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"Brasil precisa de políticos que busquem o bem comum"

Marcio Damasceno
28 de junho de 2017

Em entrevista à DW, o ex-correspondente no Brasil da rede de TV alemã ZDF Andreas Wunn diz que país só conseguirá sair da crise a partir do momento em que a classe política parar de visar apenas os próprios interesses.

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Andreas Wunn, jornalista da ZDF, ex-correspondente da emissora no Rio de Janeiro
"Quando cheguei no Brasil, não podia imaginar que a situação fosse piorar tanto", afirma Andreas WunnFoto: ZDF

O jornalista alemão Andreas Wunn foi correspondente no Rio de Janeiro da rede de televisão ZDF entre 2010 e 2016, tendo participado nesses seis anos de coberturas históricas, como a Copa do Mundo de 2014, os Jogos Olímpicos Rio e o impeachment de Dilma Rousseff. Há seis meses ele retornou a Berlim, onde agora dirige um programa matinal de notícias da emissora alemã.

Em evento organizado pela Sociedade Brasil-Alemanha nesta quarta-feira (28/06) em Berlim, ele apresentou seu documentário Der brasilianische Patient (O paciente brasileiro, em tradução livre), reportagem enfocando os problemas sociais do Brasil às vésperas dos Jogos do Rio. O jornalista também é autor do livro Brasilien für Insider (Brasil para os íntimos, em tradução livre), publicado na Alemanha em 2014, reunindo suas impressões do país.

Em entrevista à DW, Wunn comenta a situação atual do Brasil e lembra do tempo em que viveu no Rio, tendo experimentado literalmente os dois lados da mesma moeda. Ele chegou ao país em um período de relativa prosperidade, em que o Brasil era chamado de "a bola da vez", e foi testemunha de uma reviravolta, quando a nação afundou na crise econômica e política, abalada por seguidos escândalos de corrupção.

Ele também fala dos desafios para explicar o que acontece no Brasil ao público alemão. "Muitos não conseguem mais entender a confusão. Ainda mais que o atual governo quase não consegue sequer se defender das acusações de corrupção. Muitos têm a sensação de que a coisa não melhora", afirma.

Andreas Wunn, jornalista da ZDF, ex-correspondente da emissora no Rio de Janeiro
"Quando cheguei no Brasil, não podia imaginar que a situação fosse piorar tanto", afirma Andreas WunnFoto: ZDF

DW: Seu documentário Der brasilianische Patient (O paciente brasileiro, em tradução livre) registra os problemas brasileiros nas vésperas dos Jogos do Rio, como se o país estivesse em estado crítico de saúde. De lá para cá, se passou um ano. Na sua opinião, o Brasil ainda está em coma?

Andreas Wunn: Difícil de dizer. Quando eu cheguei ao Brasil, nunca poderia imaginar que a situação fosse piorar tanto como nesse ano passado. Em 2010, Lula ainda era presidente, com um índice de aprovação de 80%, crescimento de 7%. No Rio, tínhamos a impressão que a criminalidade estava menor, que a situação melhoraria. E a Copa e as Olimpíadas estavam por acontecer. O Brasil ainda estava muito bem. Então, a coisa foi piorando, vieram os protestos em 2013, a crise econômica, o grande escândalo da Lava Jato, que colocaram o paciente Brasil em coma.

Então ocorreram diversos "infartes", com o impeachment da Dilma Rousseff, e agora ninguém sabe onde isso vai parar. Temos a impressão que grande parte da classe política está envolvida em corrupção. E acho que, apesar de uma melhora econômica, nas bolsas e no que toca o crescimento econômico, o "paciente brasileiro", até as eleições no ano que vem, vai continuar em estado vegetativo.

Em seu livro, Brasilien für Insider, você escreve que o Brasil é como um Apple entre os países em desenvolvimento, um país potente e com uma imagem simpática, atraente, e do qual todos gostam. Ele ainda é visto assim, mesmo depois de tudo o que aconteceu?

Não. Assim como era, não mais. Através da crise e do escândalo da Lava Jato, a imagem do Brasil também foi afetada. Claro que o país ainda tem uma imagem bem positiva. Como eu escrevi: um país sensacional, de pessoas simpáticas, muito emotivo, etc. Mas atualmente só se ouve falar na crise, mais do que em outras coisas. E essa crise profunda, em tantos níveis, econômico, criminalidade, instabilidade política, um sistema político que não funciona, e a corrupção que ofusca tudo, isso tudo influencia a imagem do Brasil, claro.

Muitos não conseguem mais entender a confusão. Ainda mais que o atual governo quase não consegue sequer se defender das acusações de corrupção. Muitos têm a sensação de que a coisa não melhora.

Policial prende suposto traficante em favela no Rio
Policial prende suposto traficante em favela no Rio: "um país sensacional, mas também terrível"Foto: Reuters/R. Moraes

O Brasil é um país difícil de se explicar, como correspondente, para o público alemão?

