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Debate de propostas se perde em meio a ataques e escândalos

Marina Estarque, de São Paulo25 de setembro de 2014

Com tom da campanha cada vez mais agressivo e centrado em ataques mútuos entre os candidatos, discussão sobre o conteúdo dos programas de governo é deixada de lado. Quem perde é o eleitor.

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Brasilien TV-Debatte vor der Präsidentschaftswahl 16.09.2014
Foto: picture-alliance/dpa/S. Moreira

Com as pesquisas de intenção de voto indicando uma disputa acirrada, a campanha eleitoral deve ficar ainda mais agressiva nos próximos dias, à medida que se aproxima o primeiro turno. Esse foco nos ataques pessoais e na tentativa de desconstruir adversários ofusca, porém, o debate construtivo de propostas para solucionar os problemas do país.

Especialistas avaliam que o conteúdo programático foi pouco debatido até aqui e alertam: essa situação não deve mudar – ao contrário, a agressividade vai aumentar ainda mais no segundo turno.

"A campanha tem ficado em acusações. Se discute o medo, a incompetência ou a experiência, mas não os projetos para o Brasil: política econômica, questão trabalhista e previdenciária, a retomada do crescimento, os programas sociais. É um debate cifrado, pobre e incompleto", diz o cientista político Antonio Carlos Mazzeo, da Unesp e da PUC-SP.

"A disputa será mais acirrada, e os ataques vão piorar. Isso é ruim para a democracia e para o eleitor", opina o historiador e sociólogo Marco Antonio Villa.

Um fator até mesmo curioso e que dificulta a possibilidade de debate de propostas entre os candidatos é a falta de programas de governo disponíveis para consulta do eleitor.

Até agora, Marina Silva (PSB) foi a única dos três principais candidatos a apresentar uma versão final do seu programa de governo. Entretanto, enfrentou graves críticas por ter recuado em alguns pontos do documento, como os direitos LGBT e a política energética.

Já Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) entregaram documentos genéricos no início de julho, com a promessa de divulgar a versão detalhada e consolidada até as eleições, o que ainda não ocorreu.

Incerteza e polarização

A campanha, segundo analistas políticos, está particularmente agressiva também em parte devido ao grau de incerteza quanto ao resultado. Quando a situação está mais definida, o candidato líder nas pesquisas costuma evitar o enfrentamento.

"Quem está na frente não perde tempo atacando os adversários, e os outros procuram se posicionar em relação ao resultado. Mas, nessas eleições, todos têm muito a perder, então se arriscam mais", diz o cientista político Fernando Lattman-Weltman, da Uerj.

Wahlen Brasilien TV Duell Debatte Marina Silva Präsidentschaftskandidaten
Marina foi a única dos três principais candidatos a apresentar uma versão final das propostasFoto: Reuters

Outro motivo para o empobrecimento do debate eleitoral, segundo ele, é a polarização da sociedade entre petistas e antipetistas e a decorrente radicalização do discurso. Para ele, há praticamente um enfrentamento de facções. "Desde o mensalão, em 2005, há um clima de radicalização partidária, de troca de ataques. Vai além do embate entre PT e PSDB: é petistas contra antipetistas", diz.

Lattman-Weltman afirma que, nesse ambiente polarizado, os candidatos procuram reafirmar as suas identidades, mais do que debater propostas. Assim, seria fácil diferenciar um do outro. Além disso, é tradição da política brasileira discutir perfis de pessoas, e não plataformas de governo.

"Não parece haver muita dúvida do que seria a continuidade do governo Dilma e o retorno do PSDB ao governo. Por esse aspecto, a Marina é a candidata menos conhecida, até por isso ela foi mais cobrada e lançou o seu programa", diz o especialista.

Programas de governo

Para os especialistas, a demora na apresentação dos programas de governo se deve ao fato de o Brasil não ter uma tradição de formalizar por escrito as ideias dos candidatos.

"São registrados documentos bem genéricos, e as propostas são divulgadas durante a campanha", comenta o cientista político Bruno Speck, da USP. "Não são programas negociados entre os parceiros de coalizão, como ocorre na Alemanha, onde os acordos são firmados antes.”

Brasilien TV Debatte Präsidentschaftswahl 2014
Especialistas dizem que o conteúdo tem sido pouco debatido e alertam: a agressividade vai aumentarFoto: Reuters

Entre os estudiosos é unanimidade que os programas deveriam ser apresentados junto com a candidatura. "Isso facilitaria a análise por parte da mídia, dos acadêmicos e dos próprios adversários políticos", defende Speck.

Por outro lado, o impacto do programa de governo nas intenções de voto é considerado pequeno. O eleitor tende a escolher o candidato por causa de uma identificação emocional, e não pelo conteúdo programático.

"O eleitor vota muito mais por certos atalhos cognitivos, por empatia. Esse é um dos motivos pelos quais os candidatos não publicam as propostas, porque sabem que isso não define o voto", explica Lattman-Weltman.

Para Villa, a democracia brasileira é recente e ainda há um processo de aprendizado por parte dos eleitores. Ele defende que o programa de governo deveria ser uma condição para definir a escolha de um candidato. "O eleitor brasileiro não exige programa. Ele vota porque se identifica com o estilo e o jeito do candidato, com base em um relacionamento pessoal. É uma escolha quase pré-política", completa o historiador.

Villa avalia que todas as eleições são focadas em temas centrais, que determinam o voto dos eleitores. "Pode ser ética, moralidade ou desenvolvimento. Desde 1989 é assim. Primeiro foi a caça aos marajás e à corrupção; depois a estabilização do Plano Real, e assim por diante. Uma discussão mais ampla e profunda, nós nunca tivemos."

Temas técnicos

Os especialistas concordam que a maioria dos eleitores não tem tempo ou interesse para analisar com profundidade os programas de governo. Muitos dos temas são vistos como técnicos e passam ao largo da população.

"O Bolsa Família é uma proposta mais assimilável, por exemplo. Só que todos os candidatos defendem a sua manutenção. Por isso, o eleitor acaba não vendo diferença entre os programas", diz Lattman-Weltman.

Além de não influenciar as intenções de voto, o programa de governo gera um compromisso que nem sempre será cumprido em um eventual mandato, aumentando o desgaste político do governante. Assim, segundo analistas, não há incentivo para que os candidatos divulguem suas propostas.

"Todos eles sabem que uma coisa é o que você pretende fazer, e outra é a realidade de governo. A democracia tem inúmeras vantagens, mas governar é difícil, tem que negociar", afirma Lattman-Weltman. Ele lembra que os eleitores desconfiam de promessas, e isso vale também para as que constam dos programas de governo.