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"Berlim seria o destino ideal para Snowden"

Rob Mudge (mas)2 de abril de 2014

Autor de livro sobre delator da NSA, jornalista britânico relata pressão sofrida por publicar segredos sobre espionagem e afirma que, embora Alemanha fosse bom lugar para o americano, Merkel dificilmente o aceitará.

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Foto: AFP/Getty Images

Mostrar a verdade e o que aconteceu nos bastidores das ações de Edward Snowden, um dos homens mais procurados do mundo, foi o objetivo do jornalista britânico Luke Harding ao escrever Os Arquivos Snowden (Editora Leya, 2014).

O jornalista faz parte da equipe do jornal The Guardian, um dos principais divulgadores dos documentos obtidos por Snowden, e viveu na pele as pressões de estar envolvido em um caso tão polêmico e controverso.

Em entrevista à DW, Harding fala sobre sua experiência pessoal com o escândalo envolvendo a Agência de Segurança Nacional (NSA), as posições políticas de Snowden e o futuro do delator americano.

DW:Há uma série de especulações sobre os reais motivos de Snowden. São, de fato, suas convicções libertárias que o levaram a fazer tudo isso?

Luke Harding: Não há dúvidas de que Snowden veio politicamente da direita, um conservador de tradição libertária. Documentos mostram que ele doou dinheiro para Ron Paul, um dos políticos libertários mais famosos dos Estados Unidos. Ele posta na internet desde muito jovem, e algumas dessas mensagens deixam claro que alguns de seus pontos de vista são o que um liberal europeu consideraria repulsivo. Ele é contra o controle de armas, contra ações afirmativas e não acredita em segurança social, entre outras coisas.

Em seu recente depoimento no Parlamento Europeu, Snowden disse que os programas de espionagem, que ele chama de "vigilância sem justa causa", são ilegais e ineficazes. Esse é um ponto importante. Ele se vende como um patriota que acredita na necessidade da espionagem. Ele diz amar seu país, mas acredita que a espionagem deve ser dirigida contra determinados indivíduos. Ele é basicamente um patriota de direita.

Você cita no livro que ele tem o apoio de alas da direita nos Estados Unidos, mas não apenas delas. Na realidade, ele encontra apoio em todas as facções políticas. Se ele fosse um cidadão britânico, você acredita que ele estaria recebendo o mesmo tipo de apoio e incentivo?

Journalist und Autor Luke Harding auf der Frankfurter Buchmesse 2013
O jornalista Luke HardingFoto: picture-alliance/dpa

Acho que não. Houve a união bastante improvável de dois grupos: os democratas que apoiam a liberdade civil e um tipo clássico republicano libertário. Estou nos EUA no momento, e a cultura política aqui é de uma parceria ritualista. As opiniões sobre Snowden estão divididas, mas não de maneira convencional. A maioria dos jovens, assim como ativistas do Tea Party, são a favor de Snowden, algo incomum. Nos primeiros cinco ou seis meses que começamos a publicar textos sobre o caso, houve uma espécie de silêncio [no Reino Unido]. A maioria dos jornais ignorou a história. Os políticos estavam hostis ou silenciosos a respeito do assunto. Acredito que nos últimos meses a situação mudou.

Em toda essa história, o "Guardian" foi meio deixado de lado pelo governo e pela mídia britânica. O que isso pode realmente dizer sobre liberdade de imprensa, quando um governo consegue exercer tanta pressão sobre os meios de comunicação?

Várias coisas estão acontecendo. Primeiramente, o silêncio político não é difícil de explicar porque tanto os liberais, do governo anterior, quanto a atual coalizão, comandada pelos conservadores, foram responsáveis por autorizar esses ultrainvasivos programas secretos.

Outro ponto, sobre o qual eu escrevo no livro, é como o governo britânico pressionou o Guardian. Eles estavam descontentes por termos esse material, e eles queriam de volta. O premiê David Cameron disse ao Jeremy Heywood, seu mais alto colaborador no governo, que intimidasse Alan Rusbridger, editor-chefe do Guardian.