O público alemão conhece, claro, sobretudo os clichês do Brasil. E muitos pensam que o Rio de Janeiro é o Brasil. Que em todo o lugar tem samba, futebol, caipirinha e praia. O desafio para mim, como correspondente, foi não somente quebrar esses clichês, mas também complementá-los. Os clichês não são, de todo, falsos.

Claro que samba e futebol têm um grande papel no cotidiano dos brasileiros e dos cariocas. Mas eu tentei mostrar o panorama todo do Brasil, também em outras regiões, não só nas metrópoles, mas no interior, também na Amazônia etc. E também falar sobre os problemas, além dos clichês, que não estão só na violência nas favelas e drogas, os problemas no Brasil são muito variados. Há uma imensa desigualdade social para a qual até agora não há solução. Tínhamos a impressão que tudo melhorava, que havia uma nova baixa classe média, bolsa família, etc. Mas agora não há mais esse sentimento.

Minha sorte, na época, é que o interesse do mundo se voltou para o Brasil durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas. E aproveitamos esses grandes eventos na ZDF para reportar sobre esses problemas todos do Brasil.

O seu livro, Brasilien für Insider, tem um título que parece o de um guia turístico, o que o livro não é. O que ele aborda?

Ele é como um complemento para um guia turístico. Quem viaja ao Brasil, compra um guia e quer também ler alguma coisa para conhecer o país um pouco mais aprofundadamente. Ele é quase uma coleção de reportagens, em que eu conto muito das minhas experiências e minhas viagens através do país. Há um capítulo sobre o Rio e sobre o modo de vida dos cariocas, há um sobre o futebol, um sobre São Paulo, outro sobre música, e por aí vai. todas as coisas que são importantes para a identidade do Brasil e dos brasileiros.

Depois que você voltou, ainda tem contato com o Brasil, ainda acompanha o que acontece por lá?

Claro. Eu estou de volta há apenas seis meses. E sou casado com uma brasileira. Por isso, eu estarei regularmente no Brasil, onde temos muitos amigos. Assim, o Brasil não sumiu da minha vida depois que voltei para a Alemanha.

Brasil é um país sensacional, mas também terrível. Assim como também a vida no Rio. Há quem diga que "o Rio de Janeiro não é uma cidade maravilhosa, é uma cidade num lugar maravilhoso". A natureza é linda, no Rio, por exemplo, mas a cidade tem muitos problemas. E no Rio temos a praia, o clima, as pessoas, os cariocas. São sensacionais. Mas ao mesmo tempo temos também o tráfego, a criminalidade , o caos, a burocracia, a corrupção. Tudo faz parte e, infelizmente não dá para separar uma coisa da outra. Eu diria que tenho uma relação muito apaixonada com o Brasil, muitas coisas me agradam muito, muitas coisas eu acho terríveis.

Pão de Açúcar desenhado no chão do Maracanã por pessoas, na cerimônia de encerramento das Olimpíadas do Rio
Encerramento das Olimpíadas: "nos grandes eventos, aproveitamos para reportar sobre os problemas no país", diz WunnFoto: Reuters/F. Bensch

O que é interessante – e isso é algo sobre o que escrevo no meu livro  – é que quanto mais tempo eu estava lá, mais crítico eu ia me tornando em relação ao Brasil. Porque o país, ou o Rio de Janeiro, são algo impressionante quando se vê pela primeira vez, quando se vive lá nos primeiros meses ou anos. E quanto mais eu vivia o cotidiano, quanto eu lutava contra esses problemas cotidianos, mais crítico eu ficava em relação ao Brasil.

Em relação à política e à economia, na sua opinião, o Brasil ainda consegue se recuperar, sair da UTI?

O Brasil tem que se recuperar. É um país tão rico e tem tantas possibilidades. É preciso que se aplique os tratamentos certos. É preciso combater a corrupção, combater a burocracia, combater o famoso custo Brasil, e atrair mais investimentos. Acredito que o Brasil tenha muito potencial. E o país mostrou nos anos passados que tem potencial, mas então veio a crise, a corrupção e tudo foi embora. Não acredito que venha a ser fácil. Mas o Brasil precisa, antes de tudo, de estabilidade política, talvez de uma reforma do sistema político. O Brasil precisa também de reformas econômicas. O problema é que, mais uma vez, os pobres é que serão afetados.

O mais importante, entretanto, é que o Brasil precisa de uma classe política que esteja realmente interessada no bem comum e no bem do país e não somente no próprio interesse e no de sua família. E esse é o grande problema. Sem isso, talvez o Brasil não consiga se recuperar. Acho que ainda vai demorar um tempo e que não vai ser fácil. E está totalmente em aberto o que acontecerá politicamente e o como as próximas eleições vão ocorrer. É muito difícil se prever.