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América Latina atenta

1 de outubro de 2010

Os vizinhos latino-americanos não contam com mudanças radicais após o término da "era Lula". No entanto, as campanhas eleitorais criam expectativas muito concretas.

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Olhos da região estão voltados aos candidatos com maior chance de suceder a LulaFoto: AP

Os especialistas concordam que o Brasil teve a sorte de ter consecutivamente personalidades fortes na Presidência da República. Sorte, porque os povos nem sempre elegem os líderes que mais lhes convêm; fortes, porque tanto o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, como seu sucessor, o operário e sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, souberam impulsionar projetos de governo que não apenas conquistaram a confiança de seus adeptos, mas também de seus opositores e até mesmo dos indiferentes e desiludidos.

Por isso é pesada a carga dos candidatos à eleição presidencial deste 3 de outubro. O difícil não é fazer uma boa campanha eleitoral: o desafio mesmo só começará após um deles vencer o pleito. Como se não bastasse, toda a América Latina está com os olhos voltados aos candidatos com mais chances de suceder a Lula: a candidata do PT, Dilma Rousseff; a do PV, Marina Silva; e o candidato do PSDB, José Serra.

Os vizinhos estão atentos

Dilma Rousseff Präsidentschaftskandidatin Brasilien
Maiores chances de vitória são atribuídas a Dilma RousseffFoto: AP

"As eleições presidenciais nos países latino-americanos adquiriram uma relevância global, e esse fenômeno é relativamente novo. Há alguns anos, os vizinhos do Brasil não teriam se importado com o vencedor das eleições, pois a atenção estava centrada na política interna; hoje, os discursos políticos na América Latina têm uma carga ideológica maior e mais potencial para polarizar para além das fronteiras nacionais", observa Detlef Nolte, diretor do Centro de Estudos sobre a América Latina, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo, referindo-se a Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa.

"Há meses, participei de uma convenção dos partidos latino-americanos de direita e me dei conta de que eles esperavam os resultados das eleições brasileiras como se fosse um fator decisivo para o destino imediato de toda a região. Eles se perguntavam: 'Será que a Dilma vai vencer, consolidando a posição da esquerda na América Latina, ou será o Serra, permitindo que um governo de centro-direita estabeleça um equilíbrio de forças?'. Acho que, independentemente de quem ganhe as eleições no Brasil, haverá uma continuidade do programa traçado por Lula e Cardoso no campo das relações exteriores", acrescenta Nolte.

Expectativas concretas

Jose Serra - Wahlen in Brasilien
José Serra, do PSDB, oponente mais forte de DilmaFoto: AP

"Creio que não deveríamos superestimar a disposição dos atuais candidatos presidenciais em mudar bruscamente a direção na qual navega o Estado brasileiro. Quando se analisa a política externa de Lula, percebe-se que por trás dela estão os interesses do Estado e a intenção de assumir a liderança na região em nome do Brasil, não impondo sua vontade, mas sim procurando convencer seus interlocutores. A simpatia ou antipatia pessoal de Lula por Cristina Fernández de Kirchner, por exemplo, ou por Álvaro Uribe, quando este ainda era presidente da Colômbia, não teve um papel importante durante a sua gestão", adverte o vice-presidente do Giga.

Mesmo que nenhum dos vizinhos do Brasil esteja contando com uma mudança de rumo radical ao fim da "era Lula", as eleições deste 3 de outubro geram expectativas – e elas se tornam mais concretas à medida que se observa países isolados. "O Uruguai e o Paraguai esperam que o Brasil se volte para o Mercosul e que os países menores do bloco possam obter compensações do Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) que lhes permitam ampliar sua atuação nessa união subregional", explica Günther Maihold, especialista em América Latina e vice-diretor da Fundação Ciência e Política (SWP), sediada em Berlim.

Brasilien Wahlen Marina Silva Präsidentschaftskandidat Grüne
Marina Silva, candidata do Partido VerdeFoto: AP

Conflitos de interesses

"Em Buenos Aires, há um interesse maior que o Brasil não se sobressaia tanto porque, se o fizer, a Argentina pode se ver limitada no que diz respeito à negociação e assinatura de tratados internacionais de livre comércio. Já houve atrito quando a União Europeia (UE) estabeleceu uma parceria bilateral estratégica com o Brasil ao mesmo tempo que negociava um tratado de livre comércio com o Mercosul; os envolvidos afirmam que essa parceria estratégica deve ser vista como um acordo complementar e nada mais, mas não é difícil imaginar um cenário no qual esses dois projetos entrem em conflito", diz Maihold.

"Se a UE não conseguir estabelecer um tratado de livre comércio com o Mercosul, a Europa poderia estar mais interessada em estreitar seus laços com o Brasil do que com qualquer outro dos membros do Mercosul", acrescenta o pesquisador da SWP, apontando que até mesmo os países geograficamente distantes podem estar criando expectativas específicas antes das eleições brasileiras. "A preocupação de Honduras gira em torno do reconhecimento do atual governo e da sua reintegração à Organização dos Estados Americanos (OEA), e Lula se recusou a legitimar o novo governo hondurenho", explica Maihold.

Personalidade conta muito

MERCOSUR Gipfeltreffen Gruppenfoto
Vizinhos do Brasil temem que o país descuide dos interesses do MercosulFoto: AP

"A pergunta é se o Brasil vai insistir no bloqueio político contra Honduras ou se sua posição vai abrandar", salienta Maihold, tocando tangencialmente em um aspecto que tem sido relevante nas relações interamericanas dos últimos anos, principalmente entre Brasil e Venezuela: a personalidade dos seus mandatários.

"Até agora, Lula se mostrou sempre capaz de integrar o presidente venezuelano, Hugo Chávez, ao resto da comunidade sul-americana por meio de um 'abraço' bastante efetivo. Veremos se Dilma tem capacidade de fazê-lo ou se Serra tem vontade de fazer isso", afirma o Maihold.

"O relativo equilíbrio entre a Venezuela e o Brasil, entre suas respectivas aspirações para exercer a liderança na região, dependerá do posicionamento do novo governo brasileiro em termos de política internacional", aponta. Estaria Chávez apostando que Dilma, notavelmente menos carismática do que Lula, ganhe as eleições para poder consolidar a sua própria posição como líder em escala continental?

"Eu suponho que Chávez tenha pensamentos como esse. Mas Dilma escolheu Marco Aurélio García, atual assessor de Lula, como seu assessor pessoal para relações exteriores e isso significa que, se Dilma ganhar as eleições, o Brasil seguirá a trilha já traçada por García: a de uma política exterior muito dinâmica", encerra Maihold.

Autor: Evan Romero-Castillo (sl/mdm)
Revisão: Roselaine Wandscheer