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Combatendo a pobreza afetiva do Primeiro Mundo

Cristina Papaleo (gv) 27 de fevereiro de 2006

Quanto mais "civilizada" a sociedade, mais escasso é o contato corporal. Na Alemanha, estão em moda as chamadas "festas do abraço", onde os participantes pagam alguns euros para trocar afeto.

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'Cuddle party': de Nova York para a EuropaFoto: dpa

Tocar e ser tocado são necessários para o bem-estar físico e emocional do ser humano. Quando somos crianças, nos comunicamos sobretudo através da linguagem corporal mas, quando adultos, a linguagem predomina.

Cada vez menos "falamos" através de expressões de carinho, por meio de gestos, das mãos. Na era da internet e para contrabalançar as conseqüências da sociedade virtual, florescem no Primeiro Mundo as "festas da ternura".

Invenção nova-iorquina

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Mãos: instrumentos poderososFoto: BilderBox

As cuddle parties ficaram famosas há alguns anos em Nova York, introduzidas por um professor de judô, Reid Mihalko. Logo o fenômeno se espalhou por várias cidades européias.

Nas "festas do abraço" se oferece o contato para os que têm "fome de pele". Os participantes começam conectando-se consigo mesmos, depois com o chão, e, em seguida, com aqueles ao seu redor. Explorando dedos, mãos, cabeças.

Nesta "terapia da ternura", alguns se massageiam, outros se acariciam, enquanto há os que simplesmente permanecem quietos. O "intercâmbio energético" acontece em local protegido, o que parece satisfazer a busca de muitos participantes.

Regras claras preservam o bem-estar

Na Alemanha, os encontros em Berlim, Hamburgo, Stuttgart ou Colônia se realizam em lugares com pouca luz, onde os visitantes, vestidos com roupas confortáveis e recostados em colchonetes, comunicam-se fisicamente com os demais.

Durante as duas horas do encontro, as regras são claras: sexo é tabu, e cada um decide se quer ser tocado ou não. O "não" é tão aceitável quanto o "sim", e um "quem sabe" deve ser entendido como um "não".

Cada um decide se após o encontro quer seguir a experiência na casa do outro participante. Se uma situação parece estar ficando muito "quente", os supervisores intervêem, tocando um sino. O riso e o choro são bem-vindos e até incentivados, uma vez que são vistos como reações naturais.

Pele necessita de pele

Os organizadores das festas acreditam que o predomínio da razão faz as pessoas, muitas vezes, esquecerem a necessidade natural de contato físico com os outros.

A sociedade impõe certos tabus, segundo os quais o tocar adquire conotações sexuais. O que seria uma falsa premissa, uam vez que cada vez mais pessoas carecem dos efeitos benfeitores de um abraço e uma carícia.

Alguns estudos provaram que a estimulação da pele, o órgão mais extenso do ser humano, reduz o nível de cortisol, hormônio responsável pelo estresse, melhorando o sistema ímunológico, normalizando a respiração e o ritmo cardíaco.

Outras investigações feitas com bebês prematuros mostraram que os que recebiam 15 minutos de contato corporal diário cresciam melhor e, mesmo anos depois, tinham mais resistência à enfermidades do que os que não recebiam contato.

Sem álcool nem constrangimento

Zu groß zum Kuscheln
Nunca é tarde demais para ser mimadoFoto: AP

A idade dos participantes das festas do carinho vai de 20 a 60 anos. "É esquisito e, ao mesmo tempo, faz sentido que nós tenhamos que nos encontrar aqui, mas no fundo é uma mostra da pobreza afetiva de nossa sociedade", comentou Florian Pittner, estudante de Pedagogia Social e organizador das festas em Hamburgo, ao semanário alemão Stern.

Sheraz, um participante de 20 anos, diz que "venho porque as festas convencionais são entendiantes. As pessoas têm que se encher de álcool para mostrar seus sentimentos, logo se arrependendo". Já Annika, 33, comenta que "em nossa sociedade se fala demais".

Encontrar-se com estranhos para se tocar é moda. A falta de tempo real para o encontro fortuito ou planejado com o outro, o medo de relacionar-se, os tabus e o isolamento têm convertido a ternura grupal, como tantos outros fenômenos, em um rentável nicho de mercado.

O que satisfaz, certamente, os desejos de uma parte da população. Já se oferecem até mesmo "maratonas de abraço" e um evento especial para os que estão sozinhos no Dia dos Namorados.