Buchcover The Snowden Files von Luke Harding
O livro de Luke Harding já foi lançado no Brasil

A abordagem do governo foi totalmente desastrada, já que o material sobre o Snowden estava distribuído em diferentes jurisdições. Partes estavam no Brasil com Glenn Greenwald, outras estavam em Berlim com Laura Poitras e também nos Estados Unidos. Mas o governo não queria ouvir. Toda campanha de pressão e intimidação eu descrevo no livro como algo entre a Stasi (polícia secreta da antiga Alemanha Oriental) e uma comédia pastelão. Por um lado foi quase cômico: dois espiões britânicos de meia idade assistindo jornalistas destruindo seus computadores e tirando fotos em seus iPhones. Mas por outro lado, para quem se preocupa com a liberdade de expressão e o direito dos jornais de investigar suas histórias, que são vergonhosas para o governo, foi uma cena deprimente.

Você escreve no livro que havia uma sensação de que no Reino Unido as pessoas são sujeitos, não cidadãos.

Isso era algo que eu pensei e relutei quando estava escrevendo o livro e também porque grande parte do livro foi escrito na Alemanha. Conheço muito bem o país, passei quatro anos em Berlim como correspondente. Os alemães são intuitivamente um povo privado. Eles não precisam ser ensinados sobre a importância da privacidade por causa de sua experiência ao longo da história. As memórias sobre a Stasi são reais. Há toda uma geração que ainda está viva e cresceu nesse cenário. No Reino Unido, me parece que ainda estamos completamente complacentes em relação aos nossos direitos. Mas talvez tenha a ver com o fato de que, apesar de alguns ataques terroristas e o conflito com a Irlanda do Norte, vivemos séculos de estabilidade. Isso nos deixou um pouco devagar em relação a assuntos como privacidade.

A Alemanha e a chanceler Angela Merkel foram um dos principais alvos das operações de espionagem. Você acredita que a Alemanha deveria se arriscar, se afastar dos Estados Unidos e, em algum momento, aceitar Snowden como asilado?

Acredito que a Alemanha seria o destino perfeito para Snowden. A situação dele em Moscou é complicada e pouco invejável. Ironicamente, devido a sua história, Berlim Oriental se tornou uma espécie de imã para profissionais da mídia que querem fugir de problemas. Eu encontrei com Jake Appelbaum (do site Wikileaks) em Berlim. A cineasta Laura Poitras está editando o filme sobre Snowden na cidade. Há uma grande, plural e florescente mídia na Alemanha, o que cria uma interessante discussão.

Angela Merkel mit sicherem Smartphone BlackBerry Z10
Segundo o jornalista, a Alemanha não deverá enfrentar os EUA e conceder asilo a SnowdenFoto: Reuters/Fabrizio Bensch

Berlim seria o lugar perfeito para Snowden, mas sejamos realistas. Mesmo que Merkel esteja indignada com o fato que seu telefone estava grampeado por uma década, ela é pragmática. Oferecer asilo a Snowden causaria grandes danos para sua parceria transatlântica. Essa é uma conta que nem ela nem qualquer outro político alemão estão preparados para pagar. Outro ponto interessante é que não sabemos o quanto os espiões da União Europeia são cúmplices da NSA.

O que você acha que acontecerá com Snowden quando seu asilo na Rússia terminar?

Acredito que ele será renovado. Ele não tem para onde ir e é claro que ele é um trunfo de propaganda para o Kremlin, o que não quer dizer que ele é um espião russo. Evidentemente, ele é uma maneira que Vladimir Putin encontrou de constranger o Ocidente, em um momento, com a invasão da Ucrânia, em que estamos cada vez mais próximos do cenário de uma nova Guerra Fria. Snowden é uma peça útil nesse jogo.