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Bush quer ganhar tempo, diz imprensa alemã

Neusa Soliz3 de fevereiro de 2004

O presidente americano se antecipou ao parlamento ao anunciar uma comissão para investigar os relatórios do serviço secreto sobre o Iraque. Os jornais alemães desmascaram a tática de Bush em ano de eleições.

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A verdade - só depois das eleiçõesFoto: AP

"A guerra do Iraque começou, em primeira linha, por causa da suposta ameaça concreta de armas de extermínio em massa. Agora que ninguém mais acredita na existência real dessa ameaça, a opinião pública quer saber quem entortou a seu bel prazer a causa da guerra. Será que os serviços secretos enganaram os políticos? Isso seria tão preocupante quanto a outra alternativa: que os políticos encomendaram aos serviços secretos os relatórios que fundamentassem seus planos", escreve o Offenburger Tageblatt.

Como a maioria dos jornais alemães, o diário do sul da Alemanha refere-se à procura de um bode expediatório e às razões que moveram o presidente norte-americano George Bush a aprovar uma investigação dos informes sobre as armas iraquianas.

A questão foi se complicando à medida em que as armas não apareceram. A perda de credibilidade dos EUA perante os aliados não incomodou Bush. Mas quando os americanos começaram a perguntar pelas armas e se a guerra valeu as vidas e todo o dinheiro que ela custou - Bush ficou com um grande problema. Ainda mais porque esses custos resultaram num déficit recorde do orçamento, que só será amortizado em muitos anos.

Decisão inteligente ou calculista?

"Ao convocar uma comissão independente num ano de eleição, Bush procura tornar-se imune à acusação de haver levado os EUA, com falsos argumentos, a uma guerra cara e desnecessária. Uma decisão inteligente, pois ao tomar a iniciativa ele terá as rédeas nas mãos. As figuras visadas estarão nos serviços secretos, enquanto a Casa Branca pode fazer de conta que não tem nada a ver com a interpretação e o uso dos dados", observa o Saarbrücker Zeitung.

"O jumento terá que assumir a responsabilidade pela decisão do seu dono" - escreve o Thüringer Allgemeine, editado em Erfurt. O jornal do leste alemão também vê a manobra de Bush, mas não se faz ilusões quanto à independência da comissão: "Tudo não passa de puro acionismo. A pressa de Bush é para se antecipar a uma comissão criada pelo parlamento. Assim ele próprio escolherá os nomes para compô-la, influenciando decisivamente o resultado das investigações."

Como esses resultados só serão divulgados dentro de um ano e meio, não atrapalharão as eleições presidenciais, em novembro. Bush quis ganhar tempo, ao assumir o papel de quem vai esclarecer os erros do seu próprio governo. Mas essa "tática calculista não vai surtir efeito", segundo o Badisches Tagblatt, de Baden-Baden. "O procedimento mais se parece com a inútil tentativa de lavar as mãos em inocência, como fez Pilatos".

Com as eleições em mira

Quando ela apresentar suas conclusões, qualquer revelação de falha dos serviços secretos ou de distorções da Casa Branca, já não serão problema para Bush, que agora não poderia demitir o presidente da CIA, por exemplo. Como este responde diretamente ao presidente, isso seria o mesmo que uma confissão de culpa de Bush. Ao criar a comissão, o presidente faz o papel de quem está em busca da verdade, sem ter que admitir nenhum erro.

Resta saber se os eleitores irão notar a armação. As últimas pesquisas nos EUA mostram que George W. Bush perdeu 11% de popularidade no último mês, principalmente por causa do Iraque e de sua política econômica, o que representa uma chance real para os candidatos democratas. O déficit orçamentário de 520 bilhões de dólares logo se tornará um grave problema. Os juros poderão aumentar mais do que Bush desejaria e do que seria bom para a reativação da conjuntura.

Conseqüências para a economia

Os diários europeus ressaltam as conseqüências da decisão de Bush para o premier britânico Tony Blair. Depois de seguir tio Sam na invasão do Iraque, Blair também viu-se na obrigação de mandar investigar os relatórios que recebeu. Na Alemanha, contudo, o Abendzeitung, de Berlim, analisa as conseqüências do déficit americano para a economia mundial:

" Bush contraria todas as boas regras da administração americana nos últimos 20 anos, no sentido de que o Estado deve se manter fora de tudo quanto é possível. Para haver crescimento basta que o BC cuide de uma moeda estável. E também: dívidas são algo infernal, pois implicam nos impostos do futuro. A longo prazo elas afetam a confiança na economia."

Depois de ressaltar os méritos do presidente americano em debelar a última crise econômica, o jornal adverte: "Mas o perigo é grande de que o preço pago por isso tenha sido muito alto. Só o saberemos realmente dentro de alguns anos", escreve o Abendzeitung, e com razão. O dólar fraco em relação ao euro e um aumento dos juros nos EUA colocariam em risco o reaquecimento na Europa. Dessa forma, muitos sofreriam as conseqüências dos erros da política externa de Washington.