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Entrevista

Helena de Gouveia (rw)30 de agosto de 2007

Em entrevista exclusiva à DW-RADIO, o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, enfoca a presidência portuguesa do bloco, as negociações com a Turquia, Bush e o processo pós-Kyoto.

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Engajamento pela Europa rendeu a Barroso 'Prêmio do Futuro', entregue em Bonn pelo governador da Renânia do Norte-Vestfália, Jürgen RüttgersFoto: AP
O presidente da Comissão Européia, o português José Manuel Durão Barroso, considera muito boa a chance de que no encontro de cúpula de outubro em Portugal seja selado um Tratado de Lisboa, que defina os rumos da União Européia (UE). "O tratado reformador vai permitir aumentar a transparência, a responsabilização das instituições e, portanto, também a sua legitimidade", afirmou.

Sobre as observações do presidente francês, Nicolas Sarkozy, a respeito das negociações para o ingresso da Turquia na UE, Barroso advertiu que sejam respeitadas as decisões tomadas pelo conjunto de países. Segundo ele, questionar decisões anteriores pode colocar em risco a credibilidade da UE.

Ao criticar o discurso "defensivo e pessimista de alguns políticos europeus", Barroso alertou que se deve aproveitar as chances da globalização, tentando influenciá-la com os valores europeus e defendendo os interesses da UE.

DW-RADIO: A presidência portuguesa da União Européia herdou da alemã um mandato para concluir um tratado reformador. Em sua opinião, teremos em outubro um Tratado de Lisboa, depois da clara decisão no último conselho europeu?

Durão Barroso: Há todas as condições para isso. Houve um mandato muito preciso, um grande trabalho, temos de reconhecer, da presidência alemã e de Angela Merkel. Se todos os governos forem leais e respeitarem a palavra que deram, com certeza teremos condições para um acordo político no Conselho Europeu de outubro e para que o tratado seja assinado em Lisboa até o fim do ano.

Sendo um mandato extremamente minucioso, qual é a margem de manobra da presidência portuguesa e quais são os principais desafios que enfrenta?

Penso que a presidência portuguesa está interessada que se respeite o caráter detalhado e minucioso do mandato para que não se reabram questões já politicamente resolvidas. É um trabalho importante de acerto, em grande parte também técnico e jurídico, embora a experiência demonstre que estas questões, quando se discutem tecnicamente, às vezes assumem também dimensão política. O que se espera da presidência portuguesa é que use aquilo que é tradicional na sua diplomacia, que é o sentido de equilíbrio, a vontade de compromisso, a honestidade na procura de soluções consensuais. A Comissão Européia apóia os esforços da presidência para que este acordo seja finalizado o mais depressa possível.

Parece ter havido uma inflexão na posição do presidente francês na questão da Turquia. Está a Europa em condições de corresponder à expectativa que deu a Ancara?

Decidimos todos, incluindo a França, iniciar negociações com a Turquia. Não decidimos que a Turquia será membro da União Européia. A decisão terá de ser tomada mais tarde, se a Turquia está em condições de aderir à UE ou se a Europa está em condições de integrar um país com a dimensão, com os problemas da Turquia.

O que eu tenho pedido insistentemente ao presidente francês, que tem uma posição negativa de princípio quanto à Turquia, é que não obstaculize as negociações. Se isso acontecesse, a credibilidade européia estaria em causa. No futuro, não poderíamos assumir compromissos para com terceiros países porque estes compromissos poderiam ser postos em causa por um novo governo ou um novo presidente que assumisse num dos nossos países.

Continue lendo na página seguinte sobre a transparência na UE, a cúpula com a África e a conferência sobre o clima convocada pelo presidente dos EUA, que terá a participação da Comissão Européia

A ex-secretaria de Estado Madeleine Albright disse certa vez que para compreender a União Européia é preciso ser um gênio ou ser francês. A comunicação com o cidadão é uma das prioridades da Comissão no próximo ano e meio. Como funcionará esta estratégia de comunicação?

A comunicação que nós queremos deve ser transparente, explicar as questões, incluindo as mais complexas. É verdade que a UE será sempre complexa e temos de evitar aí o simplismo. Somos 27 países democráticos, com regras muitas vezes diferentes. As decisões por democracia tomam tempo. Nos EUA também. Nos Estados Unidos, que são um país federal, muitas vezes também temos de ser gênios para entender o que se passa naquele diálogo difícil entre as diferentes agências do governo, entre o governo e o congresso. (...) Eu poderia falar muito da complexidade do sistema americano.

Se nós na Europa somos 27 países, também podemos ter algumas complexidades e devemos encarar isso com naturalidade. O que se pede é que se tenham mecanismos de controle democrático, de transparência. E o tratado reformador vai permitir aumentar a transparência, a responsabilização das instituições e, portanto, também a sua legitimidade.

O senhor disse que a liberdade, a segurança e a prosperidade dos europeus dependem da capacidade da UE e dos seus membros de influenciarem o curso da globalização, promovendo seus valores e defendendo seus interesses. Neste âmbito, qual é a importância que atribui à futura cimeira entre a União Européia e a África?

Se me permite, antes de falar da África... É verdade que a globalização está aí. Há globalização porque ela já não depende de uma decisão política dos governos. Ela tem muito a ver com as reformas econômicas, com as novas tecnologias. Por isso, a questão que se impõe à Europa é: vamos resistir à globalização? Ou vamos, pelo contrário, tentar influenciá-la com os nossos valores defendendo também os nossos interesses? Obviamente é esta a nossa perspectiva.

A Europa, no seu conjunto, é a maior potência comercial do mundo. A Alemanha, por exemplo, é um grande país exportador. Por isso tenho dificuldade às vezes de compreender o discurso meramente defensivo, negativo, pessimista de alguns políticos europeus. Aquilo que devemos transmitir, sobretudo às novas gerações, é a necessidade de nos adaptarmos.

Não nos fecharmos, mas nos abrirmos, obviamente que não de maneira ingênua, mas procurando standards europeus e defendendo quando for necessário com muita firmeza o interesse europeu. A Europa tem que ganhar a batalha da globalização, ela não pode ter medo da globalização. Não conheço nenhuma batalha que tenha sido ganha porque se teve medo. Ela é ganha porque se tem confiança.

Neste sentido temos de ter relações não apenas com nossos parceiros tradicionais, como os Estados Unidos, mas também com os grandes blocos que estão a emergir. E um deles é a África, que está muito perto de nós geograficamente e com a qual há relações históricas muito importantes. A África é um continente com problemas gravíssimos, mas potencialmente muito rico, com muitas matérias-primas que interessam também à Europa. Podemos fazer muito pelo desenvolvimento africano e ao mesmo tempo ajudar o crescimento da economia européia. É este o objetivo da cimeira de Lisboa: criar uma maior cumplicidade e uma maior parceria entre a África e a Europa.

O presidente norte-americano convocou para Washington uma cimeira sobre alterações climáticas para refletir sobre o pós-Kyoto. Foram convidados os 15 países mais poluentes e os representantes da Comissão Européia. De que servirá esta cimeira?

É uma mais-valia desde que contribua para o processo das Nações Unidas. Este ponto é muito importante. Eu mesmo discuti com o presidente norte-americano em Heiligendamm, no encontro do G8 sob presidência alemã. Houve um debate muito franco para saber se os EUA aceitavam ou não que o processo pós-Kyoto fosse um processo das Nações Unidas.

O presidente Bush disse que sim, mas achou que deveria haver um esforço especial dos países mais poluidores. O que é normal, porque se estes países que representarão cerca de 75% das emissões se juntarem, grande parte do trabalho já estará feito. Não vemos obstáculo nesta reunião do presidente Bush e com certeza participaremos, vendo-a como uma contribuição para o processo multilateral. As alterações climáticas são um desafio global e não faz sentido darmos respostas parciais.

Qual é o papel que pode desempenhar o instituto europeu de tecnologia na reestruturação da economia européia, aliando competitividade à baixa intensidade carbônica?

Temos avançado nesta idéia do Instituto Europeu de Tecnologia precisamente para vincar o aspecto da inovação. Temos na Europa alguns grandes institutos e algumas magníficas universidades, mas nem sempre temos feito a transição daquilo que é o avanço acadêmico científico para o mundo da economia real, dos negócios. Por outro lado, nem sempre temos utilizado a dimensão européia no seu conjunto: temos boas coisas na Alemanha, na Inglaterra, na Holanda, em alguns países escandinavos, mas falta a dimensão de Europa.

Os Estados Unidos, quando discutem inovação e procuram apoiar a ciência, não pensam apenas no estado de Nova York, da Califórnia ou de Massachusstes. Pensam no conjunto dos Estados Unidos, com a dimensão americana. Nós temos tido um esforço muito fragmentado. O Instituto Europeu de Tecnologia deve dar uma dimensão, formar uma rede européia, para promover a ligação entre investigação, inovação propriamente dita, e ensino.

A primeira comunidade de investigação e de conhecimento deveria ser ligada às alterações climáticas e à energia. É um setor de grande futuro, onde precisamos de ajuda da comunidade científica para resolver algumas disfunções e encontrar soluções práticas que possamos colocar a serviço da nossa economia, para que ela possa ser cada vez mais competitiva e orientada à defesa do meio ambiente.

EU-Gipfel, Jose Manuel Barroso
BarrosoFoto: AP