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Associação dá assistência médica a imigrantes ilegais

Nastasja Steudel (ca) 6 de abril de 2014

Estima-se que até 400 mil pessoas vivam na Alemanha sem um visto de permanência. Para elas, isso implica uma vida de medo, sem direitos e sem assistência médica.

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Foto: picture-alliance/dpa

Quando Maria [nome alterado pela redação] andava de trem, ela nunca deixava de comprar o bilhete. Também jamais atravessava um sinal vermelho, mesmo que nenhum carro estivesse passando. No trabalho, era sempre correta: durante 12 horas por dia, esfregava de joelhos incontáveis chãos de cozinha, limpava banheiros e salas de estar. A equatoriana nunca ficava doente ou chegava atrasada, embora seu salário mal desse para se manter.

Isso deu certo durante 15 anos, até aquele dia em meados de 2009. Por estar com pressa, ela não tomou o caminho habitual, que era mais seguro embora levasse mais tempo. Ao atravessar a estação ferroviária, deparou-se com um controle policial de rotina. Os agentes pediram para Maria se identificar, mas ela não pôde, já que nunca teve documentos.

Deportação depois de 15 anos

Como isso aconteceu pouco antes das férias, deixou-se que sua filha concluísse o sexto ano da escola. Senão, Maria teria ido no mesmo dia para a prisão, antes de ser deportada. A menina nascera na Alemanha, Maria já havia se separado há muito do pai da criança, que também vivia sem papéis no país.

A filha só conhecia o Equador, país natal de sua mãe, através de mapas, e falava apenas um pouco de espanhol. Antes de ser deportada, Maria ainda conseguiu se despedir de Sigrid Becker-Wirth, cabeça e alma da associação MediNetzBonn. "Foi terrível", conta a senhora de 61 anos. Ela ajudara mãe e filha muitas vezes, quando estavam doentes.

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Rede em Bonn é única saída para muitos imigrantes ilegaisFoto: DW/N.Steudel

Com uma dezena de apoiadores, Becker-Wirth ajuda refugiados sem status legal na Alemanha a receber assistência de médicos voluntários. Estes atendem sem burocracia e, principalmente, de graça. A iniciativa foi criada em 2003, com a perspectiva de que logo se tornaria supérflua. Mas desde então nada avançou em termos políticos, registra a ex-professora.

Atualmente a rede abrange mais de 80 médicos das mais variadas especialidades, em Bonn e redondezas. A associação é independente, sendo financiada por doações. Becker-Wirth prefere não citar números, porém revela que, em 2013, a MediNetzBonn gastou quase 43 mil euros em tratamentos médicos, sem estourar o orçamento.

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Sigrid Becker-Wirth ao lado de um médico voluntário e uma paciente no "consultório" em BonnFoto: DW/N.Steudel

Confiança pode ser fatal

Todos os dias, Becker-Wirth recebe os "sem papéis" entre as 17h30 e 19h, numa casa no norte de Bonn. Na cidade e redondezas, vivem cerca de 4 mil imigrantes ilegais, estimativas afirmam que são 400 mil em toda a Alemanha. Alguns a cumprimentam efusivamente quando ela abre a porta de seu minúsculo consultório para chamar o próximo. Outros entram temerosos e se sentam cabisbaixos numa das cadeiras marrons do corredor.

A sala de espera improvisada vai ficando lotada. Três filipinas tagarelam baixinho. Ao lado delas, um peruano lê para o filho um livro de contos de fadas em alemão. Um casal de kosovares espera, com uma pilha de radiografias debaixo do braço. Um sírio ainda está sendo esperado para pouco antes das 20h.

Ninguém quer falar abertamente sobre a própria história, com medo de que um detalhe a mais venha a denunciá-los e aniquilar a existência cuidadosamente construída. Becker-Wirth trabalhou duro para conquistar a confiança deles.

Ela recebe entre quatro e 15 refugiados por dia. Além das doenças comuns, como gripe, angina ou dores de vesícula, há também moléstias graves, como tumores ou câncer. Temendo perder o emprego devido à doença e por não saber a quem se dirigir, muitos só vêm quando já é tarde demais.

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Sala de espera da MediNetzbonn, associação que oferece ajuda a estrangeiros ilegaisFoto: DW/N.Steudel

A própria ilegalidade adoece

"Um mulher veio com câncer de mama quando as alterações já eram visíveis", portanto em estágio muito avançado, recorda Becker-Wirth. Outra paciente tinha tuberculose: por se tratar de uma doença altamente contagiosa, também é do interesse do Estado que ela fosse tratada, comenta.

O Estado até está disposto a ajudar, mas apenas segundo as suas regras. Através da chamada "Lei de benefícios a requerentes de asilo", quem vive ilegalmente na Alemanha pode fazer certas reivindicações. No entanto, apenas em caso de doenças graves e se divulgarem seu status de imigração. Aí é possível se obter um prazo de tolerância, que se encerra com a recuperação.

Como a MediNetzBonn não pode pagar tratamentos muito caros, como quimioterapia, algumas vezes Becker-Wirth tem que providenciar essa suspensão temporária da deportação. Mas ela não gosta de fazê-lo. Sob o constante medo de serem descobertos, sem saber como subsistir no próximo mês, muitos refugiados desenvolvem doenças psicossomáticas ou transtorno de estresse pós-traumático. Nesse último caso, a ex-professora e seus auxiliares também podem ajudar na obtenção de um visto condicional.

Becker-Wirth não sabe o que aconteceu com Maria e a filha. Só resta esperar que as duas estejam bem, e que sobretudo a menina se acostume ao novo país. Hoje em dia, diante de tais casos, ela tenta conseguir a legalização através da Comissão de Casos Extremos. "Crianças que nasceram na Alemanha e têm amigos aqui são praticamente cidadãs nacionais", afirma.

Depois de dez anos trabalhando na MediNetzBonn, Becker-Wirth aprendeu tudo sobre as leis de imigração. No momento, ela se engaja fortemente pela introdução de um cartão anônimo do seguro de saúde, para que os "sem papéis" possam ser integrados no sistema regular. "O que fazemos aqui é uma previdência paralela", afirma.