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Como o estado do Rio de Janeiro chegou à falência?

Fernando Caulyt20 de junho de 2016

Diversos fatores explicam decreto de calamidade pública, como gastos com Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, má gestão de recursos públicos e queda na arrecadação de royalties de petróleo. Medida pode ter efeito cascata.

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O estádio do Maracanã será um dos palcos da Rio 2016
O estádio do Maracanã será um dos palcos da Rio 2016Foto: Getty Images/M. Tama

Uma série de fatores fez com que o governador em exercício do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, decretasse na sexta-feira passada (17/06), faltando 49 dias para o início dos Jogos Olímpicos, estado de calamidade pública por causa da alta dívida do estado. Para especialistas ouvido pela DW, a medida poderá ter "efeito cascata", já que outros estados também enfrentam sérias dificuldades financeiras.

Os motivos para a falência do Rio de Janeiro não são poucos. Entre eles estão a queda no preço do barril de petróleo e consequentemente na arrecadação de royalties pelo estado, a crise do setor petrolífero brasileiro devido ao escândalo de corrupção da Petrobras, a diminuição na arrecadação de ICMS, também devido à crise econômica, os gastos com a organização dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo e, ainda, falhas na administração das contas públicas.

"Os investimentos do Rio de Janeiro tanto para os Jogos quanto para a Copa do Mundo, além da má gestão, foram decisivos para acelerar esse cenário. Caso contrário, o desfecho ocorreria um pouco mais adiante", afirma José Matias-Pereira, especialista em administração pública da UnB. "Esse decreto teve o objetivo de transferir a 'batata quente' para o governo federal, na medida que o estado se mostrou incapaz de resolver seu problema fiscal."

Um dos motivos apontados pelo governo para optar pela medida é que a crise impede o estado de honrar os compromissos com os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. De acordo com a Empresa Olímpica Municipal, o estado do Rio está investindo cerca de 10 bilhões de reais, dos quais 8,6 bilhões são recursos estaduais e 1,4 bilhão, privados.

Entre os projetos estão a ampliação da linha 4 do metrô – que corre o risco de não ser concluída para os Jogos caso o governo não receba dinheiro federal –, a revitalização de estações do sistema ferroviário e, ainda, a despoluição da Baía de Guanabara, que não vai sair totalmente do papel até o início do megaevento.

Já na Copa, somente a reforma do Maracanã custou cerca de 1,2 bilhão aos cofres públicos estaduais. Com o estado de calamidade, o estado deverá receber 2,9 bilhões de reais do governo federal para concluir a linha 4 do metrô e pagar horas extras de policiais civis e, ainda, os salários dos servidores até os Jogos.

Déficit de 19 bilhões de reais

O Rio de Janeiro, como grande parte dos outros estados, enfrenta graves problemas financeiros. No mesmo dia em que o governador em exercício anunciou a medida, o secretário estadual da Fazenda, Júlio Bueno, disse que a previsão de déficit no orçamento em 2016 é de 19 bilhões de reais – na opinião de especialistas, porém, o rombo deverá ser ainda maior.

Mascotes das Olimpíadas
Entre os motivos para a falência do Rio estão a queda do preço do petróleo e gastos com os Jogos e Copa. Na foto, os mascotes das OlimpíadasFoto: Embratur/F. Senftleben

Dados da Secretaria Estadual da Fazenda mostram que o estado sofreu uma queda real na arrecadação de ICMS devido à crise econômica que afeta o país. A receita total desse tributo, em 2015, foi de 31,2 bilhões de reais, com queda real de 9,4% ante o total de 2014.

O estado sofre ainda com a desvalorização do valor do barril de petróleo – que custava na faixa de 105 dólares em julho de 2013 e, atualmente, vale cerca de 50 dólares –, já que o valor dos royalties depende do preço do barril. Assim, o estado arrecadará, em 2016, 3,6 bilhões de reais – em comparação, no ano anterior foram 5,5 bilhões de reais, segundo dados da Secretaria da Fazenda.

Quando o valor do barril de petróleo estava em alta, o estado ampliou seus gastos. As despesas do Rio de Janeiro com o pagamento de servidores ativos, inativos e pensionistas do Poder Executivo explodiu nos últimos anos. Segundo dados da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, em 2010 foram gastos 17,2 bilhões de reais. Já em 2016, o valor será de 37 bilhões de reais – quase o dobro.

Com a crise, os cerca de 390 mil servidores ativos, inativos e pensionistas voltaram a ter seus salários de maio atrasados. Somente os cerca de 85 mil funcionários ativos da Educação receberam integralmente no dia 14, o décimo dia útil do mês. O estado não consegue também manter serviços básicos para a população, como saúde.

O prefeito da cidade, Eduardo Paes, afirmou no domingo que a crise estadual não tem relação com a realização do megaevento na cidade. "A crise do estado não tem nada a ver com a Olimpíada. Afeta em zero os Jogos. O que afeta é a prestação de serviços. Estamos num momento muito crítico. Então tem, sim, que ter ajuda do governo federal para o estado do Rio. É uma necessidade", frisou.

Jogos Olímpicos na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro
Para prefeito do Rio, crise estadual não tem relação com a realização dos Jogos na cidadeFoto: picture-alliance/dpa/R. Sette Camara

"Efeito em cadeia"

O governo federal teme que a decisão do Rio comprometa as negociações das dívidas de outros estados. Em reunião nesta segunda-feira em Brasília, governantes de 18 estados pediram carência de 24 meses e alongamento de 20 anos no pagamento da dívida com a União.

"Há o perigo de que outros estados também decretem estado de calamidade e causem, assim, um efeito em cadeia", afirma Matias-Pereira. "O Distrito Federal e outros estados, como Rio Grande do Sul e Minas Gerais, estão vivendo situações muito parecidas. Agora, o Rio de Janeiro vai abrir a porteira e, como diz o ditado, onde passa um boi passa uma boiada."

O decreto publicado no Diário Oficial do Estado não deixa claro quais são as implicações da medida. Mas atos do tipo em caso de desastres permitem a concessão de novos socorros e empréstimos ao estado, além de financiamentos de órgãos federais. Além disso, recursos previstos para determinadas áreas poderão ser remanejados para outras, e o estado poderá contratar empresas sem licitação.

Em entrevista para um jornal carioca, o governador em exercício afirmou que o estado está reduzindo o custeio da máquina pública em 30%, revisando os cem maiores contratos firmados com o estado, enxugando secretarias e racionalizando serviços, como na área da saúde. Ele afirmou ainda que o dinheiro federal será usado para investir em metrô e segurança e não para pagar servidores. Segundo ele, os Jogos Olímpicos serão um sucesso, mesmo que o governo federal não repasse recursos para o estado.