1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Alimentação e mídia

Carlos Albuquerque19 de setembro de 2007

Programas de culinária fazem o maior sucesso. Mas tem-se a impressão de que, quanto mais a comida é tema na TV, pior se come, realmente. Sobre o assunto, DW-WORLD conversou com o psicólogo da nutrição Volker Pudel.

https://p.dw.com/p/BhWK
Cozinheiros estão cada vez mais em vogaFoto: AP
Deutschland Volker Pudel
Volker PudelFoto: Volker Pudel

Em tempos em que atores de Hollywood passam a fazer programas de culinária, em que cozinheiros tornam-se mocinhos no cinema, têm programas próprios em horário nobre na TV e atraem milhares de pessoas para eventos culinários ao vivo, tem-se a impressão que a qualidade da alimentação está cada vez pior. Comida tornou-se arte? Seriam programas de culinária saudáveis? Quais as perspectivas para a nutrição?

Sobre estes temas, DW-WORLD entrevistou o cientista da nutrição Volker Pudel.

DW-WORLD: Como psicólogo da nutrição, como o senhor vê o desenvolvimento nutricional nas últimas décadas? Há algo como um zeitgeist alimentar?

Volker Pudel: Os conceitos de "nutrição" e "alimentação, comida" já deixaram de ser sinônimos há muito tempo. Se, no passado, as pessoas se alegravam por ter saciado a fome, hoje, elas se irritam pelo mesmo motivo. A "comida" distanciou-se de sua real função biológica. Não é a demanda energética e nutricional que direciona o comportamento alimentar, mas sim diferenciadas necessidades de alimentação, que funcionam como fatores de direcionamento do comportamento alimentar.

Isto implica uma discrepância entre demanda e necessidade. As conseqüências são má nutrição, carência nutricional, subnutrição e supernutrição. Fatos contra os quais reagiu o esclarecimento nutricional, mas não conseguiu fazer com que as pessoas comam da forma como devem se nutrir.

As pessoas continuam a se alimentar, mas, aquilo que comem, comem com a consciência pesada. O esclarecimento nutricional foi por demais cognitivo-racional. Atingindo a cabeça, mas não a barriga, ele alcança assim o comportamento. Crianças e adolescentes estão cada vez mais gordos.

Também aqui podemos mostrar, através de levantamento feito entre 2,9 mil famílias alemãs com filhos, que crianças e adolescentes podem diferenciar bem os alimentos. Pão integral, dizem eles, é saudável, fortalece – mas eles não gostam. Refrigerante e chocolate engordam, não são saudáveis, mas eles gostam. A educação nutricional reagiu também de forma cognitiva a mandamentos e proibições e alcançou o contrário: a cabeça está consciente, mas as preferências são justamente o oposto.

Comportamento alimentar é comportamento emocional. A "nutrição" é, para os alemães, um risco (provocado pelos escândalos alimentares), mas "comida" é um prazer. Nas últimas décadas, os conhecimentos culinários diminuíram rapidamente. Cerca de 27% dos homens admitem não saber fritar um ovo. No ano 2020 – pelas nossas projeções – será cozido o último rolo de carne recheado em uma cozinha alemã, porque os conhecimentos culinários não estarão mais disponíveis.

Produtos de conveniência, no entanto, ocupam cada vez mais esta lacuna. Algum dia – segundo meu prognóstico – serão construídas as primeiras moradias sem cozinha. O microondas no corredor será suficiente para esquentar as refeições trazidas de fora.

Café da manhã, almoço e jantar são rituais alimentares que tradicionalmente se realizam em comunidade. O que acontece à nutrição, quando tais rituais não mais acontecem?

As refeições comuns caseiras já se dissolveram. Fast food está na linha de frente, ou seja, a tendência de comer onde a pessoa está. O comportamento alimentar também se tornou flexível e fortemente influenciado pela situação em que alguém se encontra. Com isto, perde-se, naturalmente, a base contínua de comunicação familiar, que se realiza em conjunto na mesa de refeição. A transferência da cozinha privada para a cozinha pública também implica a perda da relação emocional com os alimentos e com a proveniência original dos produtos, pois não se pode mais compreender a compra e a preparação dos pratos.

