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Literatura

Jennifer Lepies (sv)4 de dezembro de 2008

"Literatura de migração" é definição dada à produção de escritores alemães descendentes de estrangeiros. Um rótulo com o qual os próprios escritores pouco se identificam. Especialista sugere introdução de novo conceito.

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Feridun Zaimoglu, escritor alemão de origem turcaFoto: picture-alliance/dpa

O início do romance policial Felidae, do "turco-alemão" Akif Pirinçci, conta a história de um gato que muda de ambiente com seus donos, vivenciando uma série de surpresas, nem sempre agradáveis. O romance narra os acontecimentos sob a perspectiva do gato e reflete, de certa forma, a trajetória do próprio Pirinçci, que migrou com seus pais, em 1969, da Turquia para a Alemanha.

Com seu "histórico de migração" – termo usado na Alemanha para designar a geração de filhos e netos de imigrantes – e através dos temas dos quais trata em seus livros, Pirinçci é enquadrado no que alguns críticos chamam de "literatura de migração".

"No texto dele, não se lê, de imediato, que se trata de literatura de migração, mas a história começa quando o gato e seu dono se mudam e, no novo ambiente, experimentam determinadas situações que são específicas do processo de migração", explica Heidi Rösch, professora de Literatura da Escola Superior de Pedagogia de Karlsruhe.

Textos que migram

Como a migração vem se tornando um fenômeno cada vez mais comum na Alemanha, é natural que isso se reflita na produção literária. "A literatura de migração trata, em primeira linha, de assuntos relacionados aos processos migratórios. Teoricamente, autores alemães (sem histórico de migração na família) também poderiam produzir este tipo de literatura", diz Rösch. Pode-se inclusive falar num novo gênero literário intercultural, criado pelos migrantes."Acima de tudo é o texto que migra, não necessariamente o autor", analisa a especialista.

O conceito "literatura de migração" tem, na Alemanha, uma história relativamente curta. As primeiras levas de escritores com "background migratório" no país surgiram ainda nos anos 1970, entre os chamados trabalhadores convidados (Gastarbeiter). "Esses autores trataram, do ponto de vista literário e de forma crítica, da situação que enfrentavam na nova sociedade", fala Rösch.

Diversidade cultural

Rafik Schami auf der Frankfurter Buchmesse
Rafik Schami, vive desde 1971 na AlemanhaFoto: dpa

Desta primeira geração foram poucos, porém, os que se tornaram conhecidos e mantiveram uma produção literária sólida. Para a especialista Rösch, faltou a muitos uma sensibilidade mais aguçada em relação ao idioma do país. Rafik Schami, autor sírio, é um dos que conseguiram chegar a um público mais amplo.

Schami, nascido na Síria em 1946, vive desde 1971 na Alemanha. Químico por formação, começou a escrever quando ainda trabalhava em laboratórios exercendo sua profissão. A diferença de Schami para outros autores de sua época é o fato de ele ter escrito seus textos, desde o início, em alemão, enquanto outros autores de sua época escreviam em seus idiomas originais, para então serem traduzidos para o alemão.

O autor sírio ficou principalmente conhecido do público através de fábulas e histórias que se passam no espaço árabe, que contribuem para que o leitor alemão se aproxime da diversidade do mundo árabe, criando pontes entre Oriente e Ocidente.

Não somente um grupo étnico

Uma das características que unem os representantes da literatura de migração é o fato de jogarem, em seus textos, com o idioma de seu país de origem ou do país de origem de seus pais. "Gino Chiellino escreveu, por exemplo, poemas em três idiomas, que começam no dialeto calabrês, continuam em italiano e acabam em alemão", descreve a professora Rösch.

Outro exemplo na Alemanha é Emine Özdamar, autora alemã de ascendência turca, que costuma transpor para o alemão a poesia de alguns provérbios turcos. "Pessoas que falam turco reconhecem as referências e riem, enquanto os alemães ficam surpreendidos", resume Rösch.

A narrativa desses autores com ascendência estrangeira costuma não causar a empatia somente de um grupo étnico específico, mas encontrar público entre vários grupos de migrantes ou filhos destes. Isso acontece, por exemplo, quando o escritor descreve uma história de amor entre uma alemã e um turco. "O leitor aprende, neste caso, muito a respeito das duas culturas", diz a especialista Rösch.

"Conceito asqueroso"

Em tempos de mobilidade globalizada, muitos se perguntam se um rótulo como esse, de "literatura de migração", ainda faz qualquer sentido. Rösch sugere ampliar o conceito para além das fronteiras do universo dos trabalhadores estrangeiros no país, adotando o conceito de "Nova Literatura Universal".

Muitos autores no país não vêem suas produções literárias enquadradas no conceito de "literatura de migração". O escritor Feridun Zaimoglu, por exemplo, já se referiu ao termo como "um conceito realmente asqueroso". Zaimoglu ficou conhecido no país depois da publicação de seu primeiro livro, Kanak Sprak (1995), no qual tenta retratar de forma literária a linguagem dos alemães descendentes de turcos nas cidades alemãs.

Entendimento entre culturas

Sasa Stanisic erhält den Adelbert von Chamisso Preis
Saša Stanišic, vencedor da última edição do Prêmio Adelbert von ChamissoFoto: picture-alliance/ dpa

Em 2005, Zaimoglu recebeu o Prêmio Adelbert von Chamisso, concedido anualmente durante a Feira do Livro de Frankfurt. O prêmio é voltado para autores que escrevem em alemão, mas cuja língua materna seja outra. A idéia, segundos seus organizadores, é premiar aqueles que contribuem "para uma maior compreensão entre as culturas, seja na Alemanha, na Europa ou no mundo".

O Prêmio Chamisso deste ano foi para o jovem autor Saša Stanišic, que nasceu na Bósnia-Herzegóvina e se mudou aos 14 anos de idade, em 1992, para Heidelberg. Stanišic estudou Filologia Alemã e Eslava e é autor de uma série de contos e ensaios.

Além disso, ele escreveu várias peças radiofônicas e contribui com blogs literários. Seu primeiro livro, Wie der Soldat das Grammofon repariert (Como o soldado conserta o gramofone), foi publicado em 2006. O romance gira em torno do personagem Aleksandar, que foge da guerra da Bósnia com seus pais na década de 1990.