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Em Bruxelas, peça teatral retrata Europa a partir da biografia dos atores

Heimo Fischer (mas)23 de maio de 2014

Em "The Civil Wars", diretor suíço aborda questões como valores europeus, imigração e extremismo político e religioso. Ao falar sobre a própria vida, atores discutem também a sociedade europeia contemporânea.

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Foto: Marc Stephan

Em junho de 2013, circulou pela mídia belga um vídeo em que jovens milicianos decapitam um funcionário do presidente sírio Bashar al-Assad. Ao fundo, extremistas jihadistas gritavam palavras de ódio em flamengo. Sem muita emoção, um ator narra essa história ao público. Assim começa a peça The Civil Wars (As guerras civis), que esteve em cartaz na capital belga, Bruxelas.

Durante vários meses, o diretor suíço Milo Rau explorou o meio em que vivem salafistas e extremistas de direita na Bélgica. Ele conversou com advogados e pais de filhos que se converteram à Jihad, a "guerra santa", e foram à Síria. A pergunta "o que faz jovens europeus se tornarem extremistas religiosos ou políticos?" foi o ponto de partida da pesquisa para a peça, diz o diretor. Mas durante os ensaios, nasceu um espetáculo diferente.

Vida pessoal e política

Tendo em vista "grandes questões" de uma Europa que parece estar entrando em colapso, não ter valores comuns, se proteger contra imigrantes e refugiados e onde o extremismo político e religioso cresce a cada dia, Rau orientou-se pela biografia de quatro atores. Diferentemente de suas peças anteriores – como as consagradas Hate Radio, sobre o genocídio em Ruanda, e Breivik, sobre o extremista de direita norueguês responsável pelo massacre em um acampamento de jovens socialistas –, o novo espetáculo concentra-se na narrativa dos atores. Eles falam sobre suas vidas, a infância, experiências com os pais e, em meio a tudo isso, também abordam "grandes questões políticas".

Inszenierung Breiviks Erklärung
A partir de histórias pessoais, o diretor Milo Rau traça um panorama da Europa atualFoto: picture-alliance/dpa

Quando Karim Bel Kacem, um francês de origem marroquina, fala sobre sua vida entre duas culturas, fala também sobre a situação de muitos imigrantes. Seu pai, instável e alcoólatra, não era um exemplo a ser seguido. Ele encontrou um substituto para a figura paterna num imame, um pregador do Islamismo. Isso numa curta fase da puberdade, diz. Mas o carismático religioso mostrou ao jovem o poder que as palavras podem ter e como a linha que separa da radicalização pode ser tênue quando não se tem outro ponto de apoio. Karim encontrou apoio em suas cinco irmãs.

Todos os jovens islamistas que ele conheceu ou dos quais ouviu falar não tinham um pai que pudessem tomar como exemplo, diz Rau. O diretor também encontrou essa característica em seus atores. Dois dos pais dos atores acabaram num hospital psiquiátrico; outro morreu jovem num acidente de carro.

Para a belga Sara de Bosschere não é fácil falar abertamente sobre o fracasso de seu pai. Ela vem de uma família de esquerda, a mãe fazia parte do movimento feminista, o pai era um trotskista. Ele perdeu-se nos limites entre idealismo e realidade e enlouqueceu. Ela foi obrigada a amadurecer mais cedo e conviver com o que ela mesma havia se tornado, diz a atriz.

Milo Rau - The civil wars
Expressões dos atores são projetadas numa grande tela sobre o palcoFoto: Marc Stephan

O que mantém nossa sociedade unida

O fracasso dos grandes movimentos – não apenas os de esquerda –, a imigração, a ameaça de guerras e o que mantém a sociedade europeia unida são temas que a peça discute por meio das histórias pessoais.

Manter a emoção dessas histórias também foi uma das preocupações do diretor ao criar o cenário da peça. Numa sala mal iluminada, há um sofá e um aparador repleto de peças africanas, vasos exóticos, imagens de Maria e uma foto da Estátua da Liberdade, uma espécie de relíquia apocalíptica. Os quatro atores falam alternadamente para uma câmera, e a expressão de seus rostos é projetada numa grande tela. Assim, Rau consegue transmitir as emoções dos personagens com intensidade.

Para Sébastien Foucault – cujo pai por acaso se chama Michel Foucault, como o grande filosofo francês – ainda é difícil, encontrar a melhor maneira de narrar. Suas memórias do tiveram que ser reconstruídas com a ajuda da família, para que, então, ele as pudesse reviver. Foi um processo doloroso. Estabelecer o equilíbrio entre as emoções e a distância delas no palco foi o maior desafio para o ator.

Inicialmente, o colega Johan Leysen – que já trabalhou com grandes diretores, como Godard e Heiner Goebbels – estava cético em relação às "pequenas" histórias usadas na peça, e se elas conseguiram sustentar a peça e transportar o público para uma dimensão maior. Mas ele confiou na abordagem documental do diretor ficou satisfeito com o resultado, diz.

The Civil Wars é a peça mais pessoal que Rau já levou aos palcos. Ele foca nos atores como seres humanos, que, ao compartilharem suas vidas, também falam de uma maneira universal sobre os tempos atuais e a Europa. Afinal, questões como "quem sou eu?" e "como me tornei quem sou?" são pertinentes para qualquer ser humano, em qualquer lugar do mundo.