A palavra fogão remete a Héstia, deusa grega símbolo da comunidade. Muito já foi falado sobre a substituição da lareira pela televisão. O que acha da virtualização da comida? Que conseqüências pode acarretar à real nutrição?

A refeição caseira conjunta se tornou exceção. O prazer alimentar como parte importante da qualidade de vida se torna cada vez mais raro, especialmente porque a percepção sensorial não é mais educada. Um gourmet, que come em restaurante fino, não tem mais que ser, necessariamente, "bom provador". O ambiente é mais valorizado do que a qualidade sensorial do prato.

Como, no correr de décadas, o comércio alimentar condicionou o consumidor alemão aos preços das redes de supermercados baratos, para os consumidores, o critério de qualidade tornou-se, desde então, não mais a qualidade, mas o preço baixo. Estas são tendências difíceis de reverter, principalmente porque já se estabeleceram através de gerações.

O cozinheiro é, hoje, apresentado como um artista. O chefe catalão Ferran Adrià foi convidado para a documenta 12. Outros cozinheiros famosos têm programa de TV e atraem milhares de pessoas para eventos ao vivo. A comida tornou-se arte porque não se cozinha mais em casa?

A televisão pode, de fato, transmitir uma pseudo-satisfação, quando alude a temas referentes à esfera privada humana. Quanto mais sedentários os alemães se tornaram (em média, anda-se, atualmente, dois quilômetros por semana), maior a audiência de programas esportivos. Da mesma forma acontece com os programas de culinária, que não fazem a comida virar arte, mas transmitem para a diversão.

Cozinheiros de TV demonstram a cozinha de espetáculo, não a cozinha de nutrição. Esta dicotomia também acontece em casa. O marido é o cozinheiro de espetáculo, a esposa – se ela ainda souber cozinhar – é a cozinheira de nutrição, que tem, realmente, de trazer refeições à mesa. A cozinha de espetáculo, ao contrário, é mais como num estúdio de televisão com utensílios de cozinha de última geração, com um bom vinho e com amigos que ajudam na cozinha. A cozinha de espetáculo é comunicativa, a cozinha de nutrição dá trabalho.

Symbolbild Falsche Ernährung dicker Mann
Maioria dos alemães sofre de excesso de pesoFoto: picture-alliance/ dpa

Leia na página seguinte: Volker Pudel comenta programas de culinária

Programas de culinária fazem, atualmente, sucesso no mundo todo. Tem-se a impressão, no entanto, que quanto mais a cozinha é mostrada na TV, pior as pessoas comem. Como vê a relação entre nutrição e mídia?

A mídia se utiliza tanto da "nutrição" quanto da "comida". Escândalos da carne e ultrapassagem do prazo de validade são temas midiáticos preferidos que, sem pesar de forma objetiva a proporção do risco, acabam por aumentar a insegurança do consumidor. Se eu lançar a manchete "Ácido ascórbico detectado agora também em limões alemães", isto faria com que todos os consumidores, que acham que "ascórbico" é químico, não comprassem limões.

Por outro lado, com programas de culinária, as mídias se utilizam do aspecto "comida", no entanto, menos de forma aconselhadora, mas somente para diversão, porque as formas de apresentação das receitas não são apropriadas para serem repetidas na própria cozinha.

O grupo alemão de rock Die Ärzte (traduzido, "Os Médicos") se chamam agora Die Köche ("Os Cozinheiros"). Música, agora, tem que passar pela barriga. Em tempos em que uma cozinha completa pode vir a custar uma pequena fortuna, o senhor acredita na instrumentalização da comida pela mídia?

