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Um ano depois

12 de janeiro de 2011

Subtenente Ronald Freitas de Oliveira, que havia chegado ao Haiti na véspera do terremoto, relembra o drama dos haitianos e os esforços para socorrer os feridos: "Foi montado praticamente um hospital a céu aberto".

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Ronald Freitas de Oliveira em serviço no HaitiFoto: Exercito Brasileiro

O soldado Ronald Freitas de Oliveira é um brasileiro que testemunhou os últimos acontecimentos no Haiti e viveu a tragédia do terremoto. De sua cidade natal, o Rio de Janeiro, a única lembrança que a capital Porto Príncipe lhe proporciona é o clima quente.

O subtenente do Exército brasileiro foi integrado à missão de paz das Nações Unidas no Haiti um dia antes do terremoto que devastou o país, em 12 de janeiro de 2010. Hoje ele é o único soldado brasileiro ainda no Haiti a ter vivenciado a tragédia.

O militar de 44 anos se despede da ilha do Caribe em 13 de fevereiro próximo para retornar ao Brasil, mas afirma que, se fosse preciso, ficaria o tempo que fosse necessário.

Oliveira chegou ao Haiti preparado para enfrentar os furacões. Não esperava ter que sobreviver a um terremoto.

Deutsche Welle: Quais são as recordações que você tem daquele 12 de janeiro e da sua chegada ao Haiti?

Ronald Freitas de Oliveira: Comparando com o Brasil, eu percebi muita diferença já na chegada ao aeroporto. Assim que chegamos, nós viemos para a base militar, nos apresentamos e, a partir daí, começamos as atividades. Esse primeiro dia foi destinado a conhecer as instalações. Já no segundo dia foi o início da minha função.

Por volta de 16h45, eu estava com outros companheiros na seção administrativa, onde trabalho, operando o computador. De repente escutei um barulho parecido com o motor de um caminhão. O barulho começou a aumentar, e parecia um caminhão desgovernado atingindo o Corimec, que são as instalações onde trabalhamos.

Tudo aconteceu de forma muito rápida. O tremor foi tão forte que todos os armários e computadores foram ao chão, provocou uma correria de todos os militares que estavam no local. Durou uns 37 segundos. Depois desse tremor, conseguimos sair do Corimec, ir para a parte da frente da base e, aí sim, a ficha caiu: tínhamos tido um tremor.

Foi algo indescritível, que vai ficar gravado para sempre na minha mente.

Como você recebeu a notícia de que trabalharia na missão de paz da ONU?

Eu fiquei muito feliz de ter sido designado para trabalhar na missão de estabilização das Nações Unidas no Haiti. E de saber que o nosso objetivo nesse país era contribuir para a manutenção de um ambiente seguro e estável. Sabia que tinha que me proteger dos furacões. De repente acontece o terremoto, logo no segundo dia. E me vejo aqui, ajudando a salvar vidas, pessoas feridas, agonizando, que se dirigiam desesperadas tentando entrar na base de qualquer forma em busca de socorro.

E a família no Brasil?

Deixei três filhos no Brasil. Ficar longe da família é uma situação que nos deixa muito tristes, é bastante complicado. No entanto, a família sabe do significado dessa missão, sabe que estamos aqui para ajudar pessoas e vem me dando muito apoio. Dessa forma nós conseguimos amenizar um pouco o sofrimento e a distância.

Mas com a tecnologia que temos à disposição aqui na base, a internet e celular, nós fazemos contatos quase que diariamente. E assim conseguimos matar também a saudade.

Qual foi a situação na base militar, diante de todo o desespero lá fora no dia do terremoto?

Do portão principal até a entrada da base são cerca de 50 metros. E as pessoas procuravam ajuda, elas vinham carregando os seus parentes feridos, correndo em direção à base. Ou seja, nós somos uma base militar, não somos um hospital. Mas a luz no fim do túnel, para eles, era a base. Aqui eles sabiam que poderiam procurar ajuda e que seriam atendidos. Fomos recebendo pessoas feridas, agonizando, veio chegando gente, e teve uma hora que tinha tanta gente que nós começamos a controlar a entrada de pessoas.

Imagino que foi uma situação emocional muito difícil. Conseguiu colocar em prática seu treinamento militar? Você perdeu companheiros?

Eu havia chegado no dia anterior. Os colegas que estavam aqui há mais tempo estavam de serviço na hora, aqui na base. Tinha pessoal nosso na rua. Esse pessoal que estava aqui há mais tempo se preparou para sair às ruas e fazer o resgate. E nós, que chegamos um dia antes, fazíamos o apoio necessário na base. Ou seja, fazíamos a segurança e ajudávamos a transportar também os feridos. E foi montado praticamente um hospital a céu aberto.

As pessoas eram colocadas em lençóis, colchões, e a equipe de socorristas fazia o atendimento. A nossa função nesse momento foi transportar esses feridos e colocá-los naquele local para receber cuidados.

Eu perdi um companheiro que esteve na preparação comigo no 12º contingente. As outras vítimas foram do 11º contingente, que estava sendo substituído pelo 12º.

Esse companheiro estava na rua no momento do tremor. Nós chegamos juntos, no mesmo dia, no mesmo voo. No segundo dia, quando começamos a receber a função dos nossos colegas anteriores, foi justamente quando aconteceu o terremoto. E ele estava na rua e veio a falecer.

Como é seu trabalho nas ruas? E como os soldados brasileiros são tratados pelos haitianos?

Meu contato maior com o povo haitiano é com o pessoal que trabalha aqui na base. Há alguns funcionários que prestam serviços e esse contato é muito próximo. Na rua, o contato acontece quando estou de serviço, como adjunto do comandante da patrulha. Nesse serviço, vou para rua auxiliando o superior. É um serviço que todos fazem porque funciona como uma escala. Saímos totalmente equipados, armados, vestidos como soldados.

Toda vez que saí nesse serviço de patrulha foi muito tranquilo, é como um serviço de ronda normal. Nunca tivemos nenhuma experiência ruim.

Nós somos muito bem recebidos. Nós temos um contato bastante amistoso e harmonioso com os haitianos. É uma coisa que sempre marcou muito a nossa missão. Eu mesmo não esperava que o povo fosse nos receber de forma tão amistosa.

Muitas vezes, as pessoas aplaudem a nossa passagem. Elas procuram conversar, sorriem sempre que passa uma tropa brasileira. Eles se sentem seguros com a nossa presença.

Mesmo depois dessas manifestações contra soldados que aconteceram depois da epidemia de cólera?

No meu ponto de vista tudo continua normal desde que nós chegamos, o 13º contingente. Não houve mudança.

Agora que sua missão está chegando ao fim, quais são as lições que vai levar pra casa?

O que vou levar para casa de toda a experiência é saber que, com todas as dificuldades que temos no Brasil, comparando com o Haiti, nós estamos muito bem. Eu comecei a dar mais valor ao Brasil depois que vim trabalhar num país que enfrenta tanta pobreza, tanta dificuldade. Na verdade, eu digo que essa missão contribui muito para o meu auto-aperfeiçoamento, para o estímulo.

O que vem me marcando muito nesse período de missão é que, para um país que caminha com tantas coisas ruins juntas – como a pobreza, a desigualdade, a epidemia de cólera, a violência, a catástrofe – é admirável ver ainda assim que o povo se apresenta com orgulho como cidadãos haitianos. Eles nos transmitem um olhar de esperança e de alegria.

Entrevista: Nádia Pontes
Revisão: Alexandre Schossler