando pela janela de um apartamento, Klein deu continuidade à sua pesquisa sobre o espaço pictorial, dedicando-se ao espaço vazio. A foto foi publicada como parte de um panfleto, no qual denunciava a corrida espacial como uma empreitada sem sentido.

Em seu conceito de vazio, Klein se aproxima da tradição zen. Livres das influências mundanas, as pessoas conseguiriam atingir uma zona neutra onde seriam induzidas a voltar a si e concentrar-se em suas próprias sensações – atitude artística conceitual comum a outros fotógrafos de imagens em queda livre. Como se só assim as pessoas pudessem voltar a sentir elas próprias. Sinal dos tempos?

Confira no link abaixo uma série de imagens do projeto Voar é preciso de Aziz Ary.