Choque cultural dentro e fora de campo
19 de novembro de 2002Marcelinho Paraíba, do Hertha Berlim, é um bom exemplo. Com salário anual de 2,2 milhões de euros, ele trouxe alguns amigos quando chegou em julho de 2001, a fim de conter a saudade do Brasil. Entre eles, Rostan, o qual conhece desde os tempos de infância e pedir esmola em Campina Grande (PB) e que assumiu a função de chofer desde que o jogador de 27 anos teve suspensa sua carteira de motorista alemã por dirigir alcoolizado.
De seus tempos de favela, Marcelinho tem a seu lado também Novinho. O amigo de longa data cuida da música. A princípio tocava violão somente para o jogador. Mas toca tão bem que agora dá shows no Taba, um bar brasileiro no centro de Berlim.
Os amigos do armador do Hertha o acompanham nos treinos, nos cafés e nas pistas de boliche. Todos moram no mesmo prédio, no qual Marcelinho alugou mais dois apartamentos para os amigos. "Eu necessito disso, senão não consigo render em campo", afirma o ex-jogador do Grêmio, que chega a gastar 30 mil euros por mês para sentir-se no Brasil na Alemanha.
Ele não é único brasileiro com dificuldades em se acostumar em sua nova pátria. Seu colega de equipe, Alex Alves, que chegou dois anos antes, estranhou muito o costume de jogar amistosos e ter de aparecer pontualmente nos treinos do time. A mais usada desculpa dele era que "a cancela da garagem não abrira", segundo a Der Spiegel.
Se a Alemanha não é o paraíso, os jogadores brasileiros sabem muito bem porque se mudaram para este país de clima frio e muita disciplina. A situação do futebol profissional no Brasil não está boa, dominado por corrupção e recessão econômica. Só no ano 2000, 701 jogadores saíram do país, informa a Der Spiegel. Clubes alemães são considerados como bons endereços. "Sabe-se que na Alemanha se pode ganhar bom dinheiro", diz o empresário de jogadores Lothar Skala. Ao contrário da Itália ou Espanha, que os craques brasileiros preferiam até pouco tempo. No entanto, clubes, como Lazio, Parma e Valencia, estão em crise e vários jogadores têm que esperar por seu salário por meses, observa a revista alemã.
Por outro lado, os brasileiros representam um elemento necessário para os clubes alemãs. Os artistas sul-americanos, com sua habilidade de tocar a bola, alegram o futebol alemão, dominado por disciplina e tática. Por isso, há grande concorrência entre os clubes para atrair os melhores jogadores do Brasil.
Mas depois que os solistas chegam à Alemanha, muitos clubes se descuidam com a vida pessoal de suas estrelas. Um exemplo citado pela Der Spiegel é o caso Amoroso, do Borussia Dortmund. O Departamento de Estrangeiros mandou para o clube um aviso de que o visto de residência da esposa de Amoroso estava expirando. A carta ficou na mesa do diretor-executivo Michael Meier do Dortmund e ninguém cuidou dela. Só depois de dois meses, quando mandaram a segunda carta, o clube começou a se interessar ao caso.
Diante da dificuldade de integração na sociedade alemã – tanto pelo idioma quanto pelos hábitos –, os jogadores brasileiros costumam se reunir entre si. Quando estão de folga, os conterrâneos atravessam a Alemanha para se visitarem uns aos outros. Amoroso vai a Munique se encontrar com Élber, Dede visita Lincoln em Kaiserslautern, Lúcio vai para Dortmund, onde se encontra também com Zé Roberto. Isso ajuda os brasileiros a matarem a saudade e esquecerem do frio.
No primeiro inverno que Dede passou na Alemanha, ele quase não aguentava, "andava chorando e comendo pouco", como o próprio lateral esquerdo se lembra. Mas isso já passou. Depois de quatro anos na Alemanha, Dede não tem mais problema em morar na Alemanha. "Eu gosto de morar aqui", diz e acrescenta: "Mas, quando eu parar de jogar futebol, eu volto no dia seguinte para o Brasil."