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O que é ser francês?

3 de novembro de 2009

Para os adeptos do presidente Nicolas Sarkozy, trata-se de "fortalecer os valores republicanos". A esquerda francesa vê manipulação eleitoral e um perigoso empréstimo da retórica de extrema direita.

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Símbolos nacionais serão discutidosFoto: maxppp

O governo da França lançou nesta segunda-feira (02/11) um debate público sobre a identidade nacional, que deverá durar três meses. O apoio da população é maciço, porém são também duras as críticas à iniciativa, considerada parte de uma política cínica e, até mesmo, perigosa.

Sarkozy entusiasmado

O exame proposto da "galicidade" inclui tanto discussões sobre símbolos como o hino nacional, quanto temas de potencial explosivo, como os lenços usados na cabeça pelas muçulmanas. De um lado, estarão legisladores franceses e europeus, e autoridades regionais, do outro, estudantes, pais, líderes empresariais e sindicatos.

O ministro francês da Imigração, Identidade Nacional e Desenvolvimento Solidário, Eric Besson, encabeça a iniciativa, porém o presidente Nicolas Sarkozy também se mostra engajado:

"A França tem uma identidade particular, que não está acima de outras, mas é a sua própria", comentou a um grupo de agricultores no leste do país. "Não entendo como alguém pode hesitar em dizer as palavras 'identidade nacional francesa'."

Manobra de distração?

Jahresrückblick 2007 Mai Frankreich Nicolas Sarkozy Präsident
Debate vem em momento delicado para Sarkozy, e antes de eleições regionaisFoto: AP

Os debates terminam em 28 de fevereiro de 2010, quando Besson apresentará uma síntese geral dos trabalhos, articulada em duas partes: "o que significa ser francês hoje" e "em que a imigração contribui para nossa identidade nacional".

A temática da identidade nacional não é nova, nem para o país, nem para Sarkozy, que foi um ministro do Interior linha-dura. O tópico foi central em sua campanha presidencial de 2007, motivando numerosos eleitores. E volta a emergir num momento em que o presidente francês se vê encurralado entre duas controvérsias políticas importantes.

Uma foi a revelação de que, durante suas viagens à Ásia, o ministro da Cultura de Sarkozy, Frédéric Mitterrand, costumava pagar por sexo. Outra foi a candidatura do filho de Sarkozy, Jean, de 23 anos de idade, para a direção do distrito financeiro La Défense, que forçou o chefe de Estado a rebater acusações de nepotismo.

Certos analistas políticos creem, ainda, que Sarkozy esteja usando o debate sobre a identidade para desviar a atenção de assuntos impopulares, como o desemprego crescente ou o déficit público galopante.

A importância de cantar A Marselhesa

Os observadores também identificam uma estratégia com o fim de angariar apoio para a ala direitista do presidente. Seus correligionários temem que os eleitores da direita fiquem em casa durante as eleições regionais de março próximo, o que beneficiaria a esquerda.

No entanto, Besson afirma que a finalidade é fortalecer os valores republicanos, que muitos direitistas veem ameaçados. "Precisamos reafirmar os valores da identidade nacional e o orgulho de ser francês", incitou, dando um exemplo:

"Seria bom se todos os jovens franceses tivessem a oportunidade de, uma vez por ano, cantar A Marselhesa [o hino nacional]". O ministro francês da Imigração é fundador do partido Les Progressistes, ligado à populista de direita União por um Movimento Popular (UMP) de Sarkozy.

"Retórica da extrema direita"

Segundo uma enquete publicada no último domingo pelo jornal Le Parisien, em geral os eleitores franceses são a favor do debate. Esta foi a opinião expressa por 60% dos entrevistados, incluindo 72% dos eleitores de direita e a metade dos esquerdistas; 35% se pronunciaram contra a iniciativa.

Eugene Delacroix, Die Freiheit führt das Volk
A Liberdade guia o povo (Eugène Delacroix, 1798-1863)Foto: picture-alliance/dpa

Outra questão na sondagem de opinião foi "o que constitui a identidade nacional". O idioma francês foi considerado entre "muito importante" e "bastante importante" por 98% dos participantes, seguido pelo hino nacional e a bandeira. Já o acolhimento de imigrantes seria "muito importante" ou "bastante importante", segundo 31% e 42% dos consultados, respectivamente.

O antropólogo Régis Meyran considera "muito suspeito" o termo "identidade nacional". Ele observa que a presente retórica é importada do discurso que o partido de extrema direita Frente Nacional, de Jean-Marie Le Pen, adotava na década de 1980, e que remonta aos pensadores nacionalistas do século 19.

"Vejo aqui um apelo discreto, mas bem claro, a um eleitorado que vota tradicionalmente na extrema direita. É para ganhar eleitores", afirmou o autor de Le mythe de la identité nationale (O mito da identidade nacional).

Socialistas divididos

A oposição francesa concorda, classificando o debate como "perigoso": seria difícil definir uma única identidade nacional num país marcado por sucessivas ondas de imigração.

Kandidat Benoit Hamon
Benoît Hamon e outros socialistas dizem 'não'Foto: AP

Na véspera do debate, o porta-voz do Partido Socialista francês, Benoît Hamon, declarou que seu agrupamento se recusa a participar de tal "manipulação" por parte dos conservadores. "É a direita que tem um problema com os valores da República", comentou, acrescentando que a meta dos adeptos de Sarkozy é "mobilizar eleitores da extrema direita".

No entanto, parte do partido reconhece a ressonância pública do assunto, e não quer ficar excluída. A ex-candidata socialista à presidência Ségolène Royal declarou que o debate não devia ser rejeitado pela esquerda.

"Precisamos trazer de volta os símbolos da nação. Por isso, eu quis que se cantasse A Marselhesa em meus comícios. E [precisamos] reivindicar a bandeira que pertence a todos, não apenas à direita."

AV/rtr/ap/afp
Revisão: Roselaine Wandscheer