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Crítico "superstar" era agente secreto convicto na Polônia

av13 de agosto de 2002

Após aparição pouco lisonjeira como protagonista de um romance e de uma série de ataques pessoais, o papa da crítica literária alemã Marcel Ranicki volta às manchetes. Desta vez no papel de vilão.

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Marcel Ranicki (dir.) e colegas do "Quarteto Literário"Foto: AP

Segundo o jornal Die Welt, o papel de Ranicki no serviço secreto polonês haveria sido mais ativo do que se imaginava até agora. A edição de segunda-feira (12) divulgou pela primeira vez trechos de seu dossiê pessoal no Ministério da Segurança Pública da Polônia. O documento leva a crer que o crítico exerceu com paixão suas atividades, sendo um notável agente-chefe.

Die Welt

afirma que, no final de 1944, aos 24 anos de idade, Marcel Reich-Ranicki entrou para a polícia secreta da Polônia comunista, permanecendo a seu serviço, fora uma curta interrupção, até 28 de janeiro de 1950. Seus superiores haveriam elogiado sua inteligência e aplicação. Eficiente no trabalho operacional, o jovem idolatrava o serviço secreto, conhecia a psicologia do agente, além de ser dedicadíssimo à República Popular da Polônia e politicamente confiável. Também são computados a seu favor os amplos contatos sociais nos círculos do Partido Comunista. Entretanto, certas avaliações condenam sua arrogância e oportunismo, assim como seus "ares intelectualóides".

O dossiê abrange 109 páginas, incluindo o pedido de admissão por Ranicki, seus votos de dever e sigilo, currículos de seu próprio punho, formulários com dados pessoais detalhados, requerimentos de promoção por seus superiores, fotos e cartas. Sob o número IPN 0193/896, a pasta encontra-se no Instituto da Memória Nacional, em Varsóvia. Este equivale à repartição originalmente encabeçada por Joachim Gauck, que possui a guarda dos documentos do antigo serviço da Alemanha comunista.

Uma biografia atribulada

Marcel Reich-Ranicki goza na Alemanha de uma popularidade raramente concedida a um crítico literário. Nascido em 1920 na Polônia, ele tinha nove anos quando a família se mudou para Berlim, após a falência de seus pais. Devido à origem judaica, Marcel foi deportado em 1938 de volta ao país de origem. Após a invasão alemã, conseguiu sobreviver com sua esposa ao Gueto de Varsóvia, porém o restante da família morreu nas câmaras de gás de Treblinka.

Após a guerra, apoiou o Exército polonês e, nas suas próprias palavras, "também trabalhei por pouco tempo para o serviço secreto, que na verdade ainda nem estava organizado". Após temporadas em Berlim e Londres, retornou a Varsóvia para concretizar seu sonho de longa data: tornar-se crítico literário. Entretanto, pouco mais tarde, foi proibido de publicar seus escritos. Mesmo liberado, um ano mais tarde, do que classificou como "pena de morte", Ranicki estava decidido a ir viver no Ocidente.

Ele conseguiu viajar para a Alemanha, e os contatos que estabelecera lhe garantiram a permanência e trabalho nos jornais FAZ, Die Welt e Die Zeit, neste último como o único crítico literário contratado da época. Logo Ranicki galgou o posto de redator-chefe de literatura. Os contínuos sucessos pessoais o levaram finalmente até a TV, onde liderou durante 13 anos o talk-show Das Literarische Quartett.

Seu estilo temperamental e hiperbólico conquistou o grande público. Ranicki já foi até mesmo herói de história em quadrinhos, num episódio de Dr. Sammler, do cartunista austríaco Gerhard Förster. Junto com seus colegas do "quarteto literário", nessa historinha ele pontifica sobre as revistas pornográficas dos anos 50. As aparições em spots de publicidade são mais um indicador de quão popular é o "mais influente crítico dos países de língua alemã".

É claro que sua atividade também granjeia inimigos. Acusado de banalidade ("Literatura tem que dar prazer!") e protagonista de numerosas polêmicas, recentemente Ranicki foi escolhido pelo autor Martin Walser para ser personagem-título do romance Tod eines Kritikers (Morte de um crítico), lançado em junho último. Ehrl-König – um literato judeu vaidoso e corrupto – é, inegavelmente, uma caricatura de Ranicki, fato que pôs lenha na fogueira da recente discussão sobre o anti-semitismo na Alemanha.

Espionagem é assunto sério

Segundo o historiador polonês Andrzej Paczkowski, do Instituto de Estudos Políticos, de Varsóvia, as últimas anotações sobre Ranicki em seu dossiê pessoal datam de 1984. Nas décadas de 60 e 70, o serviço secreto investigou repetidamente se o crítico ainda estivera ativo, mesmo após abandonar oficialmente a organização. Marcel Ranicki continuou no centro do interesse da segurança polonesa "quando já era um alemão famoso", afirma Paczkowski.

O historiador admite não haverem indícios de uma ulterior atividade de agente, porém não concorda com a forma como, em sua autobiografia, o literato "minimaliza seu papel e até ridiculariza os seus serviços". Acusando-o expressamente de mentiroso, Paczkowski afirma: "É claro que Reich-Ranicki prejudicou pessoas com os relatórios que entregou."