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Confusão na ONU

6 de janeiro de 2010

O ano de 2010 não traz apenas a Copa do Mundo, um eclipse lunar e eleições em vários países, mas também marca o início de dois novos anos internacionais das Nações Unidas. Será que alguém realmente atenta para eles?

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Sede da ONU em Nova YorkFoto: RIA Novosti

O ano de 2010 foi oficialmente batizado pelas Nações Unidas como Ano Internacional de Aproximação das Culturas e Ano Internacional da Biodiversidade. Mas, apesar de grandiloquência dos títulos, há aparentemente muito pouca consciência por parte do público em geral sobre o significado dessas datas. E há boas chances de que grande parte da população do planeta jamais tome conhecimento delas, mesmo quando 2010 já estiver se aproximando do fim.

O problema parece ser menos o desinteresse do que o fato de a ONU tentar promover muitos temas ao mesmo tempo. No ano passado, foram celebrados três anos internacionais, este ano há dois, e em 2011 estão previstos outros dois.

"O propósito desses anos é, essencialmente, apresentar os problemas que afetam o público do planeta", disse à Deutsche Welle o cientista político Johannes Varwick, da Universidade Erlangen-Nurembergue. "Mas quando as pessoas se deparam com tantas iniciativas, são incapazes de compreender o que está realmente em pauta", criticou.

Boa intenção demais

Esse problema é uma ameaça para a credibilidade da prática, iniciada em 1957 com o Ano Internacional de Geofísica. Depois, houve mais um modesto punhado de anos comemorativos até a década de 70, seguidos por um número razoável, mas ainda administrável, de comemorações nos anos 80 e 90.

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2010 é ano internacional de proteção da biodiversidadeFoto: picture-alliance / OKAPIA KG, Germany

Mas após 2000, o número de anos internacionais, celebrando uma ampla gama de temas humanitários, sociais e ambientais, começou a se multiplicar no calendário da ONU.

O cientista político alemão atribui essa proliferação aos diversos interesses defendidos pelos países-membros da ONU. "Existem grupos de Estados tentando empurrar certas questões para a ordem do dia, e ninguém quer se opor a eles", observou Varwick. "Se eu estivesse na Assembleia Geral e um país dissesse que devemos ter um ano da batata, eu provavelmente diria que, por mim, está tudo bem”, brincou. "Eles não fazem mal a ninguém, mas acabam fazendo inflacionando a lista de questões, e tudo fica diluído."

Regras feitas para serem quebradas

Em 1980, a ONU deve ter tido um pressentimento de que as coisas poderiam desafinar e tomou medidas de precaução. Como lembra a diretora geral da Associação Alemã das Nações Unidas, Beate Wagner, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução prevendo regras para a seleção e a estrutura dos tópicos escolhidos.

"Eles devem estar estreitamente ligados aos objetivos e aos princípios das Nações Unidas, a maioria dos países deve estar realmente interessada no tema, e deve haver apenas um tema por ano", disse Wagner à Deutsche Welle, acrescentando que foram previstos também intervalos entre os anos internacionais.

Mas a ONU acabou desrespeitando sua própria resolução. Apesar de anos internacionais serem determinados pela Assembleia Geral, eles dependem totalmente de que governos, sociedades civis e ONGs os façam valer na prática.

Um dia é suficiente e mais eficaz

Porém, a maioria das ONGs não tem os recursos para manter viva uma campanha por um ano inteiro. As entidades optam, em vez disso, por usar o dia internacional como plataformas para o seu trabalho. Na opinião de Dawid Bartelt, porta-voz da seção alemã da Anistia Internacional, é mais fácil que haja um dia único, para chamar a atenção, do que uma celebração diluída em um ano inteiro.

"Você tem que lançar uma campanha muito eficaz e sustentável e, mesmo assim, precisa de alguns dias nos quais possa produzir um pico promocional, no qual chamaa atenção das pessoas", disse. "Se você quer fazer algo, é melhor ter só um dia", concluiu Bartelt.

Atualmente existem mais de 70 dias de celebração na agenda internacional da ONU, e Bartelt acredita que eles se tornaram tão fora de moda como os anos comemorativos.

"Hoje, você tem um dia internacional para tudo e todos", disse ele, salientando que muitos deles são muito importantes. "Mas você também tem um dia internacional do coelho ou dia internacional da laranja, e eu temo que isso acabe provocando uma 'fadiga dos dias internacionais'."

Despertar o mundo

E enquanto fadiga e confusão estiverem no topo da agenda pública, há pouca esperança de que as campanhas da ONU cheguem aos corações e mentes da população mundial.

Segundo Beate Wagner, um bom ponto de partida para despertar o mundo para os seus próprios assuntos urgentes seria promover um retorno à resolução de 1980. "Restringir os anos internacionais a um tópico, um tópico único ou um tema intimamente relacionado à década internacional. E não é nada mau haver pausas", sugeriu.

Cabe ver se a ONU está realmente empenhada em separar o joio do trigo. Nesse meio tempo, a biodiversidade permanece no topo da agenda. Pelo menos nos próximos 12 meses.

Autor: Tamsin Walker (md)
Revisão: Augusto Valente