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Com "reciclagem digital", escritores transformam spam em poesia

Susanne Dickel (mas)8 de maio de 2014

Milhões de e-mails com publicidade indesejada são enviados todos os dias e, na maioria das vezes, vão direto para a lixeira. Mas há quem aproveite o conteúdo para criar versos.

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Foto: cc-by-nc-2.0/Mar Canet

Para produzir arte, há quem revire o lixo – o lixo digital, também conhecido como spam. Milhões desses e-mails são enviados todos os dias, com o objetivo de incentivar o destinatário a comprar, arrumar um novo emprego ou a concorrer a milhões de euros. Em vez de enviar tais mensagens automaticamente para a lixeira, a estoniana Varvara Guljajeva decidiu transformá-las em poesia.

Ao lado de seu parceiro espanhol Mar Canet, Guljajeva criou o projeto SPAMpoetry ("Poesia Spam", em tradução livre). A partir dos escabrosos e muitas vezes mal escritos textos publicitários, a dupla escreve poesia. Mas os versos não são escritos em papel, e sim tricotados em pulôveres.

"Isso ressalta a diferença entre o mundo digital e o tradicional trabalho manual do tricô", diz Guljajeva. "Um é tão rápido que você nem consegue acompanhá-lo. No outro, é possível acompanhar cada ponto." Assim, as partes da frente, de trás e as mangas dos pulôveres são adornadas com estranhas frases como:

"Nós somos realmente os
Produtos. Eu sei que isso será
Escolhido como um."

No entanto, as criações da dupla de artistas não podem ser vestidas. Algumas delas têm mangas longas demais, outras são como dois pulôveres costurados pelas mangas e pela gola, formando uma só peça.

Spam-Poetry auf Strickpullovern
A partir de spams, dupla Canet e Guljajeva tricota versos em pulôveresFoto: cc-by-nc-2.0/Mar Canet

"A vestimenta é tão disfuncional quanto um spam", explica Guljajeva. "Você reconhece que é um pulôver, mas não pode usá-lo."

Traduções fascinantes

O primeiro anúncio em massa por e-mail foi enviado em 1978. Mas não se sabe ao certo quem começou a transformar os e-mails indesejado em poesia.

Um dos primeiros indícios da prática pode ser encontrado no site Satirewire. Em 2000, a página deu espaço a poemas feitos a partir de spams. Desde então, veem-se repetidas tentativas de transformar o lixo digital em literatura.

Muitos dos spams têm origem em países de língua inglesa, mas mensagens traduzidas para outros idiomas também têm seu encanto. Ao menos é o que pensa Thomas Palzer. O escritor alemão é fascinado por spams, principalmente por aqueles cheios de erros, nos quais a gramática não está correta ou uma palavra não se encaixa, mudando o sentido da frase. Isso ocorre com frequência porque programas de computador traduzem os textos automaticamente.

Um dos exemplos favoritos de Palzer vem de uma propaganda de Viagra: "Salve [no sentido de salvar um arquivo] o seu casamento". Sem querer, esse tipo de erro produz um efeito cômico. "Isso diz muito mais do que uma frase correta", considera.

Poesia da máquina

Durante um ano e meio, Palzer armazenou e-mails que haviam parado em sua lixeira. Ele publicou, então, os melhores trechos no livro digital Spam Poetry, publicado em 2013.

Mas textos criados por máquinas podem mesmo ser classificados como poesia, elevando-os ao nível dos escritos de Goethe ou Rilke? "Afinal, o que é poesia? Não se trata de uma linguagem informativa, mas sim de algo que produz um efeito em nós", argumenta Palzer.

Thomas Palzer Spam-Poet
Em 2013, o escritor alemão Thomas Palzer publicou o livro digital 'Spam Poetry'Foto: privat

E isso também poderia ser criado a partir de spams, pelo menos quando as pessoas se deixam envolver pelo texto, sem ficar procurando um significado nele, considera o escritor. Assim, a leitura de spams pode até ser divertida. "Dei muita risada enquanto escolhia os textos para o livro", disse Palzer. Um dos textos que faz parte de seu livro é este [tradução livre]:

"Você vai se surpreender
com as opções que você tem por pouco dinheiro
Seja

Isenção de impostos, sites eróticos, mercadorias ou
Divórcio.
Tudo
é possível

com essa conta bancária."

Forma artística sem público?

Para muitas pessoas o spam continua sendo lixo, seja ele apresentado em forma de poesia ou não. "Infelizmente não temos muitos leitores", concorda Nikola Richter, da Mikrotext, editora do livro de Palzer.

A blogueira Inés Gutiérrez também reconhece que a "poesia spam" não atinge todo tipo de público. Em 2012, ao lado de outras três blogueiras, ela apresentou uma seleção de spams na conferência digital re:publica. Elas também haviam notado que, sem querer, os spams muitas vezes usam uma linguagem cômica. Na conferência, o grupo conseguiu aproximar o público do tema.

"As pessoas morreram de rir, mesmo quando falávamos de assuntos que nós mesmas não entendíamos", relembra Gutiérrez. "Eu começava a ler e as pessoas já caíam na gargalhada."

Uma reação bem diferente do que aconteceu algumas semanas mais tarde. As quatro blogueiras foram convidadas para participar de uma poetry slam, uma competição de poesias. Elas aprimoraram sua performance, só que dessa vez aconteceu o que temiam na primeira apresentação: a plateia ficou em silêncio.

Depois disso, o quarteto desistiu de apresentar sua poesia spam em público. No final das contas, talvez seja melhor deixar o spam onde ele pertence: na lata do lixo.