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TeatroAlemanha

Bertolt Brecht se considerava "logo abaixo de Goethe"

Linda Csapo (sv)31 de agosto de 2006

Meio século após a morte do dramaturgo, sua obra é pouco cultuada na Alemanha. Em muitos outros países, ao contrário, ele é celebrado com todas as honras.

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Bertolt Brecht Porträt
Foto: picture-alliance/dpa

Quando jovem, Bertolt Brecht, distante de qualquer modéstia, já estava convencido de que seria o segundo maior poeta e pensador do país: "Estou logo abaixo de Goethe", profetizava o então estudante à namorada da época. Esse delírio de grandeza juvenil mostrava o caminho que viria pela frente: seus dramas acabaram sendo encenados nos teatros e televisões do país e suas peças constam de qualquer livro didático sobre artes cênicas.

Mesmo assim, 50 anos depois de sua morte, Brecht se tornou um desconhecido em seu país de origem. Uma pesquisa recente, encomendada pela revista Bücher, interrogou mais de mil alemães a respeito do dramaturgo. O resultado: nada menos que 42% dos entrevistados nunca tinham lido ou visto nada de Brecht.

E a maioria esmagadora (89%) nem ao menos vislumbrava que o dramaturgo havia fundado um teatro ainda hoje conhecido, e muito menos sabiam dizer que teatro era esse. "Brecht é simplesmente passé", foi a conclusão lapidar de Konrad Lischka, editor-chefe da Bücher.

"Grande, mas pior filho da cidade"

Bertold Brecht
Brecht, aos 20 anos, em AugsburgFoto: PA/dpa

E por que o grande mestre Brecht não desperta mais interesse nos discípulos, que não querem nem saber dele? Por causa de seu entusiasmo incondicional pelo comunismo, ele já era, em vida, idolatrado ou desprezado na Alemanha, de acordo com o ponto de vista ideológico de quem emitia o parecer. Durante a Guerra Fria, Brecht chegou até mesmo a ser boicotado como "comunista e ateísta" pelos círculos literários da então Alemanha Ocidental.

Brecht tinha, lembre-se, uma relação indiferente com sua terra natal, Augsburg: o melhor de lá, consta que declarou certa vez o dramaturgo, era o trem que saía em direção a Munique. Kurt-Georg Kiesinger chegou a chamar Brecht de "o grande, mas pior filho da cidade".

No lado comunista, ele tampouco era abraçado com entusiasmo pelos camaradas: "Em Moscou, não havia nem compreensão nem interesse pelo seu teatro épico. Ele também jamais teria, com suas posições radicais, sobrevivido a um exílio soviético", conta o biógrafo Reinhold Jaretyky.

Pois Brecht manteve paralamente à sua lealdade ao "projeto comunismo", uma distância cética em relação ao poder do regime comunista – mesmo que esse aspecto seja hoje praticamente esquecido.

Admiralspalast in Berlin Die Dreigroschenoper
Encenação da 'Ópera dos Três Vinténs", no Admiralpalast, em BerlimFoto: AP

Entretanto não seria correto creditar a parca popularidade de Brecht somente às suas querelas políticas dúbias. Um outro aspecto elucidado pela pesquisa realizada recentemente mostra que a razão da rejeição a Brecht pode ser outra: 55% dos entrevistados leram uma peça de Brecht pela última vez ainda na escola.

Uma leitura obrigatória, que deixava os então escolares simplesmente enfastiados. Pois a maioria deles nunca mais quis ler nada do dramaturgo nos anos seguintes. E Brecht acabou se tornando uma fonte de dores de cabeça para os alunos. As razões? Leituras forçadas prematuramente, uma introdução incorreta em sua obra, que simplesmente azeda o prazer de ler seus textos para o resto da vida?

"Não se deve tirar conclusões tão drásticas de uma pesquisa como essa", diz o professor Jan Knopf, diretor do Centro de Estudos Bertolt Brecht da Universidade de Karlsruhe. Brecht, é, segundo ele, conhecido de outras formas que Goethe ou Thomas Mann.

E suas palavras se tornaram tão óbvias, que muitas vezes citamos Brecht mesmo sem saber. E encontramos fragmentos de obras, mesmo sem perceber. "Primeiro a barriga, depois a moral" ou "quem luta, pode perder, mas quem não luta, já perdeu" são algumas das citações de Brecht já tornadas "anônimas" e que se transformaram quase em domínio público.

Influência inestimável sobre o teatro brasileiro

Brecht Gala im Berliner Ensemble
'Fantasma' de Brecht e fachada do Berliner Ensemble ao fundoFoto: Franziska Poreski

Em outras regiões do planeta Brecht recebe, por outro lado, um tratamento muito melhor. O simples fato de o Festival Brecht, que acontece no Berliner Ensemble – Theater am Schiffbauerdamm, levar ao palco encenações de Tóquio, Barcelona, Budapeste, Nice, Zagreb e Florença já dá provas de sua importância internacional.

Suas peças conquistaram o mundo, de início, por uma razão muito profana: "Elas são simples e dão pouco trabalho em relação a cenário e figurino. Dessa forma são fáceis de serem encenadas em qualquer lugar e não dão trabalho para transportar. Na verdade, não é necessário nem mesmo dispor de um palco", diz Knopf.

Além disso, Brecht ainda é benquisto em regiões do planeta onde os temas tratados por ele – desigualdade social e política, violência, a hipocrisia da burguesia – são relevantes: em países que passam por períodos de transformação ou que apresentam quadros de pobreza, como os categorizados no chamado Terceiro Mundo.

"Suas obras e teorias tiveram um sucesso estrondoso na África do Sul, por exemplo", diz o professor Stephen Brockmann, responsável pela edição do Anuário Brecht da Universidade Carnegie-Mellon, de Pittsburgh.

Também no Peru, Chile e em vários países do Leste Europeu, Brecht é, no momento, bem mais cultuado que na Alemanha. "Sua influência sobre o teatro político no Brasil é inestimavelmente grande", completa Brockmann.

Berliner Ensemble Die Mutter von Bertolt Brecht
'A Mãe', de Brecht, em encenação de 2003, no Berliner EnsembleFoto: AP

As razões de tamanho sucesso estão, segundo o especialista, no fato de que as posições políticas revolucionárias e a estética de Brecht atingem o ponto nevrálgico de sociedades em transformação ou que anseiam mudanças sociais.

Na Alemanha, suas peças foram muito mais encenadas nos anos que sucederam 1968 do que são hoje, por exemplo. Na última estatística da Associação de Teatros no país, relativa à temporada de 2003/2004, não consta nenhuma peça de Brecht entre as 20 mais encenadas. Na estatística da temporada 2004/2005, a ser divulgada em breve, não há tampouco previsões de qualquer revival de sua obra.

As sociedades ditas ocidentais e ricas não se sentem hoje mais atingidas pelo discurso brechtiano. Mesmo assim, "ele é, sem dúvida, o dramaturgo mais importante e influente do século 20 em todo o mundo", afirma Brockmann.

E o ingrato público alemão, apesar da ingnorância, permite-se um toque de reparação: poucos dias antes do 50° aniversário de Brecht, comemorado no último 14 de agosto, foi inaugurado um festival em sua homenagem em Berlim.