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Brasil na OMC: vitória na briga contra UE

Fernando Scheller28 de abril de 2005

Paulo Mesquita, representante permanente do Brasil na OMC, diz em entrevista exclusiva à DW-WORLD que o Brasil lucrará US$ 1 bilhão ao ano com a eliminação de subsídios ao algodão nos EUA e ao açúcar na União Européia.

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Subsídios europeus ao açúcar são muito altos, diz OMCFoto: südzucker

A Organização Mundial do Comércio (OMC) considerou ilegais nesta quinta-feira (28/4) as subvenções concedidas pela União Européia aos produtores de açúcar do bloco. O tribunal de apelação da OMC confirmou, assim, o resultado do painel de três peritos, que havia considerado os subsídios contrários à justa competição. "Estamos decepcionados que a organização não tenha aceito nossos argumentos. Vamos seguir as determinações da OMC, pois de qualquer forma já estão previstas reformas neste setor", disse Michael Mann, porta-voz da União Européia (UE) em Genebra.

A decisão vem ao encontro da queixa apresentada por Brasil, Austrália e Tailândia. Os três grandes produtores mundiais de açúcar reclamaram que a União Européia incentiva a produção além do permitido pela OMC. Os maiores produtores de açúcar no bloco europeu são a Alemanha e a França, responsáveis pela metade do açúcar produzido na UE.

Duas vitórias brasileiras

O trabalho da equipe brasileira na Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, tem colocado o país frente a frente com pesos-pesados da economia mundial. Na busca por equilíbrio no comércio mundial, o Brasil enfrentou no ano passado a UE e os EUA, e buscou a eliminação de subsídios à agricultura que atrapalham a competitividade de produtos nacionais no mercado mundial.

Nos últimos meses, as vitórias brasileiras em painéis relacionados aos subsídios governamentais norte-americanos à produção de algodão e a incentivos econômicos da União Européia para a reexportação do açúcar produzido em suas ex-colônias ganharam a mídia. Ambas as medidas desequilibrariam a competição no mercado internacional. Cálculos de associações de produtores estimam que a economia brasileira possa lucrar cerca de US$ 1 bilhão ao ano com a eliminação dos subsídios aos dois produtos.

Zucker
Foto: südzucker

A decisão final sobre a disputa com os Estados Unidos também já havia sido favorável ao Brasil. Em entrevista exclusiva à DW-WORLD, o conselheiro do Brasil na OMC havia adiantado a vitória brasileira também na disputa contra a União Européia.

Distinção entre economia e política

Na entrevista que concedeu à DW-WORLD, Mesquita falou ainda da liderança brasileira entre os países em desenvolvimento, da internacionalização de serviços básicos (como educação e saúde) e da proteção de investimentos. Evitando falar diretamente da retirada da candidatura do brasileiro Luiz Felipe Seixas Corrêa à direção da OMC, ele comentou que há necessidade de se estabelecer um "caráter mais desenvolvimentista" na administração da entidade (o favorito na disputa do próximo mandato da entidade é o francês Pascal Lamy, candidato da UE). Leia os principais trechos da conversa:

DW-WORLD: O que significa a vitória nos casos do algodão (contra os Estados Unidos) e do açúcar (contra a União Européia)?

Paulo Mesquita: Para o Brasil, o ganho econômico será de aproximadamente US$ 1 bilhão ao ano. É um resultado economicamente significativo. A disputa com os Estados Unidos já foi julgada e a vitória foi brasileira. Esperamos que o resultado referente à União Européia saia ainda hoje (quinta-feira, 28/04), confirmando os resultados do painel (favoráveis à argumentação do Brasil).

Não é estranho que os principais interessados no livre comércio (União Européia e Estados Unidos) sejam os principais alvos das reclamações na OMC?

É um paradoxo, pois esses países se apresentam como muito liberais. Mas Estados Unidos e União Européia também concentram a maior parte do comércio mundial, são grandes mercados para importação e exportação. Então, por outro lado, é natural que concentrem boa parte dos contenciosos.

Essa série de vitórias na OMC, e essa posição mais combativa do Brasil, afetam de alguma forma as relações diplomáticas com UE e EUA?

Não. As regras para contenciosos na Organização Mundial do Comércio evitam essa conotação política. Os contenciosos são uma forma de tirar dúvidas sobre as regras (da OMC), de evitar a politização de assuntos comerciais e econômicos. É também um trabalho técnico, pois exige a interpretação de regras jurídicas negociadas entre os países-membros. Não há retaliação política, pois todos os membros têm a intenção de melhorar a aplicação das regras do comércio mundial.

Existe uma variada gama de setores envolvidos na OMC (agricultura, indústria, serviços e investimentos). O Brasil está disposto a abrir mais o seu mercado de serviços, por exemplo, para obter vantagens na agricultura?

Para o Brasil, a agricultura é fundamental, pois a competitividade do país em outros setores é relativamente pequena em comparação aos EUA e à União Européia, fortes em uma variedade de indústrias e serviços. Por isso, economias mais adiantadas estão interessadas na liberalização de uma varidade de setores. No caso do Brasil, esse interesse é mais limitado. Para economias de pequeno porte, como vários países da África, o espectro é ainda menor. Há quatro países da África – Benin, Chade, Mali e República Centro-Africana – que têm apenas interesse em ganhar competitividade no algodão. Se o produto não for incluído na mesa de negociação, eles não vão ter interesse em liberalizar nada.

Muitos países têm dificuldades para manter equipes em Genebra. Isso faz o processo de resolução de disputas na OMC menos democrático?

É uma questão real. Manter uma equipe em Genebra custa caro. É preciso ter especialistas para negociar e elaborar posições, o que exige conhecimento técnico. E economias de pequeno porte, que não têm como disputar mercados nos setores industriais e de serviços, acabam ficando de fora de parte das discussões.

Qual é o tamanho da equipe brasileira?

Temos uma equipe relativamente grande, de 10 diplomatas fixos. Mas é claro que a equipe é menor que a dos Estados Unidos, União Européia e China.

O Brasil tem sido apontado como uma espécie de líder entre os países em desenvolvimento. Essa liderança foi iniciada em Cancún, durante a negociação dos chamados "Assuntos de Cingapura" (investimento, competição, facilitação do comércio e estabilidade governamental)?

O Brasil teve posição neutra em relação à liberalização de investimentos, estava disposto a negociar. O papel central do Brasil é em relação à agricultura. E, com a formação do G-20 (grupo formado por países em desenvolvimento), houve um certo mau humor relacionado ao país, que durou dois ou três meses. Mas o fato é que o G-20 desempenhou um papel importante, pois mostrou que as nações em desenvolvimento podem assumir posições sem radicalismo. O G-20 ajudou a preservar o mandato de Doha (que deveria ter terminado em dezembro de 2004), o que vai aprofundar as discussões sobre subsídios agrícolas.

A negociação entre União Européia e Mercosul para a formação de um mercado comum é uma iniciativa totalmente separada da estratégia do Brasil na OMC?

Sim e não. Há uma coerência nas tomadas de posição brasileiras, mas uma equipe diferente negocia atualmente com a UE.

A que o senhor atribui a boa reputação das relações internacionais do Brasil, especialmente em relação às disputas internacionais?

A reputação foi construída ao longo das décadas. O Brasil foi um dos 23 fundadores do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (no fim dos anos 40), que deu origem à OMC (fundada em 1995). Estamos agora colhendo as sementes plantadas ao longo das últimas décadas.