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Como a Rússia recruta imigrantes para a guerra na Ucrânia

Marina Baranovska
23 de setembro de 2023

Tentativas de recrutar migrantes para o Exército russo, principalmente da Ásia Central, estão aumentando. Ativistas denunciam métodos cruéis, como naturalização só após serviço militar, ameaças, violência e sequestros.

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Imagem mostra homens da Ásia Central trabalhando numa obra em Moscou
Trabalhadores da Ásia Central numa obra em MoscouFoto: DW/J. Vishnevetskaya

As autoridades russas estão cada vez mais empenhadas em preencher as fileiras do Exército com trabalhadores migrantes da Ásia Central. Eles são abordados diretamente nas ruas e levados para os serviços de recrutamento, onde são forçados – por meio de ameaças e violência – a assinar contratos com o Ministério da Defesa russo.

Até o momento, muitos migrantes têm buscado a obtenção da cidadania russa. No entanto, em meados de agosto órgão do país propôs ao presidente russo, Vladimir Putin, alterações nas leis de migração que tornariam o serviço militar obrigatório como requisito para a obtenção de um passaporte russo.

Além disso, no fim de agosto, o Partido Comunista russo apresentou um projeto de lei que permitiria a revogação da cidadania dos "novos russos" em caso de objeção de consciência, fuga da mobilização ou a falta de registro para o serviço militar.

"Mariupol fica na região de Moscou?"

O recrutamento de trabalhadores migrantes para servir no Exército russo se tornou conhecido pouco antes da invasão da Ucrânia. Em 20 de fevereiro de 2022, o blogueiro uzbeque Bakhrom Ismailov divulgou um vídeo em seu canal no YouTube, no qual pedia para migrantes assinarem contratos com o Ministério da Defesa da Rússia, prometendo-lhes a cidadania russa após seis meses de serviço militar.

A ativista e advogada Valentina Chupik, que representa imigrantes, conta que, em seguida, começaram a chover denúncias sobre como funcionários da Defesa pressionavam imigrantes do Uzbequistão, Quirguistão, Tajiquistão, Armênia e outros países para servirem nas Forças Armadas russas.

"Meus colegas e eu encontramos um vídeo gravado por um tajique. Atrás do volante de um caminhão na Ucrânia, ele dizia não saber o que estava acontecendo: tinha se alistado ao Exército russo e agora não sabia se sobreviveria."

O vídeo, acompanhado por um comentário de Chupik, disseminou-se nas redes sociais. Ela e seus colegas lançaram uma campanha contra o recrutamento para o Exército russo.

Valentina Chupik é uma advogada ativista russa que representa imigrantes
Valentina Chupik é solicitada por imigrantes forçados a servir no Exército russoFoto: Aschot Gazazjan/DW

Em meados de 2022, o Ministério da Defesa russo começou a recrutar imigrantes para trabalharem na construção civil em Lugansk, Donetsk e Mariupol – ou seja, nos territórios ocupados pela Rússia na Ucrânia. Chupik relata que numerosos cidadãos da Ásia Central se alistaram, sem compreender o que ocorria.

Exército russo trabalha com engano e pânico

"Em outubro, recebi ligações de gente do Uzbequistão perguntando se Mariupol ficava na região de Moscou." Na verdade, essa cidade ucraniana no Mar Negro foi reduzida a ruínas em 2022, antes de ser tomada pelas tropas russas. Mas aparentemente foi dito aos operários que trabalhariam na região de Moscou.

"Eles foram colocados em ônibus com janelas tapadas e levados para uma direção desconhecida – 20 ônibus com 53 passageiros cada um. Quando chegaram, viram que só havia ruínas por toda parte e começaram a perceber que não podia ser a região de Moscou."

"Um deles tinha o meu número de telefone e conseguiu entrar em contato comigo", prossegue a ativista. "Fiquei horrorizada e comecei a ligar para as embaixadas do Uzbequistão na Rússia e na Ucrânia, mas perdemos o contato com eles. Deduzimos que assinaram contratos com o Ministério da Defesa, e os guardas que os escoltavam relataram que haviam sido recrutados para o Exército."

Logo em seguida, ativistas de direitos humanos descobriram outro truque usado pelas autoridades russas para recrutar imigrantes da Ásia Central para o Exército. No Centro de Migração Sakharovo, em Moscou, onde diversos tipos de documentos podem ser obtidos – desde autorizações de trabalho até permissões de residência –, os homens foram enganados e assinaram contrato com o Exército russo.

