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Exposições relembram "o fundamento da história européia"

Mathis Winkler (sv)30 de agosto de 2006

Mostras em Berlim e Magdeburg recapitulam o fim do Sacro Império Romano de Nação Germânica, que durou mais de 800 anos e é considerado a pedra fundamental para a união dos países europeus.

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Imperador Franciso 2º em óleo sobre tela de 1792Foto: DHM/Regensburg, Fürst Thurn & Taxis Kunstsammlung

Quando Francisco 2º abdicou, em agosto de 1806, do trono do Sacro Império Romano de Nação Germânica, chegou ao fim o sistema político mais duradouro nas regiões européias de língua alemã.

O Império é considerado, por muitos historiadores, o precursor do que hoje é a União Européia, por já ter unido, naquele tempo, nações do Mar do Norte ao Mediterrâneo e do Báltico ao Adriático. Fundado por Otto 1º, o Império era formado por centenas de pequenos Estados ou entidades semelhantes a Estados.

Relembrar o Sacro Império Romano de Nação Germânica carregou na Alemanha do pós-guerra, por um longo período, uma conotação pejorativa, devido ao abuso da iconografia do período cometido pelos nazistas. Uma outra abordagem da época começou a ser feita no país apenas nas últimas décadas.

Para marcar o aniversário de 200 anos do fim do Império, estão sendo organizados na Alemanha vários eventos, entre eles duas grandes exposições: uma no Museu Histórico de Berlim e outra no Museu de História da Cultura de Magdeburg.

Em entrevista à DW-WORLD, a diretora do Instituto de História da Universidade de Innsbruck, Brigitte Mazohl-Wallnig, fala sobre o papel do Império na Europa. Autora do volume Uma Era de Transição – 1806: O Sacro Império Romano e o Nascimento da Europa Moderna, a historiadora acredita que a União Européia poderá aprender muito ao recapitular o período encerrado em 1806: "Hoje questionam-se muitos aspectos que já eram debatidos naquela época". Leia abaixo a íntegra da entrevista:

DW-WORLD: Por que o interesse atual pelo Sacro Império Romano de Nação Germânica?

Mazohl-Wallnig: Porque o Império foi a pedra fundamental da história comum européia e deveria estar muito mais ancorado na memória coletiva de todos os europeus do que na verdade está. Voltar os olhos para o período pode contribuir para tirarmos os óculos dos "Estados nacionais", que estamos habituados a usar ao olhar para a história do continente.

Por que o Império acabou desmoronando?

No decorrer do século 18, cada Estado, e em especial os grandes Estados, tomavam para si cada vez mais o modelo absolutista e levavam a cabo uma política interna e externa de poder. O golpe decisivo, porém, aconteceu somente com as Guerras Napoleônicas, quando ficou claro que tanto a Prússia quanto a Áustria não defendiam mais interesses comuns em nome do Império. Em conseqüência, os Estados alemães do sul passaram a fazer o mesmo e entraram em acordo com Napoleão. Assim eles se tornaram Estados autônomos e ganharam soberania.

Até que ponto a ausência de um Estado nacional na Alemanha influenciou a história posteriormente?

Não se trata aqui apenas da Alemanha, mas de toda a Europa Central, incluindo a Itália e a Áustria, com todos os Estados do Leste Europeu. A derrocada do Império fez com que surgisse um vácuo no centro da Europa. Daí surgiram, entre outros, o nacionalismo alemão e o italiano e os Estados nacionais alemão e italiano. Com todas as conseqüências que isso acarretou, chegando até às guerras mundiais do século 20. O dramaturgo austríaco Franz Grillparzer já previu no passado: "Do humanismo, passando pelo nacionalismo, até chegar à bestialidade".

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Alguns historiadores acreditam que o Terceiro Reich tenha obstruído o olhar sobre o Sacro Império Romano. A senhora concorda com isso?

Hitler hält eine Rede mit Hakenkreuz im Hintergrund
Nazistas: uso indevido da herança simbólica do Sacro Império RomanoFoto: AP

Com certeza. Até mesmo a simples nomenclatura de "império" tornou-se abominável desde então. Pensando, porém, num contexto mais amplo, acredito que a propaganda do século 19 tenha contribuído mais ainda para uma obstrução do olhar sobre o antigo Império. Houve naquele momento uma avalanche de insultos. Tudo o que o século 19 sonhava, ou seja, um Estado nacional forte, era o oposto do que havia sido o Sacro Império Romano. Por isso, a historiografia do século 19 registra o velho Império de forma tão negativa.

Há aspectos do Império que poderiam ser adotados pelo organismo moderno que é a União Européia de hoje?

Deixe-me exagerar um pouco: a União Européia de hoje pode começar onde foi encerrado em 1806. Hoje, há questões muito semelhantes àquelas colocadas na época: Quais as competências que cabem à comunidade como instância maior? Quais ficam nas mãos de cada Estado? Como os pequenos devem estar representados em relação aos grandes? Estamos hoje lidando, sob condições democráticas, com questões semelhantes àquelas para as quais se encontraram soluções após discussões que duraram séculos.

Pode-se aprender disso tudo que a Europa precisa, de qualquer forma, de uma Lei Fundamental e de uma Constituição comuns, capazes de contar com o aval de todos. As leis fundamentais do Império eram amplas o suficiente para serem aceitas por todos e específicas o suficiente para servirem a cada Estado. O Império tinha também um simbolismo político muito grande. A Europa de hoje é pouco visível. Aqui não se tem ainda uma esfera simbólica européia comum.

Como seria esta esfera simbólica?

O Império fracassou porque nos últimos tempos não havia mais uma política de defesa e externa comum. É preciso refletir se um organismo político hoje, que se vê como uma comunidade, não precisaria de uma política externa comum, para que não sejam defendidos apenas os interesses de cada Estado.

De olho na ordem de paz do Império, poderia ser desenvolvida na Europa de hoje uma ordem de paz que, à sombra das duas guerras mundiais, determinasse: "Somos uma ordem de paz européia e nos entedemos como modelo alternativo à militarização global".

O Império tampouco clamava por uma hegemonia e nunca teve intenções de se expandir em moldes imperialistas. A função dele era proteger seus habitantes dentro e fora de suas fronteiras. Fronteiras que, diga-se de passagem, eram mantidas relativamente abertas.