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BC alemão entre a autonomia e a decência

Neusa Soliz8 de abril de 2004

Berlim faz pressão para a renúncia do presidente do Banco Central. Ernst Welteke afastou-se do cargo por suspeita de favorecimento. A queda-de-braço entre o BC e Berlim põe em risco a autonomia da instituição.

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Presidente do BC, E. Welteke

"Os franceses acreditam em Deus, os alemães no seu Banco Central", teria dito certa vez o ex-presidente da Comissão Européia Jacques Delors. A citação demonstra a importância atribuída ao Bundesbank durante décadas. E justifica a grande preocupação de que a instituição venha a sofrer danos com o caso atual envolvendo seu presidente, Ernst Welteke, afastado do cargo, diante das acusações de favorecimento pessoal que pesam contra ele.

Welteke hospedou-se com a família em um hotel de luxo em Berlim, tendo a conta paga pelo Dresdner Bank, que o convidou como orador de sua festa de réveillon de 2001/2002, na véspera da circulação do euro. A denúncia veio da revista Der Spiegel, no último fim de semana.

Como a participação de Welteke era um ato oficial, o BC alemão ressarciu na segunda-feira parte da conta de mais de 7600 euros, e o presidente o restante. Mesmo assim, o ministério público anunciou na terça-feira a abertura de inquérito por recebimento de favor.

Na quarta-feira, após reunião de oito horas com a diretoria do Bundesbank, Welteke afastou-se temporariamente do cargo. Os diretores não viram motivo suficiente para destituir o chefe. O governo alemão, entretanto, reagiu imediatamente com palavras mais claras do que nunca. Para o Ministério das Finanças, Welteke tem de renunciar para preservar a reputação da instituição.

Ética e autonomia

O conflito entre o BC e Berlim implica questões de ética e autonomia do banco frente ao governo. Formalmente o governo alemão não pode influenciar esse tipo de decisão, devido à autonomia do Banco Central, que não está subordinado a nenhum poder externo. Na realidade, porém, uma declaração do governo tem peso, pois foi ele que fez a indicação do nome para o cargo.

Contudo, só a diretoria tem competência para demiti-lo. E,na opinião desta, o presidente só pode ser destituído caso cometa "uma falta grave", o que não seria o caso do hotel. Já o ministério ressaltou que os representantes do Banco Central devem ter conduta "irrefutável e irrepreensível". Um segundo caso envolvendo a presença de Ernst Welteke no célebre Baile da Ópera de Viena, com estadia paga por outro grande banco alemão, está sendo apurado.

Código acabará com conflito de interesses

A fim de evitar conflito de interesses, o BC decidiu a partir de agora adotar o recém-aprovado código de ética do Banco Central Europeu. Ele proíbe, entre outros, "aceitar ou exigir favores, honorários e presentes que ultrapassem valores usuais e insignificantes".

No contexto de defesa da sua independência, a decisão do BC de não demitir seu presidente pode ser considerada combativa. Para alguns analistas, porém, a diretoria teria apenas procurado escapar à pressão do governo. O afastamento, até que tudo esteja esclarecido, daria a impressão de que Welteke não conta com o pleno respaldo dos diretores.

A reserva do BC pode estar ligada à importância do episódio. Mesmo companheiros de Welteke no Partido Social Democrata (SPD) dizem que não se trata somente do fato do presidente do Bundesbank estar sob investigação da Justiça. "Numa época de reformas sociais na Alemanha, em que se exigem sacrifícios da população e instituições como o BC intervêm na discussão, é preciso que os mesmos valores estritos sejam válidos para todos", opinou o secretário das Finanças do Estado de Schleswig-Holstein, Ralf Stegner.

Euro tirou importância do BC

Na verdade, a decisão da diretoria do BC torna explícito o esforço de encontrar um caminho que leve em conta as duas coisas: o efeito do deslize cometido perante a opinião pública e a manutenção da autonomia do BC.

Por outro lado, o episódio demonstra como mudou a posição do outrora tão poderoso Bundesbank. Até hoje nenhum governo ousou, de forma tão descarada, exercer pressão sobre a instituição.

Isso se deve, em parte, à perda de influência do BC, que repassou ao Banco Central Europeu (BCE) sua mais importante função, a de definir a política monetária. Não obstante, com suas análises isentas, ele presta uma grande contribuição a uma discussão suprapartidária das reformas. "A voz do BC só se destaca entre as outras, se for clara e pura", disse um banqueiro à agência alemã DPA.

Risco de politização

No entanto, o BC corre o risco de uma politização, com a mudança de suas tarefas. De parte do governo, pode parecer conseqüente deixar o respeito anterior de lado, e querer ter maior influência. No futuro, Berlim não quer somente propor um nome para a presidência do Banco Central, como ter o direito de poder demiti-lo. Uma mudança que promete muito conflito e compromete de vez a autonomia.

Nos últimos meses, Welteke cobrou várias vezes do governo sólida política financeira e a manutenção do Pacto de Estabilidade. Com isso, enfrentou o ministro das Finanças, Hans Eichel. Como consta que suas relações nunca foram muito boas, o caso da estada de Welteke no hotel de luxo pode ter vindo a calhar para Eichel.

Berlim insiste em se tratar de uma questão de ética e de moral, e não de uma rixa pessoal. E examina que recursos teria para aumentar mais ainda a pressão. O estrago, nesse meio tempo, já é grande.

Um nome para substituí-lo já existe, segundo a imprensa alemã: o teuto-brasileiro Caio Koch-Weser, secretário adjunto no Ministério das Finanças. Há quatro anos, ele perdeu a candidatura para a direção geral do FMI para Horst Köhler. Será que conseguirá desta vez presidir o BC alemão?