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Bibliothek: Dramaturgia entre os germânicos

Ricardo Domeneck
14 de novembro de 2017

Uma das diferenças entre as literaturas germânica e lusófona, aparentemente definidora: a importância da escrita dramatúrgica entre os germânicos e sua aparente desimportância entre os lusófonos.

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Bertolt Brecht
Bertolt BrechtFoto: picture-alliance/dpa

São hoje muitos os gêneros nos quais o trabalho de um escritor pode espraiar-se, ainda que a palavra "escritor" nos leve imediatamente a pensar em romancistas. Há por exemplo na Alemanha um gênero que jamais se estabeleceu como opção nobre no Brasil, o das hörspiele (novelas radiofônicas), das quais um dos grandes nomes foi Ingeborg Bachmann. Não houve entre os brasileiros quem tivesse deixado contribuições canônicas neste gênero, e mesmo a dramaturgia teatral parece trazer poucos nomes à mente, em geral apenas o de Nelson Rodrigues, quando muito também o de Plínio Marcos.

Ao mesmo tempo, é impossível pensar a literatura germânica moderna sem dramaturgos como Georg Büchner, Heinrich von Kleist, Gerhart Hauptmann, Bertolt Brecht, Ödön von Horváth, Peter Weiss, Friedrich Dürrenmatt ou Heiner Müller. Esta é uma das diferenças entre as literaturas germânicas e as lusófonas que sempre me pareceu definidora: a importância da escrita dramatúrgica entre os germânicos, sua aparente desimportância entre os lusófonos.

Outro gênero de natureza dramatúrgica que parece ainda ter pouco respaldo crítico no mundo é o roteiro de cinema. Nascido da dramaturgia teatral, é claro que ele traz necessidades específicas de escrita. Mas alguns grandes textos fílmicos já atingiram sua posição de respeito dentro da obra de escritores.

Para mim, um dos grandes exemplos é o roteiro de Marguerite Duras para o filme de Alain Resnais, Hiroshima mon amour (1959). Alain Resnais parecia fazer questão de trabalhar com escritores que não estavam ligados ao cinema. Além da colaboração com Marguerite Duras, filmaria roteiros escritos por Alain Robbe-Grillet (L'Année dernière à Marienbad, 1961), Jean Cayrol (Nuit et brouillard, de 1955, e Muriel ou le Temps d'un retour, de 1963) e ainda Jorge Semprún (La guerre est finie, 1966).

Quem, na literatura germânica, assume papel parecido de colaboração com o cinema? Há os dramaturgos que teriam suas peças filmadas, como é o caso do romance de Heinrich Böll, Die verlorene Ehre der Katharina Blum (1974), adaptado para as telas por Volker Schlöndorff e Margarethe von Trotta em 1975.

Os trabalhos de Rainer Werner Fassbinder começavam, em muitos casos, como peças de teatro, e depois transformavam-se em filmes. Um dos casos mais conhecidos é Die bitteren Tränen der Petra von Kant (1972). Um dos seus primeiros trabalhos literários foi a peça Tropfen auf heisse Steine (1966), que seria encenada pela primeira vez em 1985 no Theaterfestival München, e filmada mais tarde por François Ozon como Gouttes d'eau sur pierres brûlantes (2000).

Mas, assim como Marguerite Duras e seu Hiroshima mon amour, o nome germânico que se dedicaria a escrever especificamente para o cinema, criando trabalhos literários de grande poeticidade, foi sem dúvida Peter Handke. Primeiramente, ele colaboraria com Wim Wenders na adaptação de seu romance Die Angst des Tormanns beim Elfmeter (1970), filmado em 1972. Mas meu trabalho favorito neste caso é seu roteiro para Der Himmel über Berlin (1987).

É um roteiro, mas é também um grande poema, em minha opinião, ainda que muitos amigos considerem este trabalho de Wim Wenders o início de sua guinada cafona. Esta discussão me veio à mente hoje, almoçando com um velho amigo em Berlim, o escritor e crítico de cinema Pablo Gonçalo, autor de O Cinema como Refúgio da Escrita: Roteiro e Paisagens em Peter Handke e Wim Wenders (São Paulo: Annablume, 2016), no qual discute longamente estas colaborações. Deveria haver mais colaborações como estas. Certamente, acredito que elas elevariam em muito a qualidade do cinema sendo feito hoje no Ocidente.

Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.

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