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Entre Bush e a conexão francesa

(sv)17 de março de 2003

Coração da direita alemã bate mais forte por Washington que por Paris. Contrariando tradição iniciada por Adenauer e De Gaulle, democrata-cristãos optam pelo bem estar transatlântico descartando a harmonia com o vizinho.

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Proximidade entre Schröder e Chirac confunde os rumos de democrata-cristãosFoto: AP

A iminência de um ataque norte-americano ao Iraque, com ou sem o aval da ONU, vem jogando por terra uma série de alianças político-militares tidas até então como extremamente estáveis. Acusada de antiamericanismo, a "Velha Europa" rebela-se contra as decisões da Casa Branca, estremecendo assim as relações transatlânticas. Além do conflito entre as sedes do poder de um lado e de outro, observa-se ainda no Reino Unido ou na Espanha, por exemplo, uma discrepância entre a opinião popular e as palavras de ordem do governo.

"Antibushismo" -

Mary Kaldor, professora de Política Internacional na London School of Economics, afirma em entrevista ao diário alemão Süddeutsche Zeitung, que o mundo está frente a um verdadeiro "desastre", tendo a classe política britânica se distanciado como nunca da opinião pública. Ao invés de um suposto antiamericanismo que pode ser sentido nas ruas do país, segundo Kaldor, deveria-se falar de um "antibushismo".

A possibilidade de uma guerra contra o Iraque suscita, dessa forma, desavenças internas (entre governo e opinião pública e entre diferentes facções políticas) e externas (entre os países europeus e entre estes e os EUA). Encabeçada por Alemanha e França, a resistência ao espírito bélico de Bush também não é unânime nos dois países.

Carregando com louvor a bandeira da proximidade entre Berlim e Paris, democrata-cristãos alemães, hoje na oposição, encontram-se frente a uma encruzilhada. Trata-se agora de optar pela rejeição à guerra, posição defendida pelo chanceler social-democrata Gerhard Schröder, mantendo-se fiel à amizade franco-alemã, cultuada por décadas desde a aproximação entre Konrad Adenauer e Charles de Gaulle nos anos 60? Ou declarar o amor incondicional a Washington, como fez há pouco a presidente do partido, Angela Merkel?

Fator surpresa -

A aliança entre o gaullista conservador Chirac e o social-democrata Schröder deixou os democrata-cristãos alemães de queixo caído. Segundo Michael Gros, líder da CSU (Aliança Social Cristã, o braço conservador dos democrata-cristãos) no Parlamento, em entrevista ao semanário Der Spiegel, "ninguém sabe o que fez com que Chirac adotasse uma posição de tamanho confronto frente aos EUA. É uma situação terrível".

A direita alemã, vê-se, assim, colocada contra a parede. De um lado, a defesa de Bush com sua retórica sobre o eixo do mal. Do outro, a responsabilidade de seguir a tradição de uma integração franco-alemã, precursora desde os anos 50 da tão divulgada união européia. Quanto mais democrata-cristãos pendem para o lado de Bush, mais acentuada fica a distância de Paris.

Desavenças transatlânticas -

E enquanto a social-democracia alemã continua batendo na tecla do não à guerra, as esperanças de uma solução pacífica vão se tornando cada vez mais pálidas. Na Alemanha, pipocam encontros e fóruns de debate sobre as razões das dissonâncias entre Berlim e Washington. "A perda para as relações transatlânticas é considerável, mas seria irreparável?", questionou em Munique, na última semana, o Simpósio Teuto-Americano, organizado pela Fundação Hans Seidel, ligada à conservadora CSU.

Durante uma outra discussão sobre as relações entre Alemanha e EUA, realizada em Brühl, no sudoeste do país, Carsten Voigt, coordenador da cooperação teuto-americana do Ministério alemão do Exterior, declarou que tal discrepância nas direções dos dois países pode ter sido fruto de um erro de cálculo. "Na política econômica e financeira, pensamos e agimos de forma global. O mesmo não ocorreu na política de segurança. Vamos aprendendo aos poucos que a segurança da Alemanha não terá que ser defendida nas fronteiras do país ou da Europa, mas também em outras regiões".

Ameaças -

Também o medo de ser atacado pelo "inimigo" marca outra diferença entre alemães e norte-americanos. "O perigo de uma ameaça militar é tido como mínimo pela opinião pública alemã. Aqui, ninguém se sente ameaçado pelo Iraque, ao contrário do que dizem 98% dos norte-americanos. No Nebraska, as pessoas estão construindo bunkers em seus jardins. Aí percebe-se qual o tipo de atitude foi provocada por lá. Pois um fazendeiro no Nebraska corre certamente menos risco do que qualquer alemão nas ruas das grandes cidades, embora os alemães, subjetivamente, não se sintam ameaçados", conclui Thomas Jäger, da Universidade de Colônia.