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Editora planeja republicar versão original de "Minha Luta"

Gaby Reucher (ca)7 de junho de 2016

Intenção da Schelm é relançar manifesto antissemita de Hilter sem comentários críticos de historiadores. Embora especialistas apontem que é hora de Alemanha lidar com passado nazista, editora pode ser alvo da Justiça.

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Exemplar de "Minha Luta" assinado por Hitler
Exemplar de "Minha Luta" assinado por HitlerFoto: F. J. Brown/AFP/Getty Images

Em meio a grande agitação, o livro Minha Luta, de Adolf Hitler, voltou às prateleiras das livrarias alemãs em janeiro deste ano – como edição comentada. A primeira tiragem, com cerca de 3,7 mil notas de historiadores que contextualizam a obra, esgotou em poucas semanas.

A publicação da edição comentada se tornou possível após os direitos autorais do livro terem expirado e a obra ter caído em domínio público, 70 anos após a morte do ex-ditador nazista. Em termos legais, a obra é considerada sediciosa. No entanto, os comentários críticos do Instituto de História Contemporânea, sediado em Munique, possibilitaram sua publicação de forma legal.

Esse não é necessariamente o caso da nova edição que a editora alemã de direita Schelm pretende lançar em meados do ano – em sua forma original, sem contextualização crítica.

Baseada em Leipzig, a Schelm já está aceitando encomendas em seu site para a "reimpressão inalterada", que, segundo os editores, vai servir como fonte de educação pública e documentação histórica para o universo acadêmico.

Os planos da Schelm foram anunciados numa livraria de Forchheim, ao norte de Nurembergue. "A editora divulgou que planejava vender a versão original e anunciou o livro com uma imagem de Hitler", afirmou à DW Christopher Rosenbusch, porta-voz do Ministério Público local, que indiciou uma investigação. Um anúncio do tipo já pode ter consequências legais.

De acordo com as leis alemãs contra a incitação ao ódio racial, republicar o manifesto original é ilegal. Os investigadores avaliam agora se vão apresentar queixa contra a editora.

Estratégias de dissimulação

A Schelm argumentou que planeja publicar o texto com um comentário como prefácio, o que não seria suficiente para que seja considerado material de pesquisa. "Falar de educação pública nesse caso não faz o menor sentido", afirma Hajo Funke, professor do Instituto de Ciências Políticas em Berlim. "Trata-se de um texto antissemita, que só serve para criar agitação."

Na Alemanha, qualquer pessoa que incite o ódio contra um indivíduo devido à sua origem nacional, racial, religiosa ou étnica pode ser acusada de perturbação da ordem pública. Qualquer glorificação do nazismo é passível de processo judicial.

No entanto, estudantes ou acadêmicos que usarem Minha Luta como parte de seus trabalhos acadêmicos não são alvo da Justiça. Por essa razão – e para se proteger legalmente – a Schelm está tentando vender sua edição como um serviço acadêmico e, em seu site, a editora se distanciou de passagens odiosas do livro.

Fala por si só, no entanto, o fato de que o domínio volkstod.com pertença à editora, algo que pode ser traduzido como "morte do povo.com", e de que a Schelm publique somente livros de orientação de direita.

"Essas estratégias de dissimulação sempre estiveram em jogo", disse Kai Brinckmeier, especialista em extremismo de direita. "Havia um site na internet, semelhante ao Wikipedia, com uma lista de tópicos destinados a negar o Holocausto. Os estudantes que buscavam informações na web corriam o risco de levar as informações a sério, caindo assim na armadilha dos neonazistas."

Edição comentada de "Minha Luta" publicada pelo Instituto de História Contemporânea de Munique pesa cinco quilos
Edição comentada de "Minha Luta" publicada pelo Instituto de História Contemporânea de Munique pesa cinco quilosFoto: Reuters/M. Dalder

Proibição não é resposta

Apesar do conteúdo controverso, não houve um banimento específico da publicação do livro desde que entrou em domínio público. "Mas um banimento não iria, necessariamente, evitar que o ideário se enraizasse na cabeça de muitas pessoas", afirma Brinckmeier. Para o especialista, no entanto, há o risco de que alguém que, a princípio, não tinha nada a ver com o movimento de extrema direita possa acabar levando tais pontos de vista em consideração por meio da distribuição do livro.

Horst Pöttker, professor da Universidade de Hamburgo, também disse considerar que uma proibição não seria eficaz. Segundo ele, a versão comentada é um bom meio-termo. Ele mesmo quis publicar uma edição semelhante há alguns anos, mas na época os direitos autorais ainda estavam em vigor.

"Na Alemanha, teme-se uma onda de extremismo de direita [se o livro for publicado], mas esse não é o caso em outros países. Até mesmo em Israel, Minha Luta é vendido na versão original", explicou o professor.

Para Pöttker, a reação na Alemanha mostra que cidadãos do país não sabem lidar com o passado nazista. "Existe uma necessidade urgente na sociedade de se encontrar, finalmente, um caminho apropriado para resgatar esse passado, cultural e publicamente", afirmou Pöttker. "Minha Luta faz parte do discurso público. E agora a ala de extrema direita tenta fazer suas próprias incursões."

Minha Luta em contexto histórico

Minha Luta não é somente uma diatribe. O livro também contém ideias que teriam agradado a alguns membros de classes alemãs com maior nível educacional na época de Hitler. "[Hitler] escreveu que se deveria ler muito, e Munique é descrita como uma cidade linda", aponta Pöttker.

Hoje, o texto pode ser colocado claramente num contexto ideologicamente racista, que levou a campos de concentração e extermínio de judeus. "O fato de Hitler ter escrito sobre sua ideologia racial e Auschwitz em Minha Luta serve para provar que todos aqueles que negam o Holocausto estão errados", acrescentou o professor.

Apesar de suas objeções, Funke acredita que a editora Schelm está preenchendo uma lacuna de mercado com seus planos de uma edição não comentada. "A versão com comentários críticos é muito instrutiva, mas também muito assustadora", afirma o cientista político, acrescentando que ela não seria apropriada para uma interpretação crítica ampla. "A análise crítica poderia, facilmente, ter sido feita ao longo de 200 páginas."

Funke diz estar interessado em como o caso Schelm vai avançar, porque se queixas forem apresentadas, isso pode acabar tendo efeito sobre a edição comentada publicada pelo Instituto de História Contemporânea. "Mesmo com seus comentários, o texto também poderia ser visto como um meio de glorificar os conteúdos do livro. Nesse caso, ele também não teria uma base legal sólida", conclui.