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Fotografias de N. Hatakeyama “desconstróem” a natureza

Soraia Vilela6 de agosto de 2002

Exposto no museu Kunsthalle de Nuremberg, o trabalho do fotógrafo japonês é um documento gélido da relação entre natureza e civilização, que transforma centros urbanos em verdadeiros sítios arqueológicos.

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Naoya Hatakeyama, "River Series" Nº 2, 1993-94Foto: Kunsthalle Nürnberg

Naoya Hatakeyama é um especialista em abismos. Sua câmera já registrou a canalização de Tóquio, a explosão de rochas de calcário que voam pelos ares e a esterilidade de um subúrbio inglês.

Seu olhar conduz uma espécie de cartografia da destruição, um registro da natureza morta, no sentido literal do termo. Hatakeyama revela o absurdo da vida urbana, a substituição da natureza pela cidade, a solidão da canalização de Tóquio, que se contrapõe às multidões de suas ruas.

Séries –

Seus trabalhos são sempre publicados em séries. Nestas, o vazio – a ausência de pessoas – é o ponto em comum. Ambientes criados pelo homem, mas por ele abandonados. Nos final dos anos 80, Hatakeyama dedicou a primeira delas à arquitetura e à natureza: Lime Work e Lime Hill (1987-1992). O calcário como tema. Cenários áridos, que se assemelham a paisagens lunares. Buracos imensos feitos por britadeiras, carvoarias e pedreiras antigas, resquícios de um processo de industrialização inacabado.

No final dos 90, vieram as séries Underground, em que Hatakeyama faz um raio X de Tóquio, num registro que vai de fotos aéreas à canalização da cidade. O concreto surge como o outro lado da erosão das montanhas da série anterior. "Lá foi tirado algo, aqui erguido. Como o negativo e positivo de uma foto", segundo o artista.

Canalização –

Se nas fotos aéreas a metrópole assusta por sua massa de concreto, os labirintos que estão sob os pés dos transeuntes causam medo pela solidão que representam, ganham um aspecto surreal, como se estivessem fora do tempo.

Kunsthalle Nürnberg: Ausstellung "Things Exploding", Naoya Hatakeyama, slow glass
Foto: Kunsthalle Nürnberg

Neste ciclo, Hatakeyama mergulha de propósito até o fundo, mostrando que é necessário ir ao esgoto da metrópole para encontrar espaço para a meditação. O umbigo de Tóquio como um lugar onde o homem está ao mesmo tempo tão perto e tão distante.

"Embaixo da Estação Shibuya (maior ponto de confluência no centro da cidade), corre um rio. Em suas águas rasas, não há mais peixes. Eu perambulei sozinho pelo rio calmo. Cinco metros sobre a minha cabeça estavam milhares de pessoas, que iam de lá para cá, telefonavam ou faziam compras. Mas aqui embaixo não tinha nada que me lembrasse isso. Esse fantástico sonho acordado me transmitiu uma sensação de solidão e também de liberdade, enquanto andava pelo rio", comenta Hatakeyama no catálogo da exposição.

A série mais recente do artista, Vida Parada, foi feita fora do Japão. Por ter recebido uma bolsa de estudos, Hatakeyama viveu por um tempo na Inglaterra, onde registrou um bairro residencial uniforme em Milton Keynes. Aqui, a paisagem asséptica e estéril de um condomínio sem gente mais parece uma maquete de brinquedo.

Crítica –

Hatakeyama é um artista de extremos, que oscila entre a crítica e a estetização dos objetos que registra. Seu trabalho não pertence a uma escola ou sequer segue uma linha dentro da fotografia japonesa. "Eu critico a cultura. A civilização, em si, não se deixa facilmente criticar, mas através de maneiras concretas de ver e pensar, posso me confrontar com ela a todo momento. Quero que o espectador de minhas fotos pense sobre o mundo e sobre a vida. Meticulosamente e em plena paz", explica o artista.

Segundo o diário berlinense Der Tagesspieel, Hatakeyama "observa o mundo como um astronauta de um planeta distante, como um arqueólogo de uma civilização submersa". Defensor da "estética da destruição", suas fotografias lembram a paisagem artificial de Zabriskie Point (1969), de Michelangelo Antonioni. O registro do inóspito, declarando que o ambiente por onde circulamos mais parece um planeta deserto.

Vazio –

O inusitado é o fato de uma série remeter à outra. Abismos entre arranha-céus relembram canyons naturais e canalizações subterrâneas assemelham-se a cavernas misteriosas. Esteta do vazio, longe dos centros ("Tokyo ist too crowded"), Hatakeyama vê o mundo como o pintor alemão romântico Caspar David Friedrich, que é inclusive um dos preferidos do fotógrafo. As montanhas são alegorias e o sol simboliza o fim de um mundo. A capacidade de buscar no habitual seu caráter inusitado.