"Eles entregam uma pilha inteira de documentos para assinar, até 40 páginas, e dão meio minuto para ler. Há uma fila enorme atrás deles, e não há tempo para ler. Muitos simplesmente assinam sem ler os documentos. Mais tarde, descobrem que assinaram um contrato para servir ao Exército russo. Eles entram em pânico, ligam e perguntam o que fazer. Em muitos casos os imigrantes desistem de tudo e deixam a Rússia rapidamente, apesar de terem visto de trabalho", conta Chupik.

Torre de uma prisão em Saratov, na Rússia
Torre de guarda de uma prisão russaFoto: Filipp Kochetkov/Tass/imago images

Promessas e ameaças a presos estrangeiros

Também há tentativas de recrutar para o Exército imigrantes que violaram a lei russa e estão aguardando deportação em presídios. Eles são convidados a assinar contrato com o Exército, com a promessa de que, após seis meses de serviço militar, receberão passaporte russo. Se isso não funciona, são intimidados e ameaçados de ser "esquecidos" atrás das grades, relata Chupik.

Estrangeiros que cumprem pena de prisão também estariam sendo recrutados. As autoridades recorrem a espancamentos, tortura e ameaças de estupro para convencê-los a servir nas Forças Armadas.

"Em janeiro de 2023, fui contatada pelo pai de um homem que cumpria pena na Prisão Número 6 da cidade de Vladimir [200 km a leste de Moscou]. Ele disse que um carro de cor cáqui havia parado lá – e que todos os prisioneiros de descendência não eslava foram levados para local desconhecido", prossegue a advogada russa.

Em 15 de maio, Putin editou um decreto prevendo a concessão simplificada da cidadania russa a estrangeiros que assinassem um contrato de um ano com o Exército russo. Desde então, tornou-se cada vez mais comum estrangeiros que buscam a naturalização serem emcaminhados ao Serviço de Recrutamento para obter o documento. Lá, são forçados a assinar um contrato com o Exército.

"As autoridades não aceitam solicitações de naturalização sem um certificado do Serviço de Recrutamento. Isso é completamente ilegal, e não há ordens escritas nesse sentido. Em algumas regiões, isso ocorre com frequência, enquanto em outras, raramente. Em algumas, nem sequer ocorre", conta Svetlana Gannushkina, presidente da organização Apoio ao Cidadão, dedicada a refugiados e deslocados, e também membro do conselho do centro de direitos humanos Memorial.

As tentativas de recrutar estrangeiros à força são atribuídas ao desejo das autoridades russas de aumentar o contingente militar do país. Valentina Chupik, por outro lado, associa a pressão sobre os migrantes com os revezes russos na frente de combate, bem como às eleições regionais e aos "tradicionalmente arraigados racismos e nacionalismos russos".

Segundo ela, essas questões estão atualmente enraizadas como política estatal. "Antes de qualquer eleição na Rússia, exacerba-se o sentimento contra os imigrantes. Agora eles criaram uma nova forma disso:  o recrutamento forçado. Eles detêm e recrutam quem é mais indefeso, os que não têm quem se engaje por eles."

Países de origem punem mercenários

Em todos os países da Ásia Central, o serviço militar num Exército estrangeiro é considerado um crime e tratado como ato de mercenarismo. Portanto migrantes que assinaram contratos com o Ministério da Defesa da Rússia enfrentam processos legais quando retornam a seus países de origem. As penas de prisão variam de cinco a 12 anos no Tajiquistão, de cinco a 10 anos no Uzbequistão e de dez a 12 anos no Quirguistão.

As embaixadas desses países alertam seus cidadãos que a participação em conflitos em território estrangeiro é punida por lei. O clero islâmico do Uzbequistão chegou até a emitir uma fatwa (decreto religioso) proibindo os muçulmanos de se envolverem na guerra da Rússia contra a Ucrânia.

As autoridades do Tajiquistão já elaboraram listas de mercenários tajiques nas fileiras do Exército russo na Ucrânia. Em maio de 2023, um cidadão quirguiz foi condenado a dez anos de prisão em Bishkek ao retornar ao Quirguistão depois de lutar pelas tropas russas na Ucrânia por um ano."

Atualmente não está claro quantos centro-asiáticos estão lutando pelo Exército russo em território ucraniano. Segundo alguns relatos, o contingente estrangeiro pode chegar a dezenas de milhares.