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Buñuel

Luna Bolívar Manaut (sv)31 de julho de 2008

Especialista alemão fala em entrevista à DW-WORLD sobre a peculiaridade da herança deixada pelo cinema de Luis Buñuel e encara as dificuldades, para um crítico, de definir o que é "buñueliano".

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Buñuel: histórias de miséria sob o filtro do exageroFoto: picture-alliance/ dpa

O crítico de arte Wolfgang Martin Hamdorf estudou Cinema em Berlim e Madri. Autor de vários livros sobre o cineasta Luis Buñuel, entre outros um volume sobre o diretor e a guerra civil espanhola, Hamdorf lembra as influências da obra de Fritz Lang no cinema de Buñuel e explica por que é tão difícil encontrar rastros do estilo buñueliano em cineastas contemporâneos.

DW-WORLD: Luis Buñuel é considerado um dos cineastas mais importantes da história do cinema. O que faz com que o diretor seja tão peculiar?

Hamdorf: Buñuel fascina porque soube captar a essência cultural dos países em que vivia e trabalhava. Todos seus filmes carregam a marca "buñueliana", o que é muito difícil de ser definido. Por um lado, a crítica à burguesia e à Igreja Católica sempre se repetem em seus filmes. Por outro, fica também clara sua capacidade de se adaptar às condições, ou seja, de fazer filmes muito "franceses" ou cem por cento espanhóis, como Viridiana, por exemplo.

As contradições de sua produção cinematográfica e essa impossibilidade de categorizá-lo fazem dele único. Embora Buñuel não seja um diretor para ser cultuado somente por cineastas, dificíl de entender, como muita gente pensa. Ele é, ao mesmo tempo, muito popular.

Da política ele sofreu alguns golpes, o que acabou servindo, ao mesmo tempo, de argumento para seus filmes. Teria existido Buñuel se não tivesse havido seu entorno, se não tivesse acontecido tudo aquilo a seu redor?

Com exceção de alguns filmes que ele fez por obrigação, não se pode dizer que Buñuel tenha sido um diretor político no sentido estrito do termo, mas sim que o contexto social o guiou. Em dois filmes que flertam com o gênero documental, como Terra sem pão e Os Esquecidos, Buñuel consegue converter uma realidade social numa "realidade buñueliana", ao dar a essas histórias de miséria absoluta o toque pitoresco do exagero.

O contexto social serve para Buñuel contar suas histórias e suas verdades. Embora seja difícil imaginar um Buñuel que não tenha vivido no século 20. Ele nasceu no início do século e morreu em 1983, tendo testemunhado todas as catástrofes da época.

O Exército de Viridiana foi um golpe mais duro para o regime de Franco que toda a oposição política de Buñuel à ditadura?

Spanien Filmregisseur Luis Bunuel Filmszene Der andalusische Hund
Cena de 'Um Cão Andaluz'Foto: picture-alliance / akg-images

A história de Viridiana é também a da fragilidade do regime franquista. É a imagem da luta entre o lado renovador e um lado bunker, dos segumentos mais conservadores. Todo o escândalo começou depois, quando o filme foi premiado no Festival de Cannes. Foi aí que o filme passou a ser proibido. Isso diz mais sobre o franquismo que sobre o próprio diretor.

Viridiana não é um filme panfletário. As coisas mostradas por Buñuel existem realmente, estão nas ruas. É aí que reside também sua força, nessa capacidade de contemplar a realidade.

Viridana foi rodado na Espanha e, em 1970, Buñuel voltou para realizar Tristana. Como ele fazia para trabalhar no país, considerando suas convicções políticas?

Buñuel era um republicano antifranquista e viajava com muita precaução à Espanha, sem saber muito bem o que o esperava. Na Espanha havia surgido um grupo de cineastas jovens, vinculados ao Partido Comunista, que estavam lutando por outro tipo de cinema. Ele voltava a convite desses jovens.

Mas quando voltou à Espanha para rodar Viridiana, estávamos no ano de 1960. Tinha transcorrido muito tempo desde que ele deixara o país. Passar Viridiana pelo crivo da censura foi bastante difícil. O escândalo viria depois. E com Tristana também não houve muitos problemas. Há de se notar que a ditadura teve diversas fases e algumas eram de abertura.

Buñuel adotou a cidadania mexicana. Esse ato simbolizou sua ruptura com a Espanha?

Não acredito. O exílio repúblicano espanhol no México era muito importante. Havia uma comunidade bastante grande, dentro da qual continuava-se cultivando costumes tipicamente espanhóis: a paella, as tapas, o vinho... Culturalmente não houve ruptura.

Buñuel decidir tornar-se diretor depois de ver A Morte Cansada, de Fritz Lang. Quais foram as influências do cinema alemão sobre ele?

Nenhuma em especial. O cinema alemão era diferente do norte-americano, mas a questão é simplesmente essa: A Morte Cansada é um filme magnífico, com uma estrutura narrativa muito completa, que seria repetida em alguns filmes de Buñuel. Essas histórias vinculadas umas às outras, encaixadas umas nas outras, são comuns tanto num quanto noutro diretor.

E ao contrário: quais as influências dos filmes de Buñuel sobre o cinema alemão?

A influência de Buñuel não pode ser reduzida somente ao cinema alemão. O cinema de Buñuel não teve herdeiros diretos. O cinema alemão é, de certa forma, mais psicológico, um cinema onde o jogo com as imagens e com os objetos não tem tanta importância.

Buñuel sempre foi muito reconhecido na Alemanha, mas não vejo nenhum cineasta alemão que tenha dado continuidade estilìstica a seu trabalho. Tem gente que diz que David Linch tem algo de Buñuel, Carlos Saura evidentemente, e o Novo Cinema Espanhol também, mas nenhum desses nomes ou correntes adaptou totalmente o estilo de Buñuel, que continua sendo único.