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Brasileiros param e revivem sonho a cada quatro anos

Gabriel Fortes13 de junho de 2006

Crianças sonham em vestir a camisa da seleção brasileira em uma Copa do Mundo e quando adultas esquecem problemas sociais e dificuldades para reativar na memória, torcendo, o que um dia foi projeto de vida.

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Foto: AP

Ronaldinho poderia ser qualquer João. Ronaldo, facilmente, daria lugar a qualquer Paulo. Roberto Carlos, Cafu, Kaká, Adriano, sem medo de errar, poderiam ser qualquer André, Ricardo, Antônio ou Pedro. Desde que, todos eles, fossem brasileiros.

No Brasil das diferenças sociais, da fome, da corrupção na política e da insegurança nas ruas, a bola mantém o país em um patamar irreal, muitas vezes dando a ele o status de super-potência.

E qualquer bola. A do tênis, a do vôlei e a do basquete já deram conquistas marcantes aos brasileiros e carregaram na esteira de um sucesso momentâneo a "febre" que faz surgir novos talentos a cada ano.

Mas no futebol existe algo especial. Talvez por Pelé, uma das personalidades do país que criaram na mentalidade de seu povo a idéia de que as conquistas prematuras tornam o homem poderoso.

A bola preta e branca envolve sonhos não só dos garotos, mas de toda uma nação que vê o Brasil do futebol como uma das poucas coisas positivas do país. Os resultados aparecem, e isso é sempre alimentado. Muitos revivem sonhos a cada quatro anos. Outros montes de brasileiros largam tudo nesta época para torcer para que o país se mantenha no topo.

O "Rei" foi campeão mundial com 17 anos de idade. Manteve o nível, levou a camisa verde-amarela ao tricampeonato em 1970 e passou a ser um mito. Dentro e fora de casa. Hoje, ou melhor, há décadas, 99% dos garotos que fossem questionados a respeito de seus desejos diriam que o sonho é ser jogador da seleção.

Foi assim comigo, pelo menos, dos oito aos 15 anos de idade. Primeiro numa escolinha de futsal, depois com as chuteiras de travas nos pés em um clube pequeno (Portuguesa Santista) e mais tarde no Santos. O Santos de Pelé, onde ele eternizou a mística da camisa 10 levada para a seleção brasileira.

Com esse número, mas com a camisa da Santista (claro, a do Santos já seria demais!), encontrei Ronaldinho Gaúcho em 1994, quando ele era apenas um Ronaldinho. Não apenas. Ele já era o craque do Grêmio, tinha projeção a nível estadual e era projetado como craque. Eu tinha 12 anos de idade em janeiro daquele ano, ele 13.

Foi em Alegrete, cidade do interior do Rio Grande do Sul, bem no final do mapa brasileiro, e sede do Efipan – o Encontro de Futebol Infantil Pan-americano, o maior evento do mundo para o futebol desta categoria e que conta com clubes de toda a América do Sul e alguns da Europa.

A minha equipe era razoavelmente forte e perdemos o primeiro jogo apenas na semifinal. Foi 2 a 1 para o gaúcho Internacional, e eu lembro de ter marcado o gol para o meu time. Na outra semi, o Grêmio do Ronaldinho perdeu para o Argentinos Juniors (o Inter seria campeão).

Na disputa do terceiro lugar, levamos a pior. Ronaldinho naquela época já fazia a diferença. Nós não conseguimos marcar nenhum gol e eles venceram por 2 a 0, se me recordo bem.

O relato serve para exemplificar a paixão dos garotos brasileiros pelo futebol. Não existem limites, barreiras ou fronteiras. O meu obstáculo maior foi uma fratura no joelho, mas de qualquer forma existe um momento em que é preciso escolher um caminho. O glamour oferecido pelo status de jogador de primeiro nível, os altos rendimentos financeiros, a imagem de "super-herói" . Ou ser um torcedor que interrompe literalmente tudo para assistir a um jogo da seleção na Copa.

Tentar seguir adiante ou focar os estudos. Eu preferi o segundo.

Um país aos seus pés. Pode ser ilusório, mas é real. No Estado de São Paulo, por exemplo, o governador Cláudio Lembo determinou o fechamento das repartições duas horas mais cedo que os jogos do Brasil na primeira fase.

Isso impera nas idéias dos jovens brasileiros, na maioria dos mais humildes, e que por muitas vezes deixam de comer para pagar a conduções para os treinos. Histórias assim são muito comuns.

Ou como a de um amigo meu, o Wellington, que jogava comigo nesses já longínquos 12 anos. Garoto de família simples, recebeu das minhas mãos uma chuteira quando eu estava preparado para me "retirar". Dois anos depois, o encontrei na rua, em Santos, e ele ainda tentava engrenar no futebol. E com a mesma chuteira.

Hoje resta a mim, aos Andrés, aos Paulos, aos Joãos, aos Ricardos, aos Antônios, aos Pedros e claro, ao Wellington, torcer.

Gabriel Fortes, 25 anos, jornalista, faz parte da equipe de Copa da DW-WORLD.