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Berlim verá acervo artístico de antigo nazista

Augusto Valente13 de janeiro de 2003

Como num "thriller" politico, o caso da coleção Flick faz convergir em Berlim arte contemporânea e o Tribunal de Nurembergue. Uma história complicada que encontrou um final feliz. Pelo menos até segunda ordem.

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Friedrich-Christian Flick numa coletiva de imprensa, Zurique, março de 2001Foto: AP

O colecionador de arte Friedrich-Christian Flick queria fazer um presente à cidade de Zurique. Em plena metrópole suíça e do próprio bolso, ele pretendia mandar construir, pelo arquiteto superstar holandês Rem Kohlhaas, um museu abrigando sua coleção de obras contemporâneas modernas, a maior de todo o mundo em mãos de um particular. Sem sombra de dúvida, uma pretensão extremamente nobre. Portanto, onde está o problema?

No nome Flick.

Um grupo de artistas, dentre os quais os diretores Christoph Marthaler, Jürgen Flimm e Volker Schlöndorff, assim como o escritor Günter Grass, colocaram o passado do mecenas debaixo da lupa, confrontando a opinião pública suíça com questões delicadas. Será que Zurique desejaria possuir um museu particular relacionado ao avô de Friedrich-Christian, um fabricante de armamentos condenado a sete anos de detenção pelo Tribunal de Nurembergue? Pois os prelados encarregados de julgar os crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial consideraram Friedrich Flick culpado de exploração de trabalho escravo, saque de territórios ocupados e de negociar com a SS.

O museu traria o nome de uma família que até hoje se recusa a assumir qualquer culpa pelos crimes de seus antepassados, ao ponto de negar contribuição para o fundo "Memória, Responsabilidade, Futuro", do empresariado alemão, para indenização dos ex-trabalhadores forçados e internos dos campos de concentração. Uma recusa, a rigor, sustentada pelo regulamento da fundação elaborado pelos ex-escravos do nazismo, que prevê apenas a participação de empresas, mas não de pessoas físicas.

A arte como refém

Acusado de instrumentalizar a arte, Friedrich-Christian Flick inverte o jogo. Pelo contrário, a partir do momento em que ele anunciou que abriria sua coleção ao público, veio a exigência de que contribuísse para o fundo de indenização. Deste modo, afirma, "a arte foi, por assim dizer, tomada como refém, para obrigar-me a certas ações".

Retórica sofisticada, mas, e a arte? Aparentemente tudo terá um final feliz. Já em meados de 2002 Friedrich-Christian Flick e a Fundação Preussicher Kulturbesitz haviam iniciado negociações para a exposição do acervo particular em Berlim, cujo resultado foi anunciado na segunda semana deste ano: por um prazo de sete anos a partir de 2004, a Coleção Flick poderá ser visitada no Rieck Halle, um amplo galpão ao lado do "Museu do Presente" Hamburger Bahnhof. Este é possivelmente um primeiro passo para um empréstimo a longo prazo do acervo para a capital alemã.

Divina arte

A coleção do herdeiro industrial nascido em 1944 engloba cerca de 2500 peças. Dentre seus favoritos estão Francis Picabia, Marcel Duchamps, Kurt Schwitters e Piet Mondrian. Desde meados da década de 80 ele coleciona os minimalistas norte-americanos como Dan Flavin, Donald Judd e Richard Serra. Além disso, Friedrich-Christian Flick possui a maior coleção de peças do escultor e fotógrafo norte-americano Bruce Naumann, assim como obras de Gerhard Richter, Pippilotti Rist e centenas de fotografias relacionadas à Bauhaus.

A julgar por suas declarações, Flick é um amante das artes no sentido mais intenso, quase romântico, do termo: "Coleciono arte contemporânea porque a vida me interessa. Os artistas vêem a vida de uma perspectiva totalmente diversa de nós, 'meros mortais'. Eles têm para mim algo de divino, são os que estão mais próximos do processo de criação". Uma confissão de amor abertamente ingênua: quem o ouve quase esquece que, como tudo no mundo real, arte também é política. E prestígio. E dinheiro.