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Bibliothek: Os gritos de Blixa Bargeld ainda soam em Berlim

Ricardo Domeneck
4 de outubro de 2017

Artista cresceu no ambiente de divisão da cidade e é um dos mais literários dos músicos alemães. É reconfortante saber que ele ainda grita. A vontade é de gritar com ele.

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Bildergalerie Einstürzende Neubauten
Foto: picture-alliance/dpa

Este domingo passado, 1.10., tive a chance de ver pela primeira vez ao vivo em Berlim uma das lendas da cidade, Blixa Bargeld. No palco do Radialsystem V, um dos locais dedicados à performance mais bonitos da capital alemã, ele unia-se ao grupo suíço KiKu e ao performer norte-americano Black Cracker para o lançamento do novo álbum colaborativo entre os três, 'Eng, Düster und Bang' (Everest Records, 2017).

Nascido em 1959 na região de Tempelhof na Berlim Ocidental, Blixa Bargeld (nome de batismo: Christian Emmerich) cresceu no ambiente de divisão da cidade e surgiu no cenário da cultura alemã em 1980 com sua banda Einstürzende Neubauten, que se tornaria uma das mais longevas e experimentais do período, que foi tão frutífero para a música e a arte alemãs. A primeira apresentação da banda aconteceu no dia 1° de abril de 1980, no Moon Club, com a formação inicial, que trazia outro nome que se tornou importante por si só, Gudrun Gut, além de Beate Bartel, N. U. Unruh e o próprio Blixa Bargeld. Influenciados pela experimentação dos grupos da geração anterior, como Kraftwerk e Can, os Einstürzende Neubauten tornaram-se conhecidos por fazer música com instrumentos criados com coisas abandonadas e encontradas na rua, ainda que, segundo o próprio, isto vinha mais da pobreza material em que os membros da banda viviam do que por uma ânsia de originalidade.

A colaboração tem sido uma constante no trabalho do berlinense. Não apenas pelo próprio caráter colaborativo da criação entre os membros de uma banda, mas pela união constante de Blixa Bargeld a outros artistas e projetos, como sua participação na banda de Nick Cave and the Bad Seeds entre 1983 e 2003. Viriam ainda colaborações com músicos como Alain Bashung, Teho Teardo, o duo com Alva Noto, e agora esta colaboração com KiKu e Black Cracker.

Um dos mais literários dos músicos alemães, eu tenho especial apreço pelo seu trabalho solo com poesia falada ao som de música. Esse interesse do alemão pela escrita já se mostrava no próprio trabalho dos Einstürzende Neubauten, como nas faixas em que textos do dramaturgo Heiner Müller (1929-1995) são vocalizados. Isso está fincado numa longa tradição alemã, a da Spruchdichtung (poesia falada, literalmente) e da Sangspruchdichtung, que remontam à Idade Média. Para estas performances, em inglês e alemão, Blixa Bargeld vocaliza textos alheios e seus próprios poemas, intercalando sua fala com seu grito inconfundível, que Nick Cave chegou a descrever como “o som de um gato ou uma criança sendo mortos”. Num momento como o nosso, que se assemelha em alguns aspectos à década de 80, é reconfortante saber que Blixa Bargeld ainda grita. A vontade é de gritar com ele.

Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.