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Caso Aécio é explorado e expõe contradições do STF

23 de novembro de 2017

Legislativos municipais e estaduais Brasil afora aproveitam decisão sobre o senador tucano para livrar seus próprios deputados e vereadores, num reflexo de um cenário confuso desencadeado pelo Supremo.

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Sessão no Supremo: Cármen Lúcia, titubeante, acabou dando o voto de minerva no caso Aécio
Sessão no Supremo: Cármen Lúcia, titubeante, acabou dando o voto de minerva no caso AécioFoto: Nelson Jr./SCO/STF

Há pouco mais de um mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou a decisão controversa de conceder ao Legislativo a prerrogativa de derrubar medidas cautelares impostas pela Justiça contra parlamentares. Em análise estava o caso do senador Aécio Neves, afastado do seu mandato e a quem tinha sido imposta uma ordem de recolhimento noturno.

A decisão foi fruto de um julgamento confuso, onde a presidente do STF, Cármen Lúcia, titubeante, acabou dando o voto de minerva. À época, especialistas ouvidos pela DW apontaram que casos como o de Aécio iam "se repetir em todos os três níveis, do vereador ao deputado federal”. E foi o que aconteceu.

O caso ainda escancarou como a própria Justiça e o STF vêm tomando decisões contraditórias sobre o assunto. 

Afirmando estar amparadas no entendimento do STF, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais Brasil afora aproveitaram a decisão sobre o caso Aécio para livrar seus próprios deputados e vereadores alvos de mandados de prisão ou ordens de afastamento. No caso de Aécio, o Senado acabou decidindo por 44 votos a 26 devolver o mandato do tucano. O mesmo roteiro acabou sendo seguido em outros quatro episódios nos níveis estadual e municipal.

A aplicação mais famosa da "fórmula Aécio” ocorreu no Rio de Janeiro na última sexta-feira (17/11), quando a Assembleia estadual evocou a decisão do STF para votar e determinar a soltura do presidente da Casa, Jorge Picciani (PMDB) e outros dois deputados estaduais. Acusados de desviar verbas, eles acabaram sendo liberados da cadeia sem que qualquer tribunal tenha sido notificado, apenas com um alvará emitido pela Alerj, tendo passado menos de 24 horas presos.

Na terça-feira (22/11), uma reviravolta: o Tribunal Regional Federal da 2° Região (TRF-2) determinou mais uma vez as prisões, afirmando que a soltura dos deputados sem qualquer comunicação à Justiça havia sido ilegal. "Parecia um resgate de bandidos”, disse um desembargador que analisou o caso. 

Outro caso similar ocorreu em Mato Grosso. Uma semana após o Senado devolver o mandato de Aécio graças à decisão do STF, a Assembleia estadual (ALMT) votou pela soltura e devolução do mandato do deputado Gilmar Fabris (PSD), que estava afastado e preso havia 40 dias por ordem do próprio STF por suspeita de obstrução da Justiça.

Assim como no Rio, Fabris também saiu da prisão com um alvará emitido pela própria Assembleia, sem uma autorização da Justiça. Só que neste caso, a maior parte dos desembargadores do TRF-1, responsável pela área de Mato Grosso, entendeu que o alvará de soltura concedido pela Assembleia era suficiente e que a Casa estava de fato amparada na decisão do STF sobre o caso Aécio.

Dessa forma, Rio e Mato Grosso, dois casos iguais, acabaram tendo entendimentos totalmente opostos quando foram analisados pelos seus respectivos tribunais federais.

No Rio Grande do Norte, no final de outubro, a Assembleia local também revogou o afastamento de um deputado. O mesmo ocorreu com um vereador de Natal, no mesmo estado.

A confusão do Supremo

Diante das iniciativas das Assembleias, a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) apresentou na quarta-feira (22/11) três ações no STF pedindo que as Assembleias não possam seguir o exemplo do caso Aécio.

Dessa forma, o STF deve voltar a se pronunciar novamente sobre sua decisão que acabou autorizando o Senado a devolver o mandato de Aécio. Mas, como mostraram os casos contrastantes entre Mato Grosso e Rio de Janeiro, a própria Justiça não parece se entender. E o mesmo vale para o STF.   

Em entrevista à BBC Brasil, o ministro do STF Luiz Fux afirmou que a decisão da Alerj de soltar os deputados foi "lamentável” e "fruto de uma interpretação incorreta” da decisão do tribunal de que deputados estaduais têm as mesmas imunidades de congressistas federais.

Mas quatro outros ministros ouvidos pelo jornal O Globo afirmaram que as Assembleias têm prerrogativas para soltar seus deputados, desde que isso seja comunicado à Justiça.

O problema é que há mais de uma década o STF também criou uma jurisprudência ao decidir que a prisão de um grupo de deputados estaduais de Rondônia não poderia ser analisada e votada pela Assembleia estadual. Essa decisão de 2006 partiu da ministra Cármen Lúcia e levou em conta que a maior parte dos deputados do estado estava sendo investigada.   

Só que dois ministros do STF afirmaram ao jornal O Globo que as Casas têm autonomia para devolver os mandatos de deputados afastados com base na decisão do caso Aécio, já que a Constituição Federal dá aos deputados estaduais as mesmas imunidades que têm direito os senadores e deputados federais.

Só que há mais um elemento para confusão: a ementa do julgamento do caso Aécio, um resumo do que aconteceu no plenário, que foi escrita pelo ministro Alexandre de Moraes, fala que o julgamento dizia respeito apenas a "parlamentares federais”, sem qualquer menção a deputados estaduais ou vereadores.

Diante desse quadro, alguns ministros já admitem que o STF deve voltar ao assunto e explicitar melhor se o resultado do julgamento deve ter um efeito cascata ou não. 

Para o professor de direito constitucional Rubens Glezer, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, o próprio STF acabou contribuindo para esse cenário caótico. "O ministros do STF tomam decisões sem detalhá-las, já que não gostam de sentir vinculados aos seus precedentes. Era perfeitamente possível antecipar que as Assembleias e Câmaras iriam seguir o exemplo do caso Aécio. O STF simplesmente não redigiu diretrizes claras sobre a sua própria decisão, deixando pontas soltas e contribuindo para esse cenário”, disse.

"Esse é o problema quando se tem um tribunal que analisa as coisas pontualmente, sem criar regras gerais e sem olhar para sua própria jurisprudência.”

Segundo Glezer, o STF agora se colocou em uma posição ainda mais complicada ao deixar todas essas pontas soltas. "Se o tribunal decidir que o caso só valia para o Congresso, vai ser acusado de ter criado uma regra específica apenas para beneficiar o senador Aécio Neves. Se resolver esclarecer que a regra vale para todas as Casas Legislativas do Brasil, vai ser acusado de golpear a operação Lava Jato de Norte a Sul. Os ministros se colocaram nessa situação, em pleno centro da crise”, disse.    

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