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Brasil torna-se base de TV alemã na América do Sul

Marcio Weichert29 de maio de 2005

Após 32 anos, principal emissora pública alemã troca Buenos Aires por Rio de Janeiro como base para seus correspondentes na América do Sul. A DW-WORLD entrevistou o atual repórter da ARD, Klaus Weidmann.

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Foto: dpa

Para os brasileiros que vivem na Alemanha, parecia uma afronta. A cada vez que o Brasil inesperadamente virava notícia, a emissora pública de tevê ARD chamava seu correspondente em Buenos Aires para entrar no ar. Não por questão de rivalidade com os vizinhos argentinos – ou será que sim? –, mas o fato soava, para a audiência brasileira na Alemanha, como falta de reconhecimento da importância geográfica, política e econômica do Brasil.

Klaus Weidmann, ARD Korrespondent für Südamerika in Rio de Janeiro. Copy: Klaus Weidmann
Klaus Weidmann

Após 32 anos, a ARD decidiu transferir, enfim, seu estúdio sul-americano. Correspondente na região desde janeiro de 2001, Klaus Weidmann começou em abril a transmitir regularmente seus boletins, reportagens e documentários a partir do Rio de Janeiro.

Não à toa, instalou-se no Jardim Botânico, a algumas centenas de metros da Rede Globo, da qual usa os equipamentos para a transmissão para a Alemanha. Para apoiá-lo, ele conta com informantes nos demais países da região – Colômbia, Venezuela e as Guianas, porém, não estão incluídas na cobertura do estúdio sul-americano.

A ARD é a principal emissora pública de tevê da Alemanha e uma das líderes em audiência. Também conhecida como "O Primeiro Canal" (Das Erste), ela funciona como cabeça do sistema público de televisão.

Natural da Vestfália, Klaus Weidmann tem 46 anos e estudou Ciências Políticas, História e Direito Público em Freiburg e em Montpellier. Sua carreira na televisão teve início na emissora pública SWR, do sudoeste alemão. À DW-WORLD, o correspondente justificou a transferência do estúdio, falou da cobertura jornalística e sobre política sul-americana.

DW-WORLD: Por que a ARD () agora decidiu transferir seu escritório sul-americano para o Rio?

Klaus Weidmann: Nos últimos anos, o Brasil vem ganhando sempre maior importância na cobertura jornalística. No Brasil, vivem mais pessoas do que em todos os outros países da área de cobertura. As redações pedem com freqüência matérias de fundo sobre o Brasil. A mudança é, portanto, uma conseqüência lógica.

E por que o Rio, em vez da capital Brasília ou de São Paulo?

Brasilien: Rio de Janeiro
Correspondente alemão coopera estreitamente com a Globo no RioFoto: dpa

As três cidades são importantes. Mas o departamento internacional da Rede Globo, com a qual a gente coopera estreitamente, tem sua sede no Rio.

Quais são os temas principais na cobertura da ARD na América do Sul?

A gente cobre tudo, desde pequenas notícias para o telejornal Tagesschau até reportagens temáticas, passando por matérias de fundo para o programa Weltspiegel.

Nos telenoticiários alemães, o Brasil e a América do Sul quase não aparecem, enquanto temas africanos e asiáticos parecem estar mais presentes. A Alemanha não se interessa pelo Brasil?

Esta visão é parcialmente correta. Há uma tendência, comprovável cientificamente, de que a cobertura televisiva sobre o chamado Terceiro Mundo caiu bastante nos horários nobres. Temas africanos e asiáticos não aparecem, entretanto, com maior freqüência do que os sul-americanos. E a Austrália está quase completamente esquecida.

Como correspondente nesta situação, é difícil convencer os editores na Alemanha de que tem um bom tema do Brasil ou da América do Sul?

Não tenho problemas de convencimento. A ARD transmite muitas matérias da América do Sul, com tendência crescente. Somente nestes primeiros cinco meses do ano, transmitimos 230 minutos, sem incluir as reprises. Recentemente fizemos uma reportagem sobre a Colonia Dignidad no Chile para o programa Weltspiegel. A matéria foi tão bem recebida que reforçamos o assunto com um feature de 30 minutos sobre Paul Schäfer [o líder da Colonia Dignidad, preso na Argentina em março passado] no programa Auslandsreporter, da emissora SWR. O programa teve audiência excepcional.

O problema é outro: os horários de exibição e, daí, a percepção. Não há praticamente “notícias” da América do Sul, por isso quase não aparecemos no Tagesschau das 20 horas e alguns espectadores não percebem que estamos em outros horários da programação.

Muitos brasileiros que vivem na Alemanha reclamam que as matérias sobre o Brasil reforçam clichês sobre o país: índios, destruição ambiental, crianças de rua, criminalidade, samba, carnaval, mulatas, futebol. Nãointeresse por temas modernos como a informatização das eleições, o sucesso da política de saúde contra a aids, carros bicombustíveis?

Tratamos de todos os temas. Também já abordamos de diferentes maneiras a política do governo brasileiro para aids.

Que análise política o Sr. faz do Brasil? Que papel o país e o governo Lula desempenham na política mundial? O Sr. se surpreendeu, tal como os empresários alemães, com a política do governo?

Muitas perguntas, muitas respostas. Resumindo: Lula conseguiu fazer com que o ouvissem no palco internacional e se empenhar, em diversas áreas, pelo Brasil e os países emergentes.

Como o Sr. o atual conflito político e econômico entre Brasil e Argentina? O presidente Kirchner criticou Lula de querer ocupar com brasileiros todos os postos livres na política mundial, até mesmo o de papa.

Com certeza, Lula quer fazer de novo do Brasil um peso pesado na política mundial e para isso é preciso ocupar posições e ter voz nos palcos internacionais. Do presidente argentino Kirchner, não partiu até agora nenhuma iniciativa do tipo. A crítica não é justa. Ela reflete mais a tradicional desconfiança entre os dois países.

Que futuro tem o Mercosul? É possível ele evoluir para algo similar à União Européia?

A América do Sul está longe de desenvolver uma força de integração minimamente parecida com a da UE. Os interesses são muito distintos e o espírito de comunidade, muito pouco desenvolvido.

Fora Brasil, Uruguai e Chile, a conjuntura política na América do Sul anda tensa. Por que estes três países são no momento politicamente mais estáveis?

Todo o continente é tenso e complexo demais. Não dá para analisar em poucas palavras os fundamentos políticos de cada caso.

Para terminar, como o Sr. está se saindo com o modo de vida no Brasil? É difícil se adaptar?

Nos últimos anos, visitei o Brasil incalculáveis vezes. Deu para ter uma impressão deste país fascinante. Estou entusiasmado por poder conhecer agora mais de perto a mentalidade brasileira.