A propaganda já instrumentalizou a comida. Sem produtos prontos e semiprontos, prato algum pode ser mais preparado nas cozinhas alemãs. O consumidor não chega nem a saber quantos produtos prontos e semiprontos ele utiliza, já que, nas pesquisas de opinião, estes produtos de conveniência são rejeitados pela maioria. O conceito de "feito em casa" mudou de significado, pois 34% dos donos e donas-de-casa afirmam que um bolo de mistura pronta, a qual adicionaram somente um ovo, foi "feito em casa".

Tratando-se de preparo de molhos, mais de 90% das pessoas que usam misturas em pó afirmam que o molho foi "feito em casa". A estandardização dos produtos leva também a uma estandardização do paladar. Nota-se que crianças que cresceram com leite longa vida não gostam de leite fresco. O mesmo acontece com iogurte de morango com aromas artificiais. A regionalização dos gostos fica prejudicada, já que os produtos anunciados podem ser adquiridos em todas as regiões.

Segunda uma pesquisa do instituto de opinião pública por internet Sozioland, programas de culinária são vistos de forma positiva pelos telespectadores. O senhor acha que programas de culinária são positivos para a saúde mental dos telespectadores?

Que os programas de culinária agradam os telespectadores, isto é certo. Os cozinheiros ali mostram as mágicas que se podem realizar com os produtos. Trata-se, no entanto, mais de um caráter de circo. É boa diversão. Algumas vezes, o pensamento de que "isto eu também poderia cozinhar" passa pela cabeça, mas o assunto logo é esquecido. De qualquer forma, programas de culinária tematizam o que não é mais praticamente possível em muitos dos domicílios alemães.

Eles transportam para a sala de estar um ideal de prazer sensorial, que, no entanto, só pode ser vivenciado com os olhos, mas não com o nariz e a boca. Se uma refeição maravilhosa, que se torna visível somente para o olho do telespectador, mas que o priva do prazer sensorial, seria boa para a saúde mental dos telespectadores – isto não posso julgar, pois eu gosto de cozinhar e depois "também de comer".

Como o senhor vê as perspectivas para os próximos anos?

Em muitos pontos, problemáticas: 1º) A nutrição inadequada está a caminho de se tornar um grave fator de risco de saúde. A maioria dos alemães já sofre de excesso de peso e não se vê sinais de reversão nesta tendência. 2º) A comida como parte importante da qualidade de vida está cada vez mais delegada à alimentação fora de casa. A estandardização dos pratos, a dissolução da comunidade familiar em torno da mesa, a diminuição dos conhecimentos culinários são apenas algumas palavras-chave.

Em relação ao primeiro ponto, é difícil justificar por que, em uma sociedade onde tudo é regulamentado, a nutrição é completamente liberada. As cantinas públicas em jardins-de-infância, escolas, empresas, hospitais, asilos de velhos podem oferecer o que querem. Somente o cumprimento dos requisitos sanitários é vigiado. Como o comportamento alimentar é treinado sobretudo através da oferta daquilo que é servido, deveria-se pensar no estabelecimento de padrões mínimos obrigatórios de preenchimento da demanda por nutrientes.

Quanto ao segundo ponto, se as crianças aprendessem a cozinhar na escola, se treinassem seu paladar através de testes sensoriais, se vivenciassem uma relação emocional com a proveniência original dos alimentos através de uma visita a uma fazenda, seria então criado um melhor ponto de partida para seu futuro comportamento alimentar. O comportamento alimentar não é treinado através de informações, mas somente através da experiência.

O professor Volker Pudel é presidente da Sociedade Alemã de Nutrição (DGE), seção do estado da Baixa Saxônia e dirigiu, de 1972 até 2007, o Instituto de Pesquisa de Psicologia da Nutrição da Universidade de Göttingen. Por seu engajamento pela "nutrição moderna e saudável", o professor Pudel já foi agraciado com vários prêmios.

Deutschland Kabinett Ernährung Fit statt fett
Paladar também é educadoFoto: AP
Kreation von Christian Jürgens
Cozinha tornou-se espetáculo
Deutschland Fernsehen Kochen Tim Mälzer
Cozinheiro Tim Mälzer é estrela na AlemanhaFoto: picture-alliance/ dpa/dpaweb