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Alemanha quer investir mais em projetos antirradicalização

Ben Knight (ca)16 de dezembro de 2015

Governo estuda aumentar orçamento para projetos contra a radicalização de jovens, principalmente antifundamentalismo islâmico. Para alguns, esforço foi negligenciado por tempo demasiado e poderia contar com mais apoio.

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Ativistas do salafismo se dirigem a jovens em FrankfurtFoto: picture-alliance/dpa/B. Roessler

Os planos de Berlim de enviar aviões de reconhecimento para ajudar a campanha internacional de bombardeios contra o grupo jihadista "Estado Islâmico" (EI) na Síria vão custar 134 milhões de euros do orçamento público para 2016. Mas talvez haja formas mais baratas, mais eficazes e mais urgentes de combater os radicais islâmicos: através de projetos nacionais de prevenção ao extremismo.

"Negligenciamos a questão da prevenção por muito tempo", declarou um secretário alemão do Interior em recente artigo da revista Der Spiegel. Essa opinião é aparentemente compartilhada por muitos políticos alemães. A ministra alemã da Família e Juventude, Manuela Schwesig, gostaria de ver o governo dobrar para 100 milhões de euros o orçamento para o programa federal Demokratie Leben (Viver a democracia), que financia projetos de prevenção.

"Somente neste ano foram disponibilizados mais de 5,8 milhões de euros para métodos de prevenção em diferentes níveis no campo do extremismo islâmico", declarou à DW um porta-voz do Ministério da Família. "Como projetos individuais só tiveram início no segundo semestre deste ano, no próximo ano o subsídio vai subir para mais de 7,5 milhões de euros."

Ameaça salafista

Samy Charchira, da diretoria da organização de prevenção baseada em Düsseldorf Wegweiser ("sinal de orientação", em alemão), saúda a iniciativa governamental. "Sem dúvida, o Demokratie Leben tomou um rumo muito interessante. A boa notícia é que alguns grupos de fé muçulmana foram integrados na abordagem."

Para Charchira, a iniciativa chega mais do que na hora, já que o movimento muçulmano mais radical da Alemanha, conhecido como salafismo, cresce rapidamente e tem grande alcance nas redes sociais.

Essa também é a opinião do Departamento Federal de Proteção à Constituição (BfV, na sigla em alemão). De acordo com dados que divulgou na semana passada, acredita-se que existam mais de 1.100 salafistas potencialmente violentos no país. Por outro lado, o número de extremistas dos direita violentos estimado pelo BfV é dez vezes superior.

"Posso lhe dizer que todos os centros de orientação têm muito o que fazer", acrescenta o diretor da Wegweiser. "Por um tempo, tivemos 70 ou 80, até mesmo 100 chamadas telefônicas por dia." A maioria desses telefonemas é de pais e professores, ou até mesmo vizinhos, preocupados sobre como reconhecer a radicalização e como se comportar.

"A primeira coisa que devemos fazer é verificar os relatos", explicou Charchira. "Algumas vezes, alguém liga e diz: 'Um aluno da minha turma começou a deixar a barba crescer e está se comportando de forma um pouco estranha.' Mas isso, é claro, não significa necessariamente nada."

Depois de ter reconhecido que é preciso tomar uma providência, a Wegweiser tenta estabelecer contato com os jovens em questão – sempre evitando revelar quem procurou o centro, para não dar impressão de que houve uma denúncia. Conquistar confiança é vital. "É preciso educadores sociais muito bons e muito bem treinados", explica Charchira. "Gente que saiba como é a vida dos jovens, que fale a linguagem deles."

deutschland Tag der offenen Moschee
Jovens que se radicalizam geralmente não frequentam mesquitasFoto: picture-alliance/dpa/M. Skolimowska

Uma vez que se estabeleceu a confiança – o que, segundo as estimativas da Wegweiser, é possível em mais de 80% dos casos – a organização tenta saber mais sobre como vivem esses jovens, com quem conversam, que lugares frequentam. Um fato que talvez surpreenda é que jovens muçulmanos radicalizados frequentam muito pouco as mesquitas. "É antes uma exceção alguém que tenha se radicalizado ir à mesquita. Eles costumam se juntar a outros grupos, e nunca se encontram em mesquitas."

Uma causa – o racismo cotidiano

Em entrevista ao jornal berlinense taz, Michael Kiefer, estudioso do islamismo e que também trabalha para a organização Wegweiser, apontou a falta de pesquisas sobre os processos de radicalização. Ninguém pode dizer, de verdade, como e por que tantos jovens se radicalizam. "Falta realmente a oportunidade de colocar todo esse trabalho de prevenção sobre uma base científica", concorda Samy Charchira.

Mas, ainda assim, ele acredita que o racismo cotidiano desempenha um papel muito mais importante do que se suspeite. "O aumento significante da islamofobia afeta realmente os jovens; aliado ao racismo que os jovens enfrentam todos os dias, ao procurar um apartamento, um emprego, o que quer que seja. Isso os transforma, reforça certas atitudes. Pessoalmente, eu acho que esse fator no processo de radicalização é subestimado."

"Um dos modelos de sucesso para os grupos de radicalização salafistas é a criação dos construtos 'eles e nós': eles os infiéis, nós os fiéis. E isso é estimulado maciçamente pelo racismo cotidiano", explica o colaborador da Wegweiser. "Quando se faz um adolescente de 14 ou 15 anos sentir constantemente que não pertence à sociedade, que não é alemão 'de verdade', ele vai encontrar legitimação nos grupos radicais."

Recursos bem-vindos

Em meio a tudo isso, recursos financeiros são vitais. A organização Ufuq ("horizonte", em árabe) tem promovido workshops em escolas de Berlim desde 2007, mas foi somente em fevereiro deste ano que passou a tomar parte do projeto Demokratie Leben . Assim, em vez de ter de mais uma vez se candidatar para verbas de várias fontes, seu financiamento está garantido por cinco anos. "Um verdadeiro alívio", comentou o cofundador Götz Nordbruch ao taz.

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Ministra da Fmília Manuela Schwesig (dir.) gostaria de dobrar orçamento para antirradicalizaçãoFoto: picture-alliance/dpa/B. Von Jutrczenka

Num workshop típico, Ufuq mostra filmes sobre a sharia (lei tradicional islâmica), sobre a Constituição alemã, sobre islamofobia e papéis de gênero, com o fim de provocar debate. "Damos aos jovens espaço para falarem sobre sua ideia de como pertencem [à sociedade], sobre sua identidade e religião", afirmou Nordbruch.

Um dos programas mais importantes é a rede Violence Prevention Network (VPN), que desde 2001 vem trabalhando na desradicalização de extremistas, tanto de direita como islâmicos. Atualmente seu orçamento anual é de 1,95 milhão de euros, provenientes dos governos federal e estaduais da Alemanha, e da União Europeia.

Seu trabalho é abrangente e distribuído em três áreas: prevenção – workshops em escolas e a sensibilização de professores e educadores sociais para os primeiros sinais de radicalização; intervenção – trabalhando com indivíduos que já demonstraram esses sinais; e desradicalização – ajudando os que aderiram a grupos radicais a abandoná-los, inclusive os retornados da guerra civil na Síria.

Todo esse trabalho é de extrema importância e fontes do Ministério da Família em Berlim sugeriram à DW que gostariam de ver o governo alemão investir ainda mais recursos na prevenção de extremismo.

Para Samy Charchira, isso seria mais do que bem-vindo. "Aqui no estado da Renânia do Norte-Vestfália, temos cerca de um educador social para 4 mil alunos, em alguns estados, essa proporção é ainda menor. Isso é um desastre."