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Einstein, a Relatividade vai a Copacabana

Maristel Alves dos Santos17 de março de 2005

Para quem ainda não sabe, Albert Einstein esteve no Brasil. Sua passagem pela cidade do Rio de Janeiro foi curta e sem grande destaque científico. Mas, com certeza, uma experiência inédita e inesquecível para o gênio.

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Einstein fora das salas de aulaFoto: dpa

A maior celebridade científica do século 20 criou a Teoria da Relatividade, provou que espaço é inconstante; tempo, relativo e que E=mc². Decifrou as leis do universo, inspirou punks – cabelo desalinhado e língua de fora. Ajudou a criar a bomba atômica, depois lutou contra ela. Foi considerado retardado na escola; quando adulto: gênio. Apoiou Mahatma Gandhi, judeus, palestinos. Ganhou Nobel, fugiu do nazismo... E para completar o currículo atribulado: visitou o Brasil.

Einstein foi à América do Sul com o intuito de divulgar a Teoria da Relatividade, difundir os avanços da Física e mostrar que a ciência podia transpor fronteiras nacionalistas. O físico alemão passou por Buenos Aires e Montevidéu antes de desembarcar no porto do Rio com seu violino, na segunda-feira, 4 de maio de 1925. A cidade maravilhosa, na época capital do país, entrou em alvoroço com a chegada do prêmio Nobel de 1921.

Vatapá e tripanossomo

"O Rio é um verdadeiro paraíso e uma alegre mistura de povos", escreveu o físico. Nos sete dias em que esteve na cidade, Einstein, além do acadêmico, mostrou o turista dentro de si, cumprindo um roteiro digno de entrar para o programa da Rio-Tour "conheça o Rio de cabo a rabo".

Hospedou-se no Hotel Glória – quarto número 400. Visitou Santa Tereza, Copacabana e almoçou no Palace; conheceu a Floresta da Tijuca e o Museu Nacional. Foi ao Jardim Botânico, São Conrado... Subiu o Corcovado, o Pão de Açúcar, "uma viagem vertiginosa sobre a floresta, preso por um cabo de aço", descreveu ele. Andou pelas matas, escreveu cartão-postal, saboreou o pôr-do-sol e bronzeou o rosto descorado de laboratório.

Albert Einstein mit Galeriebild
Amante da música, Einstein levou seu violino para o Rio de JaneiroFoto: dpa

E como bom turista, provou da hospitalidade tupiniquim: Einstein ganhou mudinha de jequitibá, caixinha de madeira com pedras preciosas nacionais, medalha de bronze e diploma de honra. Almoçou cada dia na casa de um, comeu vatapá, discutiu culinária e os costumes das moças brasileiras. Falou em programa de rádio e virou nome de prêmio científico.

Por incrível que pareça, Einstein ainda achou tempo para ministrar duas conferências sobre a Teoria da Relatividade, visitar instituições científicas como o Instituto Oswaldo Cruz e espiar o tripanossomo no microscópio. Encontrou-se também com uma porção de celebridades – inclusive com o presidente da República, Arthur Bernardes.

Gravata emprestada

Isidoro Kohn, judeu austríaco, foi o cicerone de Einstein durante sua estada no Rio. Dono de loja de tecidos, Kohn sugeriu, como primeiro passeio, uma visita a casas do ramo – o físico precisaria de terno adequado para encontrar o presidente. Einstein, não dado a formalidades e cozinhando de calor, achou a idéia descabida. Resistiu o quanto pôde... Uma hora depois, o prêmio Nobel provava um modelo na alfaiataria Tombo do Rio, na Rua da Carioca.

Arthur Bernardes conheceu Einstein de fraque cheirando à loja e gravata emprestada – e Kohn nunca mais recebeu a gravata de volta. Ainda de roupa nova, Einstein foi ao Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, onde ministrou sua primeira conferência sobre a Relatividade em solo brasileiro. A nata social, embaixadores, intelectuais, políticos, militares e seus respectivos esposas e filhos, todos lá, lotando o recinto.

Einstein palestrou espremido junto ao quadro-negro, fazendo os desenhos da mudança de referencial. O gênio falou em francês, mas mal foi ouvido – devido ao calor, as janelas estavam abertas. Barulho de rua invadia a sala e Relatividade ganhava as esquinas cariocas.

O moço que equacionou o universo

Albert Einstein mit Galeriebild
Einstein equacionando o universoFoto: AP

Albert Einstein tinha apenas 26 anos quando expôs ao mundo a Teoria da Relatividade Restrita. Dez anos depois, ampliaria a noção de tempo-espaço na Teoria Geral da Relatividade.

Um raio de luz proveniente de uma estrela sofre uma alteração de trajetória ao passar perto do Sol. A massa deste deforma o espaço a sua volta e o raio de luz acompanha tal curvatura. A confirmação deste último fenômeno durante um eclipse em 1919 tornou Einstein mundialmente conhecido. E, em 1921, receberia o Prêmio Nobel de Física.

Relatividade do lado de baixo do Equador

É provável que a platéia carioca não tenha entendido patavina do que Einstein disse: o que não era em francês, era fórmula matemática. E em português só mesmo o "Olha o abacaxi!" dos ambulantes do lado de fora do Clube de Engenharia. Mas a falta de compreensão não foi motivo de constrangimento para os brasileiros. Afinal, na década de 20, havia poucos no mundo que compreendiam a teoria do gênio. Muitos nem a reconheciam como sendo correta.

Os articuladores da Campanha Anti-Relatividade – termo criado pelo próprio Einstein – unia anti-semitas e críticos das novas idéias científicas. Esse, pelo menos, não era o caso do público brasileiro. Mesmo sem compreendê-los, todo mundo elogiou aqueles números e palavras indecifráveis. Einstein foi aplaudido com sincera admiração. E, pensando bem, quem melhor que brasileiro para saber como as coisas são relativas.

Mas para aumentar o nível acadêmico da conferência seguinte, os organizadores tomaram as providências adequadas, o público seria selecionado: "Só podem tomar parte da segunda palestra os que já participaram da primeira". Albert Einstein começava a se familiarizar com os contra-sensos tropicais.

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Einstein e o sol de Sobral

Da semana que esteve no Brasil, Einstein passou metade dela ouvindo discursos. Ao ser recepcionado no Jockey Club, antes de tomar a palavra, teve que escutar longas elogiações descomedidas. Foram três oratórias, a primeira em alemão, a segunda em iídiche (idioma falado na comunidade judaica) e, por último, em francês.

Aloysio de Castro, diretor da Escola de Medicina, foi mais longe. Além das bajulações de praxe, quase reivindicou do físico a co-autoria na Teoria da Relatividade e um pedaço do Prêmio Nobel – o município de Sobral, no Ceará, fora uma das localidades escolhidas para receber a expedição científica que fotografou o eclipse de 1919.

Castro declamou empolgado a contribuição brasileira na confirmação da teoria elucidada pelo físico – Einstein, que também merecia o Nobel de diplomacia, apanhou um papel e escreveu em alemão: "A questão que minha mente formulou foi respondida pelo radiante céu do Brasil".

E Einstein vai ao hospício

Porträt: Albert Einstein
O gênio pacifista e bem-humoradoFoto: dpa

Português, Einstein não entendia. Mas com certeza teve alguém que lhe traduziu o periódico O Jornal : "O dia de Einstein – Einstein comeu, hontem, vatapá com pimenta. O domingo foi consagrado a um passeio à Tijuca e hontem o grande mathematico foi visitar o Hospício". E não é que deixaram ele sair de lá?

Einstein embarcou rumo à Europa no dia 12 de maio de 1925. Provavelmente mais abstraído com o país que acabara de conhecer do que com as leis do universo. O físico escreveu a todos que o receberam um simpático e franco agradecimento. E, durante a travessia do Atlântico, formulou uma carta ao Comitê Nobel, recomendando o brasileiro Cândido Rondon para o Prêmio Nobel da Paz, pelo seu trabalho junto aos indígenas.

Einstein pós-Brasil

Einstein morou até 1933 na Alemanha. Fugindo do nazismo, abandonou Berlim e migrou para os Estados Unidos, onde trabalhou no Instituto de Estudos Avançados, em Princeton. Preocupado com o avanço nazista, Einstein colaborou para o desenvolvimento do programa nuclear americano durante a Segunda Guerra. Após as explosões de Hiroshima e Nagasaki, aderiu à luta pelo pacifismo e defendeu a fiscalização do uso da energia atômica.

Brasil pós-Einstein

A visita de Einstein ao Rio atraiu um grande interesse público. Foi um estímulo a jovens cientistas, professores e a todos que buscavam expandir a pesquisa e estabelecer melhorias no sistema nacional de educação. A presença do físico trouxe à tona discussões científicas importantes, gerou polêmicas e debates acadêmicos que ganharam a imprensa e despertaram interesse na população. Einstein no Brasil ajudou a promover o desenvolvimento científico, acadêmico e tecnológico no país.

O último enigma do gênio

Albert Einstein
Um cientista nada convencionalFoto: dpa

Einstein faleceu em 1955, em Princeton. Deixou à humanidade a solução de leis cosmológicas, mas morreu levando consigo um enigma até hoje não decifrado: "o que será que o gênio pensou ao posar de língua pra fora no legendário retrato?"

Talvez esta foto tenha sido fruto de seus sete dias de Brasil. Conturbação, arrojo e alegria. Ou ironia e bom humor de quem conseguiu decifrar o universo e, até mesmo, o Brasil.