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Da Guerra dos Seis Dias à ocupação israelense

Dana Regev av
10 de junho de 2017

Atas secretas de 1967 revelam que ocupação de territórios palestinos por Israel foi uma decisão improvisada, após vitória inesperada sobre os árabes. Assentamentos deram início a uma ruptura na sociedade israelense.

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Antigo "anseio por Jerusalém" pode ter norteado ações de generais israelenses
Antigo "anseio por Jerusalém" pode ter norteado ações de generais israelensesFoto: picture alliance/AP/KEYSTONE/Government Press Office

Após 50 anos de embargo, e com alguns parágrafos ainda censurados, atas recentemente divulgadas lançam luz sobre os dias que levaram à Guerra dos Seis Dias. O conflito, travado entre 5 a 10 de junho de 1967, levou a uma guinada radical no conflito israelo-palestino.

Lendo os documentos, fica claro que os tomadores de decisão israelenses não tinham um plano político para os dias seguintes, nem uma visão realista para os territórios a serem ocupados em breve. Pelo contrário: as atas sugerem que, mais do que uma estratégia, as anexações de Cisjordânia, Jerusalém Oriental, Faixa de Gaza e das Colinas de Golã foram medidas ad hoc, tomadas após vitórias inesperadas.

Leia mais: "Efeitos da Guerra dos Seis Dias perduram 50 anos depois"

A impressão é que os próprios diplomatas israelenses estavam chocados com os êxitos do país, sem saber como gerir os novos e imensos territórios, pois a área de Israel triplicara. Muito menos ainda eles eram capazes de abarcar o significado de passar a ter, só na Cisjordânia, quase 800 mil árabes vivendo sob seu controle direto.

Anseio latente por Jerusalém

Contrariando a narrativa amplamente aceita, alguns historiadores argumentam que a guerra não foi imposta a Israel, mas fora planejada com antecedência, ou pelo menos esboçada, como um plano de contingência à espera de um elemento detonador.

Seja como for, quase ninguém no país mencionava a ocupação explicitamente, e levaria anos até a maioria da população aceitá-la como fato – a maioria, mas não todos.

"Nunca realmente falamos a respeito, pelo menos não do jeito como a ocupação é discutida hoje", comenta Nehemia Zerachovitz, que lutou na Batalha da Colina de Munição, uma das campanhas mais ferozes dos seis dias de guerra.

"Já dois anos mais tarde, em 1969, começava a Guerra de Desgaste, portanto não tivemos realmente tempo, nem capacidade para debates morais. A sensação ainda era de sobrevivência", diz o educador e paraquedista militar veterano.

Zerachovitz admite que o desejo de ocupar Jerusalém já emergira antes da guerra, e talvez tenha influenciado os generais israelenses, conscientemente ou não. "Os mesmos generais que liberaram, anexaram ou conquistaram Jerusalém – como quer que se queira chamar – foram os que haviam fracassado em tomar esses territórios lá em 1948. Então, de certo modo, a guerra de 1967 começou exatamente onde a de 1948 tinha acabado."

O fracasso em tomar Jerusalém era tópico comum de discussão às mesas de jantar, recorda Zerachovitz. "Não se mencionava explicitamente nada sobre anexação, mas ela era uma ferida aberta para a geração dos nossos pais. Escreviam-se canções sobre o anseio por Jerusalém, mas nunca se falava de conquistas, em termos específicos."

Militares israelenses capturam combatentes egípcios e palestinos em 5 de junho de 1967
Militares israelenses capturam combatentes egípcios e palestinos em 5 de junho de 1967Foto: Getty Images/GPO/David Rubinger

Ruptura entre sociedade secular e sionismo religioso

Após a Guerra dos Seis Dias, no entanto, o clima mudou, sobretudo com a ascensão do sionismo religioso. "Muitos viam a vitória de Israel quase como um milagre bíblico", define Micah Goodman, autor e pesquisador do Instituto Shalom Hartman de Jerusalém.

"Foi aí que começou a ruptura na sociedade: a população secular desejava remover a ameaça à segurança sobre a cabeça de Israel, mas os círculos religiosos receberam uma espécie de validação divina para a cadeia de acontecimentos", diz.

De fato, terminada a guerra, pelo menos para alguns, estabelecer assentamentos israelenses na Cisjordânia se anunciou como um método declarado para tornar realidade o sonho sionista. Mas apesar da euforia, apenas duas semanas após o fim do conflito alguns ativistas e políticos já manifestavam ceticismo.

"Em tempos de descolonização global, quem aceitará isso?", questionou o então ministro da Justiça, Yaakov Shimshon Shapira, referindo-se à opção lançada pelo chefe da Defesa, Moshe Dayan, de manter na Cisjordânia um "regime autogovernado" pelos palestinos, "mas com controle militar israelense".

Paraquedistas israelenses diante do Muro das Lamentações, local mais sagrado de Jerusalém
Paraquedistas israelenses diante do Muro das Lamentações, local mais sagrado de JerusalémFoto: Getty Images/AFP/Government Press Office/D. Rubinger

Opressão e terrorismo

Em 22 de setembro de 1967, o movimento de extrema esquerda Matzpen ("bússola", em hebraico) publicou uma carta aberta no jornal Haaretz, em que postulava: "Nosso direito de nos defendermos não nos concede o direito de oprimir outros. Conquista acarreta, em sua esteira, domínio estrangeiro. Opressão acarreta, em sua esteira, terrorismo e contraterrorismo."

O documento recentemente republicado pelo diário israelense não para por aí: "As vítimas do terrorismo são geralmente pessoas inocentes. Nós nos aferrarmos aos territórios nos transformará numa nação de assassinos e vítimas de assassinato. Abandonemos os territórios ocupados agora."

Ainda durante a guerra, alguns ministros ponderaram se Israel estava totalmente consciente das consequências de ocupar terras habitadas por quase 1 milhão de árabes, espalhados por diversos territórios.

"Digamos que nós conquistemos Jerusalém", argumentou o chefe da pasta da Educação, Zalman Aran, "quando vamos devolvê-la, e a quem?"

Numa reunião de gabinete em 19 de junho, o ministro sem pasta Menachem Begin instou os membros do Gabinete de Segurança: "Não digam aos americanos 'nós não temos uma solução', digam: 'Estamos procurando uma solução'." Uma abordagem que, segundo certos críticos, define o tom da diplomacia de Israel até hoje.

Tanques de Israel patrulham Jerusalém ocupada, em 10 de junho de 1967
Tanques de Israel patrulham Jerusalém ocupada, em 10 de junho de 1967Foto: Getty Images/AFP/P. Guillaud

"Abismos da ocupação"

De 1967 até hoje, mais de 400 mil judeus se mudaram para os assentamentos além da "linha verde", a fronteira de armistício acordada entre Israel e seus vizinhos em 1948. Há mais de 350 mil judeus só em Jerusalém Oriental, além de cerca de 20 mil nas Colinas de Golã.

"Antes dos assentamentos, não aconteciam muitos choques entre árabes e judeus", conta Avi Berger, que era estudante secundário durante a Guerra dos Seis Dias. "Não havia um discurso real sobre a ocupação, porque todo mundo a vivia."

Recrutado em 1969, ele recorda: "Pessoalmente, eu vi um soldado dando cabeçadas num idoso palestino, ou um grupo de soldados sorrindo junto a um cadáver. Esses são abismos que qualquer ocupação acarretaria. Esse é o seu significado quotidiano, sobre o qual ninguém falava na época."

Como explica Zerachovitz, ondas de terrorismo posteriores fixaram entre os israelenses a noção de que "não há parceiro" para a paz. "Lá em 1967, as anexações eram vistas como o preço a ser pago para alcançar a paz. Mas de algum modo isso seguiu sendo a desculpa até hoje; só que nós ficamos mais gananciosos e sem disfarces."

Esperança de paz

A geração nascida bem depois da Guerra dos Seis Dias se lembra principalmente da primeira e da segunda Intifadas, os levantes palestinos iniciados em 1987 e 2000, respectivamente, assim como das operações militares frequentes. Mísseis lançados de Gaza são rotina diária para os israelenses que vivem perto da fronteira, e quase todos acima dos 21 anos lembram ter sido afetados de algum modo, pela guerra ou por um atentado terrorista.

Embora no discurso atual de Israel qualquer concessão em respeito a Jerusalém pareça inaceitável, parte da geração mais velha, que lutou em 1967, pensa diferente. "As pessoas que conquistaram Jerusalém naquela época são hoje em dia membros dos partidos mais de esquerda", afirma Zerachovitz.

"Acho que ainda há esperança. Meu pai veio para cá em 1933, porque queria um Estado judaico, não um Estado binacional, certamente não um onde uma minoria governa uma maioria. Há gente que vê que estamos nos encaminhando para um desastre. Eles é que são capazes de mudar a direção. E deveriam. Ainda não é tarde demais."