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Filarmônica de Berlim: música "made in Germany"

Kate Müser / Augusto Valente11 de maio de 2015

Com 133 anos de tradição, "Berlin Phil" alcança audiências de todo o mundo. Além da afamada sala Philharmonie, a orquestra da capital alemã ostenta gravadora própria e uma sala virtual de concertos.

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Foto: Fotolia/Alenavlad

"Projetado para mover o espírito humano", dizia uma publicidade da Mercedes Benz. Porém, o mesmo slogan se aplicaria à Filarmônica de Berlim: assim como a montadora alemã de carros de luxo, a orquestra de classe mundial é um nome conhecido por todo o globo. E também ela é indissociável de certas características "tipicamente alemãs".

"Precisão, perfeição técnica, fidelidade absoluta à partitura musical – ou fidelidade ao design, no caso das máquinas", são algumas virtudes que vêm à mente da jornalista e crítica musical de origem russa Anastassia Boutsko.

Quando a questão é música, está claro que a Alemanha tem a vantagem de "jogar em casa", e isso certamente beneficia sua orquestra mais famosa. Com Johann Sebastian Bach associado a Leipzig, Ludwig van Beethoven a Bonn, Richard Wagner a Bayreuth – para citar apenas uns poucos compositores –, o país já ocupa naturalmente um lugar privilegiado entre os amantes da música erudita, no Brasil ou no Japão.

Do rinque de patinação à WWW

No entanto, a fascinação pelos Berliner Philharmoniker (seu nome oficial) e, em especial, o interesse quanto ao novo diretor musical, ultrapassam de longe o usual interesse pelos evergreens do repertório orquestral. Essa imagem não é mero acidente: ela foi definida por diretores musicais de visão, em especial Herbert von Karajan e Rattle.

Fundado em 1882, contando 54 músicos, o conjunto orquestral inicialmente se apresentava num modesto rinque de patinação de Berlim. De lá até a inauguração de sua sala de concertos digital na internet, em 2009, ou do próprio selo fonográfico, no ano passado, foi um longo caminho.

Sir Simon Rattle
Simon Rattle em cena do documentário "Rhythm is it"

"Ela tem o seu Digital Concert Hall, então, de certo modo, é uma orquestra global", aponta James Jolly, editor-chefe da prestigiosa revista britânica de música clássica Gramophone. Extensão transcontinental e virtual de sua sala, a Philharmonie – famosa por sua arquitetura e acústica, nas proximidades da Potsdamer Platz de Berlim –, a sala de concertos virtual funciona na base de assinaturas, com taxa única.

Além de concertos ao vivo, em live-streaming, a plataforma oferece aos usuários também apresentações anteriores, de seu arquivo, e documentários em longa-metragem. Entre os mais populares nessa categoria, estão Rhythm is it! – sobre um projeto escolar de dança – e Trip to Asia, ambos dirigidos por Thomas Grube. Todo o conteúdo é também disponível em aplicativo móvel, o que o torna literalmente acessível em qualquer parte do planeta.

Alta cultura democratizada

O modelo de oferta multimídia online não é único entre as grandes orquestras tradicionais. A holandesa Orquestra Real do Concertgebouw publica o magazine virtual de música clássica RCO Editions. A Filarmônica de Nova York mantém parcerias com provedores como o iTunes, Spotify e Roku. Porém a abordagem de taxa única e site integrado é uma exclusividade berlinense.

Segundo Anastassia Boutsko, a sala virtual é crucial para assegurar o fã clube da orquestra na Rússia. Lá, intelectuais jovens e anti-Putin fazem questão de escutar música erudita, como forma de protesto contra a culturas pop intelectualmente massacrante. Porém distância e custos impedem grande parte da população de frequentar os locais de concertos.

A jornalista musical radicada na Alemanha recorda que, quanto a Filarmônica de Berlim se apresentou em Moscou, em 2008, os preços dos ingressos circulavam em torno de 100 dólares. Assim, como truque para entrar de "penetras" no disputado concerto, estudantes sem meios ficaram escondidos o dia inteiro nos banheiros da sala de concertos.

Berliner Philharmoniker
Sala de concertos da Filarmônica de BerlimFoto: Sebastian Hänel

Do vinil às redes sociais

A presença virtual da "Berlin Phil" no Facebook e Twitter é mais forte do que a alcançada por outras orquestras de elite, como a Sinfônica de Londres ou a Filarmônica de Nova York.

Entre os fatores que contribuem para expandir a multidão de seguidores dos berlinenses está a atividade da trompista Sarah Willis, apresentadora do programa da DW-TV Sarah's Music.

No entanto, a base histórica do status internacional que ostenta filarmônica alemã se baseia num suporte bem anterior às tecnologias informáticas: o long-play de vinil.

"A Filarmônica de Berlim é conhecida em toda a América Latina por que a Deutsche Grammophon se esforçou em exportar seus discos por toda parte", relata à DW o compositor e ator chileno Ramón Gorigoitia, que vive em Colônia. Ele se lembra de escutar as interpretações da orquestra em Valparaiso, onde estudou piano e composição, nas décadas de 70 e 80. Na época, o maestro estava nos meados de sua gestão de três décadas como regente titular.

O som Karajan

Na visão de James Jolly, a era Karajan "basicamente criou a moderna orquestra Filarmônica de Berlim". Ou seja, foi o regente austríaco quem definiu a inconfundível sonoridade do conjunto, com seu virtuosismo e perfeição proverbiais. "Ela era provavelmente a marca mais forte do mundo musical", conclui o editor da Gramophone.

Herbert von Karajan bei einer Probe
Herbert von Karajan ensaiandoFoto: picture-alliance/IMAGNO/Franz Hubmann

Karajan deu grande ênfase ao repertório germânico clássico-romântico de apelo internacional – Beethoven, Wagner, Anton Bruckner, Richard Strauss – sem perder totalmente de vista outros grandes como Bach, ou os modernos Alban Berg e Arnold Schoenberg.

Porém em 1969 o maestro decidiu reger obras de Dimitri Shostakovich (1906-1975) em Moscou, na presença do compositor conhecido por seu misto de dependência, aparente submissão e hostilidade surda para com o regime comunista.

Boutsko recorda que esse concerto foi um marco para o público russo, em meio à Guerra Fria. "Esse gesto de: 'Você é um de nós' foi incrível, um gesto de internacionalidade e solidariedade que não se pode subestimar."

Cultura global, agora

Embora se goste de acreditar que a música é uma linguagem universal, é inegável que o repertório clássico padrão é originário de um pequeno número de países europeus: França, Itália, Rússia – além, claro, de Alemanha e Áustria.

Tanto Anastassia Boutsko quanto Ramón Gorigoitia defendem que o futuro chefe do corpo orquestral deveria também apostar em compositores não europeus, para melhor assegurar uma audiência internacional ampla.

"Se você quer chegar até um público latino-americano, é bom considerar incluir no programa alguma coisa de Heitor Villa-Lobos, ou Alberto Ginastera, ou Silvestre Revueltas, a fim de que globalização e intercâmbio cultural realmente ocorram no nível mais alto", propõe o chileno Gorigoitia.

Na prática, contudo, essa globalização de alto nível já é celebrada hoje, cada vez que fãs de todo o mundo, dos Andes à Sibéria, têm a oportunidade de acessar uma vasta literatura mundial para orquestra, de Mozart a joias esquecidas do repertório ou experimentos contemporâneos, quer no arquivo do Digital Concert Hall, quer ao vivo. Acima de tudo, embora esse acesso à orquestra de 133 anos de tradição não seja gratuito, ele continua sendo consideravelmente mais em conta do que uma Mercedes de último tipo.