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Longe do que deveria ser

24 de julho de 2009

Sistema latino-americano de integração vive à sombra de suas metas adiadas no âmbito comercial e das esperanças que gera como mediador político na região. Um desafio é não desaparecer atrás de personalidades como Lula.

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Foto: AP

Lutar como os três mosqueteiros de Alexandre Dumas, um por todos, todos por um. Esse era o objetivo do Mercado Comum do Sul quando a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai criaram a rede de cooperação para fortalecer a integração entre os países da América do Sul.

Porém hoje – após completar, em março último, 18 anos de criação, e em plena 37ª cúpula, em Assunção, no Paraguai – a percepção que se tem do Mercosul é de um projeto promissor que não acaba de dar a partida.

Talvez se espere dele mais do que pode oferecer. Os latino-americanos se perguntam por que o grêmio brilha pela sua ausência como mediador cada vez que surgem tensões geopolíticas na região.

Pode-se responder a essa pergunta com outra: como pode o Mercosul converter-se em ator de peso político quando nem sequer alcançou tudo aquilo a que se propôs em seu principal âmbito de competência, o comércio?

Falta de influência supranacional

"O Mercosul é uma zona de livre comércio imperfeita e não se transformou completamente numa união aduaneira", afirma Claudia Zilla, cientista política especializada em América Latina e pesquisadora do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e Segurança (SWP) de Berlim.

"Esse sistema de integração perdeu importância como trampolim para que seus membros saltem para o mercado internacional. Mas também a sua dimensão política perdeu relevo."

Um exemplo é seu silêncio sobre temas como as mudanças climáticas e a crise financeira global. "Ouviu-se falar da posição dos países do G20, onde estão representados o Brasil, a Argentina e o México. Mas qual é a posição do Mercosul?", indaga Zilla.

O fato de essa rede de cooperação só funcionar em escala intergovernamental, e não como bloco, explica parcialmente seu pouco peso político: o Mercosul carece de instâncias com influência supranacional.

Por outro lado, as querelas entre seus integrantes comprometem ainda mais seu potencial como interlocutor de dimensão continental. Afinal de contas, ele vem se ampliando desde 1991, e agora inclui como membros associados países com governos tão distintos quanto a Bolívia, o Chile, a Colômbia, o Equador, o Peru e a Venezuela.

Outros atores mais importantes

Para poder transformar-se num ator político influente na América Latina, o Mercosul teria que oferecer maior coerência interna e participar da cena internacional como um bloco homogêneo.

Ou, pelo menos, demonstrar que pode arbitrar efetivamente os conflitos políticos entre seus próprios membros. Como o ocorrido entre o Uruguai e a Argentina devido à construção de duas fábricas de papel às margens do Rio Uruguai, sem consulta prévia ao órgão binacional que administra a exploração do leito desse rio fronteiriço.

Zilla enumera outros casos: a criação do clube dos "Amigos da Venezuela", durante a crise política naquele país, foi iniciativa não do Mercosul, mas sim de alguns países-membros. "Na crise entre a Colômbia e o Equador foi o Grupo do Rio a intervir; na crise interna boliviana foi a União das Nações Sul-Americanas (Unasul)", complementa.

Enfim: outros sistemas de integração e cooperação têm intervindo politicamente quando se faz necessário e demonstraram maior potencial como protagonistas do que o Mercosul, analisa a cientista política.

Honduras: exercício muscular

A crise institucional em Honduras desde o golpe militar contra o presidente Manuel Zelaya, em junho último, tampouco mudará esse quadro. Em si, trata-se de uma oportunidade para que organizações regionais exercitem seus músculos como mediadoras políticas. Porém, alguns observadores internacionais duvidam que o Mercosul encontre-se entre aqueles aptos a gerar soluções.

Entre eles está Peter Peetz, do departamento latino-americano do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), de Hamburgo. "O Mercosul não é importante para Honduras, cujo intercâmbio comercial com os países que o integram não é muito grande. Dois terços das exportações hondurenhas vão para os Estados Unidos, e seu segundo mercado é a própria América Central."

Brasil e Lula

"Ainda assim, penso que países como o Brasil podem participar das negociações para que Honduras saia dessa crise. Lula, sendo um presidente de esquerda moderado, seria capaz de mediar, pois não o acusariam de estar apoiando a agenda esquerdista de Zelaya nem o governo conservador de Roberto Micheletti", diz Peetz.

Zilla acrescenta: "Não apenas o Brasil, mas também, e especialmente, Lula é que é capaz de representar efetivamente o papel de mediador na região". Mais do que os recursos do Brasil como poder emergente, são os recursos do presidente brasileiro, como figura política, a convertê-lo em personagem de alto nível de aceitação no país e na América Latina, enfatiza a pesquisadora do SWP.

Desse ponto de vista, o próximo desafio para o Mercosul seria não deixar-se apagar, como sistema, pelas personalidades carismáticas que acolhe em seu seio. Luiz Inácio Lula da Silva é uma delas, Hugo Chávez é a outra.

Autor: Evan Romero-Castillo
Revisão: Alexandre